Revisitando Adam Smith
Em tempos de crise econômica a primeira
vítima normalmente é o livre comércio e a primeira atitude é a regulação dos
mercados.
Apesar do que os países componentes do G-20 têm
declarado, a história mostra que sempre depois de uma crise os países tendem a
aumentar o protecionismo.
Da mesma forma, logo que estouram bolhas, as bolsas os
mercados tendem a ser mais regulados, com direta intervenção do autoridade
estatal. Aqui não resta dúvida: os governos americano e europeus vêm sendo
obrigados a entrar como sócio em instituições financeiras consideradas sólidas
até bem pouco tempo.
Contudo, em tempos de insegurança e
pessimismo quanto ao funcionamento dos mercados e em última instância do
próprio capitalismo, nada melhor que lembrarmos do economista que lançou as
bases do pensamento liberal: o escocês Adam Smith com a publicação do livro
Indagações sobre a natureza e as causas da riqueza das nações em 1776.
O livro se concentra numa meta em
particular: descobrir leis que expliquem como conquistar a riqueza. E tais leis
estariam no desejo humano de melhorar suas condições de vida. Smith descobriu
um “... desejo de melhorar a nossa condição, um desejo que, embora geralmente
calmo e desapaixonado, vem conosco do útero, e nunca nos abandona até que nós
vamos para o túmulo”. Entre o nascimento e morte “... existe um instante
escasso e talvez único no qual qualquer homem está tão perfeita e completamente
satisfeito com a sua situação, que não tem nenhum desejo de alteração ou
melhoria de nenhum tipo. Existiria ainda “...uma certa propensão na natureza
humana (...) para negociar, permutar e trocar uma coisa por outra (...) isso é
comum a todos os homens. Para aumentar a riqueza das nações, Smith argumenta que
a sociedade deveria explorar essas tendências naturais.
A seguir apresentamos alguns tópicos
sobre o pensamento exposto na Riqueza das Nações:
- Egoísmo: seria
uma rica fonte natural de prosperidade, pois nossas ações visam única e
exclusivamente nosso próprio benefício. Numa passagem famosa, temos: “ Não
é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que nós
contamos com o nosso jantar, mas pela consideração do seu próprio
interesse”. Mesmo aqueles que gostam de abater gado, fabricar cerveja ou
fazer pães não gostariam de fazer isso todos os dias se eles não fossem
recompensados pelo trabalho. No livro O Economista Clandestino de Tim
Harford encontramos uma alegoria muito interessante sobre os benefícios do
egoísmo de Smith:
“Eu, de forma
egoísta, compro cuecas, mas ao fazê-lo transfiro recursos para as mãos dos
fabricantes de cuecas e não faço mal a ninguém. Os trabalhadores na indústria
têxtil da China, onde a cueca é fabricada, buscam de forma egoísta o melhor
emprego, enquanto os empresários buscam, também de maneira egoísta, contratar
os empregados mais capazes. Tudo isso beneficia a todos. Os vens são
manufaturados apenas se as pessoas quiserem compra-los e são produzidos pelos
mais aptos a fazê-lo. Motivos talvez egoístas são postos a serviço de
todos.
- Mão
invisível – livre mercado: apesar de ser o egoísmo de cada um que rege
suas ações, as pessoas podem se mover por diferentes caminhos e ainda
assim se harmonizar e ajudar um ao outro – mas não intencionalmente.
Noutra afirmação clássica, Smith declara que, se todos procurarem promover
o seu próprio interesse, a sociedade prospera como um todo: “Ele (...) nem
pretende promover o interesse público, nem sabe o quanto ele o está
promovendo (...) visa apenas ao seu próprio ganho, e está nisso, como em
muitos outros casos, guiado por uma mão invisível para promover um fim que
não era parte de sua intenção”. Essa mão invisível simplesmente simboliza
o verdadeiro orquestrador da harmonia social – o livre mercado. O escritor
Todd G. Buchholz em seu livro Novas idéias de economista mortos, dá o
exemplo de John, um jovem escultor que um belo dia resolver esculpir estátuas
de grandes abutres para vender em sua comunidade. Nem preciso dizer que o
mercado para esculturas de abutres não é lá muito grande o que faz John
rapidamente desistir dos abutres e passa a produzir mesas, produto esse
que encontra uma melhor acolhida entre seus vizinhos.
- Divisão do
trabalho: o exemplo clássico de Smith é a fábrica de alfinete, onde ao
invés de cada trabalhador começar do arame até chegar ao alfinete acabado,
seria mais inteligente dividir o trabalho entre os diversos processos de
produção, ganhando-se agilidade e produtividade.
- Honestidade:
para Smith a honestidade é melhor política na condução dos negócios.
Quando há um cenário de confiança entre os agentes, as operações se dão de
forma mais fluida sem a participação de intermediários ou ferramentas que
atestem a validade do que está sendo proposto. Em outras palavras ganha-se
tempo e dinheiro. Para Smith: “A natureza, quando formou o homem para a
sociedade, dotou-o de um desejo origina de agradar e de uma aversão
original a ofender os irmãos. Ela lhe ensinou a sentir prazer quando o
avaliam de maneira favorável e dor quando o avaliam de maneira desfavorável.”
Ele ainda acrescentou: “O êxito da maioria (...) quase sempre depende da
simpatia e da opinião favorável dos semelhantes; e sem uma conduta
toleravelmente regular, é raro obtê-las. O bom e velho provérbio,
portanto, segundo o qual a honestidade é sempre a melhor política, se
mantém, em tais situações, quase sempre é verdadeiro.”
Como vemos são princípios simples que descritos com a
genialidade de Smith que nortearam o pensamento liberal e a forma de fazer
negócios nos últimos 200 anos de economia capitalista. Infelizmente de tempos
em tempos parece que alguns desses ensinamentos são esquecidos e acabam por ser
substituídos por outros, nem tão brilhantes. O resultado é conhecido: escuridão
do pensamento, pobreza e crises financeiras.
Bibliografia:
Ariely, Dan.
Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões.
Tradução Jussara Simões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Buchholz, Todd G.
Novas Idéias de economistas mortos; tradução de Luiz Guilherme Chaves e Regina
Bhering. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Gonçalves,
Carlos e Guimarães, Bernardo. Economia sem truques: o mundo a partir das
escolhas de cada um. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Harford,
Tim. O economista clandestino. Tradução Fernando Carneiro. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
McMillan,
John. A reinvenção do bazar: uma história dos mercados; tradução de Sergio Góes
de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar E., 2004.
Por Alexsandro Rebello Bonatto em 1° de dezembro de 2008.
Autor: Alexsandro Rebello Bonatto
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