A Influência na Historiografia Brasileira na Ótica de Caio Prado Júnior



Resumo: A “Formação do Brasil Contemporâneo” foi um livro que, para a sua época, representou uma importante contribuição a historiografia brasileira, sobretudo para o desenvolvimento da corrente marxista de pensamento, trazendo uma nova interpretação do período colonial. Caio Prado conseguiu alcançar o objetivo de apreender o sentido da evolução da sociedade brasileira, inscrito no caráter comercial da colonização, ajudando a redimensionar os elementos dessa estrutura que ainda se conservavam ao tempo em que se escreveu o livro.
Palavras - Chave: Caio Prado Júnior - Historiografia Brasileira - Colonização. 

Caio Prado Júnior tornou-se um grande intelectual brasileiro, nasceu na cidade de São Paulo em 11 de fevereiro de 1907. Pertencia à aristocrática família Prado, de certa tradição na sociedade paulista, dona de riquezas e importante participação na economia local. Assim, Caio Prado sempre pôde levar uma vida de conforto; estudou no Colégio São Luís, realizando depois um ano de estudos secundários no Colégio Chelmesford Hall, em Eastborn (Inglaterra). Voltou para o Brasil para estudar Direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde formou-se em 1928.

Vale ressaltar, quedesde a sua juventude teve importante participação na conjuntura política nacional; de tendência políticas contrárias ao velho Partido Republicano Paulista, que representava os interesses dos fazendeiros de café, que dominavam desde a proclamação de República o cenário político nacional. Isto significa dizer que a oposição a essa corrente, formou-se em 1926, o Partido Democrático, que reuniu os adversários do Partido Republicano Paulista. De toda forma O jovem Caio Prado inscreveu-se nele logo no ano de sua fundação, e nele atuou intensamente, portanto, foi essa sua primeira experiência política. Ele participou da Aliança Liberal que apoiou Getúlio Vargas em sua candidatura à presidência da República em 1930, a qual somente chegou ao poder por meio de uma revolução no mesmo ano. Desiludido com o plano político do Partido Democrático e do novo governo, em 1931 tornou-se membro do Partido Comunista e passou a trabalhar para a formação e organização de suas bases políticas junto ao proletariado. Teve participação também na Intentona Comunista de 1935, sendo preso com a derrota desta e solto dois anos depois. Em 1937 vai para o exterior, exilando-se na França. Época essa do auge do nazi-facismo na Europa e da ascensão do franquismo na Espanha, com a Alemanha e Itália intervindo abertamente na Guerra Civil Espanhola. Nesta, Caio vai para a fronteira auxiliando os emigrados espanhóis a fugir do território através de uma organização montada pelo Partido Comunista Francês. Retorna ao Brasil em 1939.

É preciso destacar ainda que ele estava se mantendo em ativa na militância comunista, mais acabe se elegendo como deputado estadual em São Paulo em 1947, mas foi cassado no ano seguinte quando o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade. Homem de negócios, fundou a Editora Brasiliense e a Gráfica Urupês. À primeira, fundada com Monteiro Lobato, em 1944.Pela editora publicou de 1955 a 1964 a Revista Brasiliense, editada por vários intelectuais. Caio por sua vez, candidatou-se à cátedra de Economia Política na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, embora conhecesse bem o conservadorismo do local, pois lá estudara e se formara, escrevendo uma tese intitulada Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira. Sabia que não seria aprovado em função de suas posições socialistas, opostas demais a uma instituição tão conservadora. Deram-lhe o título de livre docente (1954), que lhe foi cassado mais tarde, em 1968. Mesmo assim, quando vagou a cadeira de História do Brasil na Faculdade de Filosofia, com a aposentadoria do seu titular, Sérgio Buarque de Holanda, candidatou-se novamente com o trabalho História e Desenvolvimento. O concurso não aconteceu, entretanto, devido ao Golpe Militar de 1964.

