Análise Contextual e Epistemológica de 'A Política Brasileira em Busca da Modernidade: Na Fronteira Entre o Público e o Privado'



Resumo: O processo da análise epistemológica da obra de Ângela de Castro, se desenrolará aqui nesta análise, dentro de uma seqüência de capítulo por capítulo, para que o leitor entenda melhor a articulação dos atores envolvidos na discussão, suas falas, e lugares sociais que tornam dizíveis e visíveis seus discursos dentro de cada contexto abordado nos capítulos. Dentro do recorte temporal da configuração da obra “A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado” de Maria Ângela de Castro Gomes, que vai dos primeiros anos de nossa Republicano, até os governos populistas do Brasil, podemos perceber como esta historiadora com as problemática historiográfica de seu tempo, assim como instrumentaliza sua pesquisa historiográfica dentro das abordagens da Nova História Cultural dos anos 1980 e 1990 do século XX, que como vimos traz novas interrogações para quem se propõe a fazer história política. Palavras - Chave: Ângela de Castro - Historiografia Política Moderna Brasileira - Nova História Cultural. 

Maria Ângela de Castro nasceu em 24/04//1948, no Rio de Janeiro, na cidade de Itaperuna em pleno governo Eurico Gaspar Dutra ( em 1946 à 1951). Forma-se em Bacharel e Licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense, UFF, em 1969, em plena ditadura militar. Recebe o título de mestre em Ciências Políticas no instituto de pesquisa do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes em 1978, na escalada da censura militar. Chega ao título de doutora também em ciências políticas pela IUPERJ/ UCM em 1987, Já no período de nossa redemocratização e passa a ocupar uma vaga de professora titular de história do Brasil pela UFF, além de ser pesquisadora e coordenadora do centro de pesquisa do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.

Como podemos perceber nesta rápida síntese do lugar social e da formação acadêmica de Ângela de Castro Gomes, sua formação gira em torno da concepção teórica e epistemológica voltada para a história política do Brasil, e como não poderia ser diferente suas obras, "Burguesia e trabalho" de 1978, "A Invenção do Trabalho" de 1994, "História e Historiadores" de 1996, "Modernismos e nacionalismos" de 1999, além de inúmeros artigos de revistas acadêmicas e a obra "A política Brasileira em Busca da Modernidade: Na Fronteira entre o Público e o Privado" de 1998, quer será o nosso objeto de análise contextual e epistemológica, enfim, todos estas obras estão alinhados com a concepção de história política.Um ponto interessante deve ser esclarecido pegando a deixa de Marc Bloch, para este historiador da 1º geração dos Annales, nos historiadores(as) não somos filhos de nossos pais, mais sim, de nossas épocas e contextos. Sendo assim, Ângela de Castro como historiadora estar alinhada com debate político e contextual do tempo da escrita da obra a ser analisada aqui "A política Brasileira em Busca da Modernidade: Na Fronteira entre o Público e o Privado" de 1998. Logo, podemos perceber o seu debate historiográfico aproximar-se das possibilidades "dizíveis" de seu contexto, como a sociologia, antropologia, ciência política, pesquisas arquivísticas desenvolvidas pelos anos de experiência como os manuseios dos documentos do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, além de sua atualização com as novas abordagens teóricas sobre história política nas décadas de 80 e 90, que ampliam o campo de debate o fortalecem o domínio de produção historiográfica de Ângela de Castro, que reconfigura a história política à problematizando para além do determinismo econômico vigente na história política até a década de 90, onde chega ao fim a chamada "Guerra Fria", entre EUA X URSS, que se sustentou desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a Queda do Muro de Berlim. É neste espaço de tempo onde mitos, memórias, tramas, teatralizações, manipulações e concepções políticas passam a ser construídas ideologicamente e que serão o principal alvo de análise da Nova História Política, da qual Ângela de Castro esta inserida.

