Legalidade e Tributação



1. LEGALIDADE E TRIBUTAÇÃO

1.1 Introdução

Com o surgimento dos modernos Estados de Direito, o "poder de tributar" passou a ter limitações, dentre as quais a que exige seu exercício por meio de lei, assegurando o império da lei como expressão da vontade popular. A partir daí, os direitos dos contribuintes começaram a ser garantidos de modo mais efetivo.

No Brasil, a instituição e a cobrança dos tributos estão limitadas pelo princípio da legalidade, uma das traves mestras de nosso Direito Tributário.

1.2 O princípio da legalidade. Generalidades

Sendo a lei "a expressão da vontade geral", possui uma prioridade sobre os atos normativos emanados dos demais poderes, sendo o Judiciário garantidor máximo da legalidade e a Administração Pública deverá apoiar-se exclusivamente na lei.

No Estado de Direito, o Legislativo detém exclusividade de editar normas jurídicas que fazem nascer, para todas as pessoas, deveres e obrigações, que restringem ou condicionam a liberdade e a propriedade de seus membros, tendo em vista o bem comum. Também limita os Poderes Públicos de agir em desfavor das pessoas, assim, para melhor defesa dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos vincula o próprio legislador, alem do administrador e do juiz. Tais direitos são protegidos também diante da lei, ajustando-se aos preceitos constitucionais, a garantia disso esta no controle da constitucionalidade que é levado a efeito pelo Poder Judiciário.

O princípio da legalidade, que se projeta sobre todos os domínios do Direito, vem enunciado no art. 5º, II da CF (CF – é a fonte da lei, ato normativo que pode impor direitos e deveres às pessoas), "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei".

"A liberdade consiste no poder de fazer tudo o que não ofende outrem; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites alem daqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei". – Declaração de Direitos de 1789 – (art. 6º).

A vida social não é possível sem certas restrições à atividade individual, sendo estabelecidas pela lei, que deve ter um caráter geral e igualitário. Deve ser elaborada por mandatários do povo (Legislativo), obedecidos ao processo legislativo que a Constituição traça e o próprio princípio republicano.

Assim a Administração Pública deve apenas cumprir a vontade do povo, contida na lei, não podendo afrontar o direito objetivo, submete-se a controles internos e externos, que garante a legalidade dos atos por ela praticados e averigúem se seus agentes não exorbitaram de suas competências, agindo sempre de modo mais útil ao interesse público.

Os atos praticados pela Administração Pública que violarem os direitos subjetivos ou interesses legítimos das pessoas, podem ser reconduzidos aos limites da lei, mediante provocação do interessado ou de oficio. Podendo os atos ser impugnados junto às autoridades administrativas para que anulem, modifiquem ou reformem. Podendo, também ser impugnados perante o Poder Judiciário, introduzidos no moderno Estado de Direito para manter a atividade administrativa nos lindes legais e para a liberdade das pessoas.

2. A lei e o tributo

No Brasil, não basta que todo e qualquer tributo (impostos, taxas e a contribuição de melhoria), seja criado por meio de lei. É preciso, ainda, que tal lei seja editada pela pessoa política (União, Estado, Município ou Distrito Federal) que recebeu, da Constituição, competência para tanto.

O princípio da legalidade é um limite intransponível à atuação do Fisco, garantindo a segurança das pessoas, diante da tributação. O tributo subsume-se a esse princípio constitucional, pois, a vontade da lei, na obrigação tributaria, substitui a vontade das partes, na obrigação privada.

A Constituição Federal reforçou a competência exclusiva do Poder Legislativo para criar ou aumentar tributos, consagrando a idéia de autotributação, que se manifesta no consentimento dos representantes das pessoas que devem suportar os tributos, e na estrita vinculação à lei, seja do lançamento ou da cobrança das exações. Tais medidas, os contribuintes tiveram melhor salvaguardado o direito de propriedade, contra o qual a tributação, de algum modo, investe.

Em nosso ordenamento jurídico vige, mais do que o principio da legalidade tributaria, o princípio da estrita legalidade. Hoje, os juristas de tomo têm feito empenho no sentido de que os tributos só podem ser criados ou aumentados por meio de lei ordinária pelo Poder Legislativo, com exceção feita aos empréstimos compulsórios, aos impostos residuais da União e às contribuições sociais previstas no parágrafo 4º do art. 195 da CF, que demandam lei complementar para serem validamente constituídos.

Em relação ao Fisco, o contribuinte tem duas ordens de garantias: 1- material – só é compelido a pagar tributos que tenham sido criados por meio de lei ordinária (da pessoa jurídica competente); 2- formal – princípio da universalidade da jurisdição – a fim que o Poder Judiciário verifique se a Administração Fazendária agiu ou esta agindo de conformidade com a lei, na cobrança tributaria, e se ela é, ou não constitucional. Assim, a garantia formal viabiliza a garantia material.

"A lei em nosso sistema não é só o ato formal do Poder Legislativo. Para ser valida, a lei brasileira há de ser abstrata, isonômica, impessoal, genérica e irretroativa (quando crie ou agrave encargos, ônus, múnus)". – Geraldo Ataliba.

3. A legalidade no Direito Tributário brasileiro

3.1 Aspectos gerais

No campo tributário, o princípio da legalidade "trata de garantir essencialmente a exigência da auto – imposição, isto é, que os cidadãos através de seus representantes determinem a repartição tributaria, e os tributos que podem ser exigidos" – Ferreiro Lapatza. Assim, o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos previstos na lei.