É possível perceber, que Caio Prado Júnior sempre dizia não saber história, no sentido de ignorar uma quantidade de datas e esquecer outras, se embrulhar nas dinastias e dar pouca importância às batalhas e detalhes. O que lhe interessava é a vida diária, a produção, o movimento dos negócios, as técnicas de plantio, os costumes, o mecanismo de transmissão da propriedade, etc. A curiosidade intelectual foi um traço inesgotável e essencial de sua personalidade, nunca manifestando desconforto ou preguiça ao enfrentar as precárias estradas e hotéis existentes no Brasil. Queria saber a verdade, conhecer de perto as relações de trabalho e de produção em cada recanto do país: defendia uma reforma agrária planejada, com o conhecimento das situações regionais. Motivava-o, basicamente, uma profunda perplexidade diante das desigualdades sociais. Em suas viagens pelos países industrializados, comparava a qualidade de vida, o nível cultural do camponês ou do operário de lá com o daqui, lamentando as desigualdades de nossas estruturas sócio - políticas que ainda mantinham e mantêm padrões de vida deploráveis para a maioria da população.

Cabe aqui formular, que quando Caio Prado tinha cerca de 18 anos e retornava de uma viagem que fizera sozinho ao Oriente Médio, desejou então conhecer o Brasil, viajando pelos estados interioranos. Esta visão que teve marcou-o profundamente, mais logo assombrou-se com a miséria e subdesenvolvimento discrepante dos países considerados modelos do capitalismo industrial. Ao mesmo tempo, observou a diversidade regional deste país. Costumava dizer que naquele instante despertou-se para os problemas brasileiros e daí para os porquês daquilo e para suas soluções. A partir de então, começou o seu engajamento e o seu estudo sistemático do Brasil, adotando uma postura receptiva constante. Passou a trabalhar com o presente e o passado, em vista do futuro, perseguindo para sempre tais atividades.

Por volta de 1934, Caio "descobriu" a geografia e sua utilidade, mérito que sempre atribuiu a Pierre Deffontaines, geógrafo francês que viera lecionar a matéria na recém inaugurada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Com o professor, viajou diversas vezes pelo Estado de São Paulo e participou da fundação da Associação dos Geógrafos do Brasil, a qual promovia encontros anuais dos especialistas e estudos regionais conjuntos. Dessa forma a geografia tornou-se seu instrumento de trabalho para o conhecimento do país e para a elaboração da própria História, produzindo importantes estudos na disciplina. Considerava sua prisões como oportunidades que a vida lhe proporcionou para aprendizagem, inclusive no sentido didático. Por ocasião de uma delas, aproveitou para tomar aulas de matemática, transmitiu seus conhecimentos aos companheiros e alfabetizou um operário.E como pensador Caio Prado Júnior destaca-se como um dos principais representantes da utilização do marxismo no estudo da História e teoria política brasileiras. Sua obra abrange os campos da História, Geografia, Sociologia, Economia, Política e Filosofia.

Caio Prado Júnior compôs os seguintes livros como no caso a "Evolução Política do Brasil" (1933); "URSS: Um novo mundo" (1934); "Formação do Brasil Contemporâneo" (1942), que é considerada sua principal obra, um clássico ensaio sobre a História Brasileira; "História Econômica do Brasil" (1945); "Dialética do Conhecimento" (1952); "Diretrizes para uma Política Econômica" (1954); "Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica" (1957); "Introdução à Lógica Dialética" (1959); "O Mundo do Socialismo" (1962); "A Revolução Brasileira" (1966), pelo qual recebe o título de Intelectual do Ano, sendo agraciado com o prêmio Juca Pato; "História e Desenvolvimento" (1968); "O Estruturalismo de Lévi-Strauss" – "O Marxismo de Louis Althusser" (1971); "A Questão Agrária no Brasil" (1979) e "A Cidade de São Paulo" (1983).Caio Prado Júnior morreu em 1990 devido a complicações de saúde conseqüentes de um aneurisma na artéria aorta.

Em a "Formação do Brasil Contemporâneo", Caio Prado Júnior, faz uma síntese dos três primeiros séculos da colonização, até inícios do século XIX, momento caracterizado por ele como uma etapa decisiva na evolução do país, visto que se constitui num período de transição para uma nova fase. Através de uma abordagem inovadora, Caio Prado descartou a tendência predominante na época de enquadrar o sistema colonial em um modelo de economia feudal, afirmando que o processo colonial não passou de uma das manifestações de um fenômeno de maior amplitude, a expansão comercial iniciada no século XIV, ou seja, criando uma visão do colonialismo como parte integrante do capitalismo mundial.