Sendo assim, tais construções ideológicas passam a serem lidas e relidas sobre o olhar crítico da Nova Historiografia Política, e Ângela de Castro através de sua escrita nos incita também a fazermos nossas próprias leitura e releituras de memórias, mitos e discursos tidos como naturais e esgotados de significados, mas que pelo contrário devem ser retomados à análise historiográfica aberta as novas abordagens no campo da História Política.

ANÁLISE CONTEXTUAL E EPISTEMOLÓGICA DO LIVRO "A POLÍTICA BRASILEIRA EM BUSCA DA MODERNIDADE: NA FRONTEIRA ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

INTRODUÇÃO

"O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembléia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são os sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são compradores de jornais. Não são os corruptos do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguel. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de color, de força e de luz para a renovação de nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade." ( GOMES, 1998, p. 490)

Para iniciarmos a análise epistemológica da obra "A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado" de "Ângela de Castro Gomes", onde a sua problematização que gira em torno de "diagnósticos" e "prognósticos" de intelectuais e políticos voltados para a causa da reorganização política e social do Brasil, no início do século XX, contexto ainda de busca por uma afirmação da República brasileira condicionada e representada como a "nova" e "moderna" política brasileira, que convive com conceitos de "decadência" e "atraso" em sua contra-mão. Estrategicamente, Ângela de Castro inicia a obra se apropriando do discurso do intelectual e político Rui Barbosa como podemos ver na citação acima, tal discurso representa no contexto do século XX, o início de nossa República e seu momento de busca de legitimação em meio a crises e rearranjos no campo da política e do social. Rui Barbosa, (Águia de Haia), homem que defendem a estruturação do "Estado Liberal" e moderno, onde o "povo" racional e consciente das decisões nacionais, seja ator republicano. Percebamos que este modelo de Estado Liberal é vigente até entrar em crise na década de 30 e 40, com os "nacionalismos" em boa parte da Europa, logo o lugar social, intelectual e político de Rui Barbosa sofreu influências diretas do modelo de Estado Liberal europeu no início do século XX, onde se dá toda a sua formação acadêmica.

Mas Ângela de Castro em suas pesquisas políticas conseguem ironicamente apreender o outro lado do "Brasil legal" proposto por Rui Barbosa, que é o "Brasil real", ou seja, o Brasil em sua estrutura e imaginário político, assentados nos descentralismos regionalistas com grande poder de mando local, aristocrático e oligárquico, que atuam como poder paralelo ao Estado pretendido como liberal, e são também partes de toda a incompatibilidade do modelo modernizante e centralizado de Rui Barbosa, onde o Estado pudesse atuar e exercer o seu poder democrático e liberal na política brasileira. Ângela de Castro realiza este debate da política brasileira do início do século XX, problematizando não uma concepção de Brasil político melhor ou pior do que outro. O que ela contribui para a historiografia é justamente perceber que Rui Barbosa defende uma idéia de Brasil, que na prática este Brasil não é coerente com a sua realidade caudilhesca. E é justamente deste impasse por uma busca pela modernidade política estatal nos primeiros anos da República, que o "público" e o "privado" passaram por modificações de definições e interesses no decorrer de todo o século XX. Como historiadores(as), ao fazermos esta análise epistemológica, não nos interessa o "modelo ideal" de Brasil a ser definido para a política brasileira, mas sim ampliarmos o nosso ângulo de investigação epistemológica dos debates travados entre os atores que compõem a política brasileira nos contextos das décadas de 20, 30 e 40 do século XX, procurando sempre apontar rupturas, continuidades, tramas, teatralizações, construções de mitos, símbolos, imaginários e memórias políticas que entram e saem de cena nestes contextos, assim com os seus diagnósticos e prognósticos. Seja a ideologia caudilhesca de "Pinheiro Machado", as concepções e críticas de "Alceu do Amoroso Lima" aos "intelectuais" da década de 20, o olhar sociológico de "Oliveira Vianna", ou a construção do "mito" de "Getúlio Vargas", como proposta de eliminar as vozes intermediárias entre a ideologia do Estado Novo e os interesses da indústria urbana em pleno processo de consolidação.