Todos os elementos essenciais do tributo devem ser exigidos abstratamente pela lei (ordinária), e somente ela pode disciplinar questões que gerem em torno da criação e extinção de tributos (princípio da reserva absoluta da lei formal), e que de algum modo influem em seus elementos quantitativos (base de calculo e alíquota). A lei é a fonte de produção primaria por excelência de normas tributarias, abaixo apenas da CF.

O executivo não poderá apontar nenhum aspecto essencial da norma jurídica tributaria, nem mesmo por delegação legislativa, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Contendo a lei tributaria todos os elementos que vão permitir a identificação do fato imponível, fica vedado o emprego da analogia (pelo Poder Judiciário) e da discricionariedade (pela Administração Pública). A reserva da lei tributaria é o elemento dissuador imprescindível dos demônios do arbítrio e da parcialidade. – Sérvulo Correia.

O principio da legalidade, os princípios materiais que constitucionalizam os pontos essências da lei fiscal, a necessidade de encontrar na lei o fundamento direto da decisão administrativa convergem no sentido de assegurar a racionalidade dos comportamentos privados, que tem como condição a previsibilidade da lei fiscal – e das decisões administrativas e judiciais que vão aplicar – e a calculabilidade dos encargos fiscais. Bem como o contribuinte tem o direito de saber exatamente de onde podem provir as leis aptas a obrigá-los a pagar tributos (federais, estaduais, municipais e distritais).

3.2 A lei como limitação ao exercício da competência tributária

De acordo com Pietro Virga, a tributação encontra três limites:

I- a reserva da lei: o tributo só pode ser criado por meio de lei;

II- a disciplina de lei: criação por lei e determinar seus elementos;

III- Os direitos que a Constituição garante: A lei tributaria deve conter critérios idôneos e suficientes para coartar qualquer arbitrariedade do Fisco, apontando os destinatários do tributo (os contribuintes), e os pressupostos do tributo.

4. O "desvio de poder" no exercício da função legislativa tributaria. Sua inconstitucionalidade

O Poder Legislativo ao alterar a ordem jurídica deve levar em conta o legítimo interesse público. Quando o exercício de sua competência de acordo com interesses subalternos, afastando-se dos fins superiores que lhe são apontados pela Constituição, comete desvio de poder (a utilização de uma competência em desacordo com a finalidade que lhe preside a instituição, tornando inconstitucional a lei).

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, com a legitimidade da ação do legislador. Assim, é possível admitir um desvio de poder do Legislativo, fora dos casos clássicos de inconstitucionalidade.

Da ocorrência do desvio de poder, não se pode pretender uma prova cabal, mas, apenas a constatação de uma série de indícios e elementos circunstanciais que, somados, conduzam a convicção de que ele se deu.

5. A irretroatividade das leis tributárias

O Estado de Direito traz consigo a segurança jurídica (princípio da irretroatividade das leis), que tem assento na Constituição, e a proibição de qualquer arbitrariedade.

O princípio da legalidade dos tributos conduz-nos a necessária anterioridade da lei tributaria em relação ao fato imponível. Portanto, a segurança jurídica, exige que a lei tributária deve ser irretroativa, tratando-se de lei que cria ou aumenta tributos, regra absoluta, não admite exceções.

Se o contribuinte for beneficiado, de alguma forma, aceita-se que algumas leis tributarias retroagem, desde que elas assim estipulem. Pode-se aceitar, ainda, a retroatividade da lei tributaria para corrigir uma situação de inconstitucionalidade, desde que, ao fazê-lo, não agrave a situação do contribuinte, ferindo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

O princípio da irretroatividade não autoriza a "retrospectividade", isto é, não é porque o fato imponível esta em curso, mas ainda não foi concluído que se podem introduzir modificações na legislação que regerá o tributo, quando ele finalmente nascer. Mesmo nos tributos periódicos, a lei aplicável a espécie é a que vigorava antes de começar a formar-se seu fato imponível.

O princípio da irretroatividade deve alcançar os atos do Executivo e as decisões judiciais, valendo igualmente para o administrador público e para o juiz.

6. Limitações ao princípio da legalidade

A limitação ao princípio da legalidade encontra-se no art. 2º e explicitada nos arts. 44 a 126 da CF, que sistematicamente interpretados, exigem que só o legislador produza normas genéricas e abstratas, em oposição às individuais e concretas que são atos administrativos e as sentenças, de competência, respectivamente, dos Poderes Executivo e Judiciário. A lei, em nosso direito positivo, não pode dar à publicidade provimentos individuais e concretos, sob pena de veicular ou atos administrativos ou sentenças, ferindo assim, o princípio clássico da tripartição do poder, que nossa Lei Suprema consagrou como um dos pilares de nosso ordenamento.

A lei é ato normativo de caráter genérico e abstrato, numa decorrência da tripartição constitucional dos poderes. Assim, as funções do Legislativo, Executivo e Judiciário, a lei não pode conter, mascarado, um provimento de caráter individual e concreto, porque essa é a seara dos atos administrativos e das sentenças judiciais, se o fizer estará desobedecendo o princípio da tripartição do poder.

7. Legalidade e os princípios federativo, da autonomia municipal e da autonomia distrital

Ao proceder a distribuição de competências a CF, efetua ao mesmo tempo e em conseqüência, a distribuição de poder legislativo, cabendo a cada entidade política o poder de legislar sobre os assuntos de sua competência, estando todas as leis em pé de igualdade.

Havendo conflitos entre as leis, prevalece aquela a quem a CF atribuiu competência para legislar sobre o assunto, não se podendo falar em hierarquia, no Estado Federal.

Para que o principio da legalidade seja atendido, a lei tributaria é editada pela pessoa política que tem competência para fazê-lo.

Bibliografia

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.15 ed. São Paulo: Malheiros Editores: 2002


Autor: Marta Andreazzi


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