Caio Prado não desenvolveu pesquisas em arquivo, utilizando-se de fontes secundárias e também de fontes primárias já impressas: seu objetivo era o de elaborar uma síntese geral do período colonial; o que, pela simples extensão da periodização escolhida, impossibilita-lo-ia de trabalhar exaustivamente em arquivos. O principal método de pesquisa utilizado pelo autor foi o de releitura, análise e critica de fontes conhecidas. Ainda discorrendo sobre isto, Caio Prado Júnior coloca que dentre todos os livros que visavam compreender o Brasil, analisando e partindo de seu passado como colônia até o momento histórico em que foram elaboradas, uma destaca-se como a mais perfeita análise do período colonial e as implicações deste no presente momento nacional. Trata-se de "Formação do Brasil Contemporâneo", do historiador paulista Caio Prado Jr. Publicado pela primeira vez em 1942, esse livro é o expoente máximo da obra de Caio, autor também de "Evolução Política do Brasil" e "História Econômica do Brasil".

Diante disto, podemos perceber que é um estilo simples, muito bem escrito, utilizando vasta base documental, Formação descreve as características econômicas, administrativas, populacionais e sociais do território brasileiro desde o início de sua colonização até os primeiros anos do Século XIX. A narrativa inclusive parte dessa última época, considerada pelo autor "uma síntese", ou seja, de um lado, representa o balanço final de toda a obra colonizadora ao longo de três séculos e de outro, constitui a chave para interpretar o processo histórico anterior a ele e o próprio Brasil daquele momento pós-1930. O corte, então, aborda o período de três séculos e é o fundamento para se compreender as modificações seguintes. Para Prado, na entrada do Século XIX o legado colonizador já estava consolidado no Brasil e o território começava a respirar ares de mudança que influíram no processo de Independência da colônia. Caio Prado diz o seguinte:

"No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial (...) destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos."(PRADO, 1971, p. 31)

Neste fragmento acima, podemos perceber que a partir do momento em que ele considera uma ruptura do sistema colonial, Caio Prado penetra no fundo no passado e na estrutura desse sistema. E, dentre várias conclusões a que chega, uma se destaca como a principal, podemos perceber que a mais de um século após a Independência, o Brasil ainda mantinha em diversos aspectos o caráter e as características de colônia, principalmente no que se refere à economia e sociedade. Pode-se vislumbrar, portanto, que essa é a posição em que o autor defende e demonstra ao longo de todo o livro. Prado mostra ainda as modificações pelas quais o Brasil passara e estava passando eram superficiais, havendo sempre a presença incômoda, invencível e indissociável no processo de evolução nacional. Para explicar isso, apresenta-nos o inovador conceito de sentido histórico.

Apesar disso, Prado nos mostra que o sentido manifesta-se ao longo da história desse povo, e que pode ser modificado com transformações profundas. É nesse contexto que o caso brasileiro, o sentido de formação de nosso povo é ser uma colônia especializada no fornecimento de produtos agrícolas tropicais para os mercados estrangeiros. Penso que, tudo no Brasil Colônia, afirma o historiador, surgiu e foi formado com o intuito de constituir uma unidade fornecedora de produtos comercializáveis para a Europa, mais não havia a preocupação de constituir uma sociedade ou uma administração organizadas e raízes nacionais firmes, mas apenas uma feitoria comercial. Esta foi à lógica de todo o período colonial, determinando o nosso sentido histórico e, com ele, a permanência de diversos aspectos coloniais na atual sociedade brasileira. O caráter agrícola e suas relações com a sociedade, segundo Prado, implantaram-se de tal forma na formação brasileira que ainda podiam se fazer sentir presentes naquela época.

Em relação a esse momento, destacam-se, dentre os exemplos desse sentido o processo de povoamento colonial, com os colonos recém-chegados e as correntes internas procurando sempre o litoral nordestino, nas regiões produtoras de bens agrícolas exportáveis; a constituição da economia nacional no tripé, latifúndio-monocultura-trabalho escravo, voltado para o mercado externo e subjugando o mercado interno; a utilização do negro como escravo apenas como força produtiva, banalizando-o e impedindo que contribuísse positivamente para a constituição de nosso povo; o surgimento de um setor "inorgânico" na sociedade colonial, localizado entre os senhores de terras e os escravos, no qual seus componentes não possuem ocupação fixa ou força social e se caracterizam pela desarticulação e desunião; a estrutura patrimonialista, na qual os senhores oligárquicos, donos de imenso poder na conjuntura econômica e social, consideram-se donos dos espaços público e privado; etc. Muito disso permanece até hoje, o que comprova a atualidade da obra.

Em conseqüência disto, Caio Prado não deixou de enxergar possibilidades de transformação dessa persistente ordem colonial. A "Formação do Brasil Contemporâneo" é um livro constituído de uma contraposição dialética entre a permanência de estruturas coloniais e as constantes chances de derrubada dessa ordem, a ocorrer por intermédio da articulação interna e ação do setor "inorgânico", ou seja, das classes mais humildes e pobres da população. Será a participação e integração deste setor na sociedade que possibilitará a queda dos resquícios coloniais, produzindo uma modificação e, quem sabe, a definição de um novo sentido histórico para o Brasil. O autor mostra que sempre foi essa população desarticulada que, sozinha e sem qualquer apoio, tomou as iniciativas para modificar a sociedade colonial e expandi-la além da monocultura litorânea exportadora. Por exemplo, o avanço da pecuária pelos sertões; o processo de povoamento do interior e expansão para territórios além do Tratado de Tordesilhas etc.

Caio Prado conseguiu estruturar seu texto de maneira lógica, dispondo os capítulos de forma coerente, mantendo, ao longo da obra, uma linha de raciocínio que não se distancia do tema principal. Sua linguagem é clara e objetiva, utilizando muitas vezes a repetição como um instrumento de fixação de sua tese central. Esta tese é sintetizada logo no início do livro, quando apresenta o que ele denomina de "sentido da colonização". Este conceito-chave vai estar presente ao longo do texto.

Para Caio Prado, o sistema colonial não foi um fenômeno que ocorreu isolada e casualmente na história, mas parte do processo de desenvolvimento do comércio europeu e da expansão marítima dos séculos XV e XVI. Segundo ele, os objetivos maiores e o "espírito" predominante dos colonizadores se enquadravam numa perspectiva comercial, e não, por exemplo, no desejo de expandir o cristianismo. As colônias da América Latina funcionavam como meros enclaves, cuja produção se destinava ao abastecimento das necessidades metropolitanas, ou seja, como mercados exportadores de matérias- primas. Esse era o "sentido da colonização" do Brasil e todas as demais "colônias de exploração", diferentemente do que ocorreu nas "colônias de povoamento" do futuro Estados Unidos. Paralelamente, instalou-se a escravidão como base da sociedade colonial. Tudo estava integrado, direta ou indiretamente, ao núcleo escravista.

Dentro dessa lógica, Prado dividiu a população colonial em dois setores, que foi ao dos elementos orgânicos, constituídos pela massa escrava e por todos aqueles que faziam parte do sistema escravista; o dos elementos inorgânicos, incluindo as categorias sociais que se mantinham marginais a estrutura colonial básica, apesar de se verem por ela afetadas. Este segundo grupo seria composto, sobretudo, pelos agricultores de subsistência, trabalhadores da pequena indústria doméstica, vadios, enfim os livres desclassificados da colônia. A partir desses dois elementos, o "sentido da colonização" e a estrutura escravocrata, Caio Prado desenvolveu toda a sua argumentação. Dividiu seu ensaio em três partes: povoamento, vida material e vida social. Na primeira parte, ele discute o percurso e o alcance da ocupação do território brasileiro, determinada pelas condições geográficas e, principalmente, pela estrutura econômica da colônia. Assim, o povoamento se concentraria basicamente na faixa litorânea, deslocando-se de acordo com as oscilações dos interesses comerciais da metrópole. Além disso, dedicou um capítulo a questão racial, analisando a forma como as três raças que configuraram o perfil étnico do Brasil se relacionaram e evoluíram no sentido da formação do povo brasileiro.

Já á segunda parte do livro é dedicada ao estudo da base material da colônia. Aqui ele interpreta os principais aspectos da economia da colonização, cujo elemento central teria sido a agricultura de plantation, baseada na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos, cuja produção se destinava ao abastecimento do mercado mundial. Conseqüentemente, o desenvolvimento dessa economia teria estado sempre na dependência de flutuações econômicas internacionais e nunca teria conseguido atingir uma estabilidade própria. Seu curso teria sido marcado por sucessivos períodos cíclicos de prosperidade, acompanhados de um declínio posterior. Existiriam formas secundárias de atividade econômica (agricultura de subsistência, pecuária, extração, manufaturas etc.) que, entretanto, não teriam vida própria e manteriam uma relação de dependência com o eixo central da economia, a grande lavoura, limitando sua expansão. A mineração não se distanciaria do modelo implantado pela agricultura de plantation, mantendo