Reelogio da Colonização Portuguesa



Resumo: Este estudo procura discutir a relevância das relações raciais, a visão positiva do autor sobre a colonização foi interpretada por seus críticos como um esvaziamento do conflito entre colonizador e colonizado. Outros autores, como Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, obra contemporânea à de Freyre, viram na colonização portuguesa seu aspecto violento e predatório. Nascido em Pernambuco, Gilberto Freyre retratou em Casa-grande & senzala as relações sociais e o cenário do Brasil colonial a partir de sua terra natal, sob a influência da antropologia cultural norte-americana, sua formação acadêmica. Este livro intitulado Casa-grande & senzala (1933) completa exatamente 75 anos de existência, abordando a temática da escravidão colonial e patriarcalismo. Estudou as características socioculturais dos povos formadores da sociedade brasileira sob a ótica do relativismo, valorizando a mestiçagem, antes depreciada, e a contribuição do negro, antes ignorada. Através da exteriorização da intimidade da sociedade colonial, revelou o contexto em que foram criados os antagonismos que compõem a ordem social no Brasil de hoje.
Palavras – Chave: Casa-grande & Senzala - Historiografia Contemporânea – Patriarcalismo.  

José Carlos Reis comenta que a miscigenação, a princípio, ou seja, desde a chegada dos colonos, vindos de Portugal para o Brasil, mais sem mulheres brancas, se estabeleceu a partir de seu forte ímpeto sexual, segundo as palavras de Gilberto Freyre, onde estabeleceram relações sexuais com as índias locais para satisfazer tal ímpeto. No entanto, no desenvolvimento da atividade colonial, as índias foram substituídas pelas mulheres negras e mais tarde foram as mulatas que incorporaram-se a essa constante miscigenação entre as raças, ocorridas em virtudes da falta de mulheres européias durante o período colonial.

Isto significa dizer que, esta confraternização "sexual e social" reinava sobre o engenho. Ainda discorrendo sobre isto, Reis coloca que as relações sexuais entre as raças formadoras do Brasil explicam, para ele, o caráter das relações sociais em nosso país. No que diz respeito a estas relações, Gilberto Freyre não questiona as barbaridades cometidas contra índios, negros e mestiços pobres, mas pensa que elas foram exceção no ambiente de patriarcalismo. Ainda discorrendo sobre isto, José Carlos coloca que a:

"Casa grande & senzala pode ser considerada a obra de um brasileiro-mestiço genial! Entretanto, Casa grande & senzala é uma obra neovarnhagenia: é um reelogio da colonização portuguesa do Brasil. O Brasil é visto como uma sociedade original e multirracional nos trópicos, obra do gênio português(Skidmore, 1994). Na sua história patriarcal, cujo palco é a casa grande, "onde se exprimiu melhor o caráter brasileiro", ele enfatizará também a nossa continuidade da colônia à nação[...] Ele revigorou o mundo que as elites luso-brasileiras criaram no passado e confirmou o elogio e a legitimação que lhe havia feito Varnhagen nos anos 1850."(REIS, 1999, p. 55)

José Carlos Reis, mostra em "Casa Grande & Senzala", que Gilberto Freyre lança um novo olhar sobre o negro na historiografia brasileira. Reis analisa que este livro publicado no ano de 1930, serviu de contribuição para os posteriores estudos teóricos e acadêmicos sobre os principais aspectos sociais e culturais da sociedade nordestina brasileira em geral, durante o período colonial. Em sua formação antropológica que não "limitou" a sua flexibilidade e a beleza na reunião de literatura e ciência social, cheia de afetividade dentro de um contexto cultural nordestino-brasileiro, aparece uma discussão entre o passado e o presente. Vale salientar que ele sofreu uma enorme influência do antropólogo americano chamado, "Franz Boas", que exerceu grande influência sobre Gilberto Freyre, como também de outros teóricos, que foram "Dilthey", "Aron", "Simmel" e "Weber". Embora o radicalismo e a irreverência dos modernistas, na literatura e nas artes, não seria estranho ao jovem "Gilberto Freyre", então estudante na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Freyre não assume este caráter antropofágico nem o cita em sua obra, mas sua visão coincide, em princípio, com esta idéia central na redefinição da identidade brasileira, que toma por base a reelaboração cultural. Presente na idéia da mestiçagem, o princípio da produção do novo a partir dos componentes formativos se estendia para além dos critérios puramente raciais e étnicos, ou seja, "José Carlos Reis" afirma que "Gilberto Freire" faz um reelogio a colonização portuguesa de forma saudosista, entendendo como uma justificação a conquista e a ocupação portuguesa do Brasil, para ele a sociedade multirracional dos trópicos obteve as características dos portugueses, sendo esta uma solução para a identidade brasileira das elites que justificavam sua posição de status de cor na sociedade. É nesse sentido que Freire aceita e defende a colonização e fazendo um elogio como se fosse a primeira vez. O livro "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, foi fundamental para a construção dessa representação de um Brasil positivamente mestiço. Freyre diz o seguinte:

"O professor Franz Boas é a figura de mestre de que me ficou até hoje maior impressão. Conheci-o nos meus primeiros dias em Colúmbia. Creio que nenhum estudante russo, dos românticos, do século XIX, preocupou-se mais intensamente pelos destinos da Rússia do que eu pelos do Brasil na fase em que conheci Boas [...] Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor – separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. (FREYRE, 2001, p.45).

Essa tentativa de recuperar positivamente a contribuição do negro e transpor o conceito biológico de raça leva Freyre à interpretação da mestiçagem positiva e da harmonia racial brasileira, ou seja, Freyre explica que o Professor Antropólogo americano Boas influenciado pelas análises culturalistas, passa a apresentar versão que valorizava a miscigenação ocorrida, tratando-a, a partir da cultura e não mais da raça, por isso que Franz Boas enfatiza a centralidade do conceito de cultura para a compreensão da diversidade humana, retirando qualquer cientificidade da noção biológica de raça:

"A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro modo se teria conservado enorme, entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala. O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido da aristocratização, extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos, com uma rala e insignificante lambujem de gente livre sandiuchada entre os extremos antagônicos, foi em grande parte contrariado pelos efeitos sociais da miscigenação. A índia e a negra-mina a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a quadrarona, a oitavona, tornando-se caseiras, comcubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil" (FREYRE, 2001, p. 46).

Durante estes 20 anos passados na universidade americana, Freyre foi aluno do antropólogo Franz Boas, cujas idéias se tornaram fundamentais para seu pensamento. Judeu alemão transferido para os EUA, Franz Boas se colocava contra as interpretações evolucionistas e deterministas que explicavam a sociedade pela raça e o meio, indicando que a etnia só poderia ser explicada através da cultura. Não haveria, pois, os processos degenerativos, métodos de seleção eugênica, hierarquias entre raças e condenações inexoráveis aos povos, mas sim uma compreensão dos modos de ser e dos valores e significados pertinentes a cada cultura.

No início deste fragmento citado acima, Freyre assinala que o começo da colonização teve um caráter exploratório, mas que dá lugar à base do latifúndio. O contato e a moral cristã, trazidas pelos Jesuítas, são os maiores elementos destruidores da cultura nativa. Freyre incorpora o negro na História do Brasil, pensando a mescla, a sociedade agrária e a família patriarcal como chave para entender essa História. Ele fala várias vezes, ao longo do livro, em uma "Democracia Racial". Seu objeto é a família patriarcal nos séculos XVII e XVIII, trabalhando com os escravos domésticos, próximos a Casa Grande, onde duas forças teriam atuado na colonização portuguesa.

Podemos perceber que este modelo econômico adotado pela família patriarcal seriam importantes para a formação da sociedade brasileira, ou seja, seria a outra força da mulher branca, determinada pela miscigenação, como é caso da primeira relação com a índia, depois com a negra. A mescla está presente em vários momentos de sua narrativa. Nesse período ela não seria só racial, mas cultural. A religiosidade não era estática ou imóvel. Ela era "plástica, positiva, mole, adaptável, vivenciada, família, com um forte culto aos santos" tendo como centro a Capela de Engenho. Freyre vê nisso uma dupla influência, devido a Bicontinentalidade. Freyre tem um discurso sociológico muito forte em sua narrativa, combatendo sempre a figura do negro e do índio como um atraso.

Ele incorpora, em seu livro, a linguagem livre, não acadêmica, que era mais popular. Elege o cotidiano e pensa a colônia a partir disso, usa padrões sociológicos para integrar a história. Ao português, ele assinala que não possui um preconceito de raças, e sim uma aptidão para viver nos trópicos; possui um exclusivismo religioso, seria um mestiço antes mesmo de chegar ao novo mundo, devido a sua história (Guerras de Reconquista e nas relações entre a Europa e a África), ou seja, o mais "extra-europeu", o mais "atlântico". A família seria, segundo Freyre, outro ponto unitivo das bases sociais, junto com a religiosidade. A formação social brasileira se dá por um processo de equilíbrios e antagonismos, mas estes antagonismos seriam harmonizados, amortizados ao longo do processo de colonização, pela miscigenação.

O "misticismo sexual" também é analisado no livro, pois vê a existência de um apetite sexual, por parte dos portugueses, caminhando junto com a mestiçagem, tanto pelas índias como pelas negras. Para ele, a "miscibilidade" foi mais importante do que a "mobilidade", pois resolveu o problema da falta de volume humano, que era necessário para a colonização em larga escala de extensas áreas. Uma outra influência negra seria a respeito da língua, que era diferente de Portugal, ou seja, mais quente e carinhosa. Outro ponto analisado pelo autor é a alimentação, que, assim como os índios, influenciaram no cardápio da sociedade colonial como o milho e a mandioca, além da influência na questão do banho. Além disso, Freyre retrata a questão da escravidão, os abusos dos Senhores de Engenho, o cotidiano político e econômico, das doenças, do clima, dentre outros importantes temas.

As fontes utilizadas por Gilberto Freyre são muito amplas e diversificadas. São, sobretudo, abundantes. Ele vale-se de autores portugueses, norte-americanos, brasileiros, dentre outros, e utiliza artigos de jornais, livros, anuários, inventários, crônicas, testamentos, receitas culinárias, trovas, cantigas de ninar, etc. Assim, como outros autores de sua época, Freyre, olha para o passado colonial procurando as origens dos problemas, buscando entender o Brasil do presente. Ele procura respostas para as suas inúmeras perguntas. Vê a Casa Grande como centro social e político da sociedade colonial. A Capela, ligada a Casa Grande é o centro religioso desse período. É importante sua releitura dos autores anteriores a ele, tais como Varnhagen, Capistrano de Abreu, S. B. de Holanda, e entre outros. Gilberto Freyre valoriza a participação dos índios e dos negros, contudo, quem dá a marca é o português, ele é a matriz. É o português que incorpora, que se adapta, exercendo o esforço civilizador nos trópicos; ele mesmo já é híbrido. Daí sairia o caráter específico da colonização portuguesa. Faz comparações entre a colonização portuguesa e os outros colonizadores (ingleses, espanhóis e franceses), apontando a portuguesa como a mais criativa, aquela que venceu as adversidades.

Devido às inovações metodológicas e à atenção especial dada aos elementos culturais nos seus escritos, o sociólogo pernambucano é considerado o preceptor brasileiro da escola dos annales, tanto que se pode identificar no seu trabalho dimensões tais quais: interdisciplinaridade; ampliação e variação documental; busca de entendimento das relações humanas; visibilidade e importância às contribuições da cultura negra na formação do Brasil. Sua obra foi marcada, antes de mais nada, por uma pluralidademetodológicae científica no seu tratamento de temas variados. A partir de uma análise minuciosa da formação da sociedade brasileira, descreve como se dava à relação senhor-escravo dentro do engenho, ressaltando a benevolência e a solidariedade que permeavam nesse universo, criando, dessa forma, o "mito da democracia racial". Para sustentar sua tese, Freyre afirma que brancos e negros eram as duas metades confraternizadas, que se desenvolvem mutuamente de valores e experiências variadas, escravos domésticos eram tratados como familiares, pessoas da casa, parentes pobres; sentavam-se à mesa, passeavam com os senhores.

É evidente que Reis analisa a presença negra na história do Brasil, como apoio indispensável para a colonização portuguesa. É neste ponto que em "Casa Grande & Senzala", Freyre analisa a relação do português, elemento predominante na colonização brasileira, com o negro e o índio, os outros elementos que participaram da formação étnica, econômica, social e cultural do Brasil. O português aparece como o motor e idealizador do processo de colonização, além de dominador, o português contém a plasticidade, talvez a característica mais importante da vida colonial brasileira.

Tal plasticidade influencia a proximidade entre as culturas lusa e negra, originando novos costumes, religião, mistura, cordialidade, afeto, sedução, ódio, inveja etc. Alguns pensadores sustentam que o drama social da colônia surge da mistura entre negro e português. Talvez a singularidade da escravidão brasileira residiria na convivência simultânea da desigualdade despótica e da intimidade e afetividade e comunicação entre as duas culturas e as raças. Em seguida, a sua tese principal sobre a democracia racial é ainda a questão mais lembrada sobre seus escritos. Mesmo porque esta tese foi adotada pelo Estado Novo como forma de projetar para o mundo a idéia de um Brasil que não tinha em seu passado escravocrata um problema para seu desenvolvimento, pois a mistura das raças passou a ser um ponto positivo para a formação da nação.

Uma das partes mais importantes do debate diz respeito também à inovação da metodologia de Freyre que passou a freqüentar todas as áreas da casa para descrever a vida cotidiano do povo brasileiro. A idéia de escravidão patriarcal foi modernizada pelo historiador americano, Eugene Genovese, que faz um estudo sobre a escravidão nos Estados Unidos. O aspecto central de sua obra, é a da hegemonia dos senhores sobre os escravos, conceito extraído do pensador marxista Antonio Gramsci, o qual significa a direção consensual de uma classe dominante sobre a aceitação de uma classe subalterna. Isso se faria pela lei, pela religião, sobretudo, pelo tratamento patriarcal que permitia aos escravos obter concessões dentro da sociedade escravista.

Ainda em Casa-Grande & Senzala, o escritor e sociólogo exprime claramente o seu pensamento. Evidencia que os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos. Segundo ele, num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade forjavam, o dia-a-dia, a base da sociedade brasileira.

A Casa-Grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Assim, o país se formava. E a unidade dessa grande extensão territorial com profundas diferenças regionais, garantida muitas vezes com o uso da força, aconteceu, segundo Freyre, devido à uniformidade da língua e da religião. A Igreja desenvolvia planos ambiciosos de evangelização da América Latina, toda ocupada por países de tradição católica. Nessa quase cruzada no Novo Mundo, os padres jesuítas desempenhavam um papel importante na tentativa de implantar uma sociedade estruturada com base na fé católica. Para catequizar os índios, os jesuítas decidiram vesti-los e tirá-los de seu habitat.

Já o senhor de engenho tentava escravizá-los. Nos dois casos, o resultado era o extermínio e a fuga dos primitivos habitantes da terra para o interior. Ademais, o Brasil importava da África não somente o animal de tração que fecundou os canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão. Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram um elemento ativo, criador e, pode-se dizer, nobre na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a colonização aristocrática e a estrutura básica do mundo dos coronéis se repetiria nos ciclos do ouro e do café, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com o mesmo fundamento da ocupação da terra.

Na sociedade escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia de brancos e negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação do caráter do brasileiro. A escravatura degradava senhores e escravos. Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro.

Casa-grande & Senzala tem como cerne as origens da sociedade brasileira vista através do cotidiano na casa senhorial no Brasil colônia. A casa-grande é utilizada como uma metáfora do Brasil colonial, cuja sociedade teve seu arcabouço na atividade econômica, a monocultura açucareira; dela resultando uma sociedade patriarcal, agrária, escravista e mestiça. Em Casa-grande & Senzala a natureza na nova terra é descrita como um obstáculo à civilização, enfrentado pelo colonizador português em busca de enriquecimento rápido e prestígio. As famílias que se assentaram no Brasil fundaram espaços públicos e consolidaram seu poder, criando redes de relações e influência, o Estado aparece como um coadjuvante por trás destas famílias, que se denominam a "nobreza da terra". A colonização é apresentada por seus aspectos positivos como a miscigenação e a aculturação, por motivos econômicos e sem objetivo civilizacional. Movida pelo comércio e pela exploração da terra, surgiu a necessidade de permanência. A partir de 1532, incentivada pela Coroa, surgiu uma sociedade fundamentada na exportação e estabelecida em uma unidade de produção, a casa-grande, seu núcleo de dinâmica social e política.

Freyre discute a formação da sociedade brasileira a partir das contribuições das raças branca, índia e negra, imbricado aos conceitos de raça e cultura. Através da relação entre os primeiros portugueses, degredados ou não, e as índias, vistas com exuberância pelos olhos europeus, que tem início a povoação num clima de "intoxicação sexual". A principal influência do colonizador europeu sobre o índio deve-se a atuação da Companhia de Jesus, através do ensino religioso e moralizante. Como reação aos invasores portugueses, os indígenas tiveram como alternativas as missões jesuíticas, o trabalho nas lavouras ou a dispersão nas matas. Muitos ainda sucumbiram às doenças adquiridas no contato com os europeus. Freyre busca também as origens que levariam ao sucesso da adaptabilidade dos portugueses nos trópicos. Em Casa-Grande, os portugueses são retratados como um tipo que devido ao contato com diversos povos na atividade mercantil, não apresentava como os demais povos europeus, uma consciência de superioridade racial, daí serem mais receptivos às demais raças e misturarem-se com facilidade.

O ponto de convergência da sociedade colonizadora era o catolicismo enrijecido, que funcionava como um aglutinador social. Das conquistas ultramarinas os portugueses herdaram particularidades da cultura dos povos por eles submetidos, como os árabes e os africanos. Tais relações, para Freyre, agiram sobre o português no sentido "deseuropeizante". A sociedade portuguesa era nostálgica da nobreza vivida durante a fase áurea ultramarina iniciada com a conquista de Ceuta, após este curto período seguiu-se a necessidade de manutenção do pesado império luso com recursos de exploração encontrados no Brasil. As famílias colonizadoras das regiões de Pernambuco e Bahia foram sua mais evidente expressão, como no caso a aristocracia agrária, que estava preocupada em ostentar o seu status de nobreza.

E é sobre a relação desta sociedade que se desenvolveu no nordeste com o escravo africano que tratam os capítulos finais. A sujeição do africano ao português, tanto nas relações de trabalho como sexuais produziu a base do que seria a sociedade brasileira nova, mostrando que somos neo-portugueses, ele cria dois tipos para mostrar a nossa identidade e atribui ao português o tipo de aventureiro, descompromissado, dispensando a origem, um povo sem ética, sem relógio e sem comprometimento, mais para isso a nação brasileira precisa mudar. Ainda que já houvesse contato entre ambos desde o início do período ultramarino, foi no Brasil que aconteceu o aprofundamento das relações em uma fusão cultural e racial entre brancos e negros.

Embora a análise de Freyre sobre a sociedade patriarcal e escravocrata seja vista como açucarada, a obra não nega a violência do sistema, e por não ser este seu foco, ela aparece entremeada às relações no cotidiano dos senhores de engenhos e escravos. Assim como o branco português, o negro africano também foi apresentado como colonizador, mas dentro da lógica da escravidão.

A sua influência se daria através da criação de um mundo paralelo ao dos brancos, utilizando para isso a relação de submissão, necessária para sua sobrevivência, e as lembranças de suas tradições e sua cultura de origem. É principalmente o escravo doméstico, por sua ligação "intima" com a casa-grande, o veículo da colonização através do sexo forçado pelo senhor à escrava negra, resultando no filho mulato, no negrinho que servia de brinquedo para o filho do senhor, ambos criados sob os cuidados das mesmas escravas, que se resignavam com o sadismo da sinhá para garantir sua sobrevivência. É dessa relação entre poder e sobrevivência, respectivamente entre brancos e negros, que surgiria uma cultura propriamente brasileira expressa na fusão do vocabulário das duas raças, nas práticas diárias, nas crenças e nas representações de poder.

Em suma, este estudo procura discutir a relevância das relações raciais, a visão positiva do autor sobre a colonização foi interpretada por seus críticos como um esvaziamento do conflito entre colonizador e colonizado. Outros autores, como Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, obra contemporânea à de Freyre, viram na colonização portuguesa seu aspecto violento e predatório. Nascido em Pernambuco, Gilberto Freyre retratou em Casa-grande & senzala as relações sociais e o cenário do Brasil colonial a partir de sua terra natal, sob a influência da antropologia cultural norte-americana, sua formação acadêmica. Este livro intitulado Casa-grande & senzala (1933) completa exatamente 75 anos de existência, abordando a temática da escravidão colonial e patriarcalismo. Estudou as características socioculturais dos povos formadores da sociedade brasileira sob a ótica do relativismo, valorizando a mestiçagem, antes depreciada, e a contribuição do negro, antes ignorada. Através da exteriorização da intimidade da sociedade colonial, revelou o contexto em que foram criados os antagonismos que compõem a ordem social no Brasil de hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

  • FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, Rio de Janeiro: Record, 2001.
  • REIS, José Carlos. "Anos 1930: Gilberto Freyre - O Reelogio da Colonização Portuguesa". In.: As identidade do Brasil 1. Rio de janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 51 – 82.

Autor: Luciano Agra


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