Todas estas transformações sociais fazem parte e estão representadas na obra "A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado", ena nossa visão, fazer uma análise epistemológica de qualquer obra é problematizá-la a partir de suas idéias centrais, as articulando é lógico, com as inquietações e representações de seus contextos, fortalecendo assim a compreensão tanto do posicionamento teórico do autor(a) que configura a obra, quanto do debate contextual, que o(a) mesmo(a) estar realizando, assim como o seu pensamento historiográfico sobre o recorte temporal que está sendo tomado como objeto de pesquisa.

O processo da análise epistemológica da obra de Ângela de Castro, se desenrolará aqui nesta análise, dentro de uma seqüência de capítulo por capítulo, para que o leitor entenda melhor a articulação dos atores envolvidos na discussão, suas falas, e lugares sociais que tornam dizíveis e visíveis seus discursos dentro de cada contexto abordado nos capítulos.

1º Capítulo – Entre o Artificialismo e o Caudilhismo

Após a Introdução, Ângela de Castro, situada no contexto das duas primeiras décadas do século XX, cita "Alceu de Amoroso Lima", intelectual e escritor de "Política e letras", considerado um clássico do pensamento político do início do século XX, que faz uma crítica (diagnóstico) do 'atraso" e "decadência" nacional. Vale lembrar que Alceu não nos dar um prognóstico, direcionado para a causa de nosso atraso, ele fica apenas com o seu diagnóstico. Dicotomicamente, Alceu refere-se a "Rui Barbosa" como personificação política fundada nas práticas e valores das instituições liberais, que se contrapõem a representação política de "Pinheiro Machado", este último, representante dos poderes locais, oposto a autoridade central do Estado. Sendo assim, o público e o privado se articulam como mediadores de interesses próprios, insurgentes do "artificialismo do Império", pois, para Alceu, a República é fato desde 1870, com a guerra do Paraguai. Outro ponto interessante apreendido por Ângela de Castro em relação a Alceu, é a crítica deste intelectual à jovem intelectualidade da década de 20, em relação a sua falta de proposta social e política para o país, que segundo Alceu na visão de Ângela, não presenciou o abolicionismo e nem a própria proclamação formal de 1889, onde para Alceu assim como a boêmia literária do pós-1889, a intelectualidade de 20 se afastou das causas republicanas e seus prognósticos, de superar o atraso político do Brasil.

É nesta reflexão que Alceu na visão de Ângela, entende, Rui Barbosa e Pinheiro Machado como símbolos representantes últimos dessa dualidade entre a fronteira do público e do privado do processo da formação brasileira. Tão importante quanto necessária na minha visão, a fronteira imaginária entre o público e o privado, ligada a figura de Rui Barbosa e Pinheiro Machado, sobre o olhar da "nova história cultural", apreendida por Ângela de Castro através dos discurso de Alceu, configurado em "políticas e letras", ampliam e fortalecem o campo historiográfico ligado a história política, como e o caso da historiadora Ângela de Castro, à problematizar o pensamento social e imaginário político da época comentada, idéias de "Brasil real" e "Brasil legal", política modernizante e tradicional, idealismo jurisdicional e realismo caudilhesco, além da própria busca de equilíbrio entre os pontos dicotômicos, uma vez que nem a centralização nem a descentralização absolutas são pontos de apóio para se pensar a República e a integridade da política nacional,e neste ponto, tanto Rui Barbosa quanto Pinheiro Machado pensam sem distinção na visão de Ângela.

"As duas figuras, ao mesmo tempo que sinalizam para as tensões entre público e privado, investem na busca de uma espécie de equilíbrio possível entre eles. Pinheiro, por reconhecer o risco da radical descentralização e especializar-se no trabalho de articulação entre elites oligárquicas, tão imprescindíveis quanto ameaçadoras para uma política nacional; Rui, por conformar seu liberalismo às condições da terra e denunciar a corrupção e a inépcia vigentes no espaço público, que desejava dominante e sem vícios." (GOMES, 1998, p. 502)

2º Capítulo – Uma Sociedade Insolidária e Patriarcal

Como vimos no primeiro capítulo, Ângela de Castro articula em sua análise, o pensamento de Rui Barbosa, democrático liberal, e Pinheiro Machado, caudilhesco, com interesses privados que atuam no Estado de forma particular. Com o término da Primeira Guerra Mundial em 1918, entra em cena novas conjunturas que configuram o cenário político mundial e que vão interferir também na política nacional brasileira. Haverá uma ascensão dos "nacionalismos" Pós Primeira Guerra como é caso do nazi-fascismo por exemplo, que vão intervir e criticar diretamente o modelo de Estado Liberal. Tanto intelectuais quanto políticos nas décadas de 20, 30 e 40 no Brasil, passam a usar como justificativa para o combate ao modelo de Estado proposto por Rui Barbosa, na esteira ideológica dos "nacionalismos" o atraso e a decadência do Brasil, associados a política liberal que não defendem as causas e os interesses nacionais. Percebamos que nesta ligeira problematização, o modelo liberal, de um prognóstico para a causa nacional no início do século XX, mesmo medindo forças com a política tradicional vigente, no Pós Primeira Guerra, definitivamente passa a ser entendido como a causa de nossa patologia de atraso e decadência.

Ângela de Castro, no segundo capítulo, justifica este combate ao modelo liberal a partir do discurso na década de 20 em diante, usando o sociólogo, "Oliveira Vianna", com o seu livro, "Populações de 1918", onde Vianna faz um estudo aprofundado sobre as características da sociedade brasileira, suas especificidades e singularidades. Partindo de tal análise Vianna projeta sua idéia de "Brasil Real", identificado como "rural", sentado no "latifúndio patriarcal", com forte poder "privado e pessoal", como é o caso da política de favores e apadrinhamentos caudilhescos no Sul do Brasil por exemplo, onde o poder local é paralelo ao Estado soberano.Ângela de Castro compreende em sua análise sobre o pensamento de Oliveira Vianna, que seu posicionamento sociológico de analisar as características de incompatibilidade entre "Brasil real" e "Brasil legal", são altamente pertinentes, pois dentro de um movimento interdisciplinar como este, que traz a sociologia da primeira metade do século XX à historiografia e sua análises dentro uma concepção da Nova História Cultural, o olhar da historiografia alcança novos horizontes que antes não eram visualizados pelo isolamento e distanciamento da história com outros saberes das ciências sociais.

Oliveira Vianna faz referência a sociedade brasileira como "insolidária" e "patriarcal", sustentada na República, com a mentalidade ainda colonial, e canalizadas pelos interesses particulares, clientelistas, oligárquicos e regionalistas. Só um Estado forte, centralizador, metropolitano, poderá organizar e promover a "aproximação" do Estado e a sociedade como um todo, comprometida com o interesse público distinto do privado. O pode central nesta perspectiva passa a inverter a idéia de autoridade para promover a idéia de Estado moderno e próximo da realidade nacional. É esta a proposta de vários políticos e intelectuais das décadas de 30 e 40, ampliar o espaço público, partindo do desmantelamento do próprio "Brasil real", dando-lhe resignificação neste contexto, onde o Estado deve agir como interlocutor entre a sociedade e os interesses de todos. Para finalizar este segundo capítulo, um bom exemplo para ratificar o que Ângela de Castro apreende do pensamento de Oliveira Vianna, e do debate que passa a configurar a própria historiografia política dos contextos de 30 e 40, é o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, como vimos na importantíssima disciplina de historiografia brasileira, ele aproximar-se em seu pensamento da sociologia de Oliveira Vianna, onde ambos procuram aproximar através de suas análises, o Estado impessoal da sociedade civil.

3º Capítulo – Reinventando fronteiras: a Solução Corporativa e a Força do Presidencialismo

Ângela de Castro Gomes, inicia o terceiro capítulo, não por acaso dando ênfase a palavra "solução", via "corporativismo" e "presidencialismo", que anulam atores intermediários do diálogo entre o povo e o Estado.

É este projeto do "Estado Novo" de 1937, visto como processo da própria revolução de 1930, elaborado e pensado por intelectuais como Oliveira Vianna, Francisco Campos e Azevedo Amaral por exemplo. Onde a autoridade do presidente, ligado diretamente a autoridade suprema do Estado que como Instituição maior da nação, media, regula, direciona e proporciona o encontro da lei com a Justiça, a partir de uma nova Democracia, não mais política, pois trata-se de um golpe militar, e sim social e nacional. Ou seja, a autoridade do presidente via Estado centralizado, elimina a manutenção de partidos de parlamentos políticos, tornando "uno" o partido da nação em combate a corrupção, clientelismos, interesses oligárquicos e etc. Percebamos que este projeto diferencia-se de uma Democracia Liberal pretendida por Rui Barbosa no primeiro capítulo. Como fala Azevedo Amaral, citado por Ângela de Castro " a democracia nova só comporta um único partido: o partido do Estado, que é também o partido da Nação"(GOMES, 1998, p. 516)

Estrategicamente, Ângela de Castro percebe que este partido único não anula formas de "representação" das diversas "bases sociais" que compõem a sociedade urbana-industrial, como as especializações técnicas e os sindicatos dos trabalhadores por exemplo, mas estas representações são configuradas dentro das novas funções e exigências do governo. É aqui que entra o "Estado corporativo", ele ao mesmo tempo separa diversas categorias profissionais via sindicatos, e as unem, por uma hierarquia estatal, construindo um poder de união e tutela, sufocando assim as dissensões que vão surgindo nos novos arranjos políticos e sociais da década de 1930, como as amplas mobilizações da (Aliança Nacional Libertadora), ANL, e a (Ação Integralista Brasileira), AIB, por exemplo, banidas da política brasileira por força do "Estado corporativo", que sufocam estas mobilizações em 1935 e 1938 do cenário político nacional.

Para completar o projeto da nova Democracia da segunda metade da década de 1930, além do "Estado corporativo" surgem o "mito da personalidade", simbolizado na figura do presidente "Getúlio Vargas". O mito da personalidade age diretamente na sensibilidade da massa em si, que incorpora elementos irracionais como crenças e emoções, além de atender as necessidades da grande massa trabalhadora com leis e direitos trabalhistas por exemplo, que reinventam novas fronteiras e capítulos políticos entre o público e o privado, usando a hierarquia, a Tutela, o poder pessoal, concessão e patriarcalismo, ou seja, une tradição e modernidade para ampliar e estabelecer de forma mais sólida e consistente o espaço público como interesse nacional combatendo a liberal- Democracia e o seu artificialismo.

4º Capítulo – O povo e o presidente: Uma relação de intimidade hierárquica

Este quarto capítulo é central para se entender como o mito de Getúlio Vargas foi construído historicamente na sociedade brasileira em meio as novas transformações e articulações das fronteiras entre o público e privado do Estado político brasileiro.

Primeiro, Ângela de Castro destaca o grande investimento do Estado Novo, na comunicação de massa, como o rádio por exemplo, que promovem a imagem e memória de Vargas como um verdadeiro herói da nação. Tal investida do Estado Novo é configurada e reafirmada no imaginário do povo, na década de 1930 em meio, a políticas públicas desenvolvidas pelos novos Ministérios da Educação, Saúde e do Trabalho, Indústria e Comércio, implementação da carteira de trabalho e instabilidade no emprego junto com uma consolidação das leis do trabalho, CLT. Tais políticas públicas atestavam o vínculo entre a pessoa do presidente, trabalhador e honesto às experiências imediatas das "massas". Se no projeto de Democracia – Liberal de outrora, que sustentado na idéia de um "Brasil legal" diferente do "real", não comportava e nem garantia as aspirações dos trabalhadores da indústria nacional. A força do presidencialismo, encarnada na pessoa mitificada de Getúlio Vargas, pelo contrário, partindo do "Brasil real" que precisa de ajustes políticos e sociais, passa a tirar como vimos acima, através de garantias trabalhistas, as massas da ilegalidade para torná-las atores ativos da nação, que são ouvidos pelas elites industriais e políticas.

Desta relação surge um fortalecimento de intimidade da massa com o presidente, mas esta relação deve e é centrada em uma hierarquia social como uma grande família. Onde os irmãos são as lideranças sindicais, a mãe, a pátria que acolhe a todos com amor e responsabilidade, e o pai nobre e trabalhador representado na figura mitificada de Getúlio Vargas, garante a soberania nacional e os direitos trabalhistas dos trabalhadores, daí expressões como a do tipo, "pai dos pobres".

Segundo Ângela de Castro, esta relação de intimidade, o povo e o presidente, é tão forte neste contexto da década de 1930 e 1940, que foi capaz de realizar movimentos como o "Queremismo" de 1946, onde o povo vai as ruas pedi a volta de Getúlio Vargas ao poder. Outro ponto interessante discutido por Ângela de Castro, é em relação a força do presidencialismo no imaginário do povo, pois o próprio executivo e o legislativo são vistos como poderes secundários ao presidencialismo na década de 1940, e inclusive ainda hoje muitas pessoas tem este imaginário em relação ao poder executivo.

Para concluir a análise deste quarto capítulo, para Ângela de Castro, pela primeira vez surge uma política paradoxal no Brasil no pós 1930, onde o chefe de Estado como materialização do poder público apoiado pelo povo se exercerá na própria negação da cidadania política, expressa pelas eleições. E que irá afastando tanto as pretensões Democráticas Liberais, como também irá acentuando a autonomia das oligarquias caudilhescas, ou seja, definitivamente a representação simbólica na personificação mítica de Getúlio Vargas constitui – se em si, como modernidade e tradição, autoridade e diálogo, onde tanto público quanto privado são reconfigurados comonovos quadros destecontexto singular em nossa política nacional.

" Como era "povo e patriciado", podia ser representado, e o era, com extrema ambigüidade, tanto porque reunia esses dois pólos como porque reunia as ambigüidades características de cada um deles. Público e privado unidos, maximizados, Dessa forma, Vargas era matreiro, desconfiado, inteligente e onisciente; era sério, mas vivia sorrindo; era honesto e desonesto e desonesto; carinhoso e violento; ditador e até democrata." (GOMES, 1998, 536)

Conclusão 

Dentro do recorte temporal da configuração da obra "A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na Fronteira entre o Público e o Privado" de Maria Ângela de Castro Gomes, que vai dos primeiros anos de nossa Republicano, até os governos populistas do Brasil, podemos perceber como esta historiadora com as problemática historiográfica de seu tempo, assim como instrumentaliza sua pesquisa historiográfica dentro das abordagens da Nova História Cultural dos anos 1980 e 1990 do século XX, que como vimos traz novas interrogações para quem se propõe a fazer história política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

  • GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da Modernidade: na fronteira entre o público e o privado. IN.: Novais, Fernando A.(Coord-Geral)/ SCHWARCZ, Lilia Mortiz(org) História da vida privada no Brasil: Contraste da Intimidade Contemporânea(Vol. 4). São Paulo Companhia das Letras, 1998, p, 489 – 557.

Autor: Luciano Agra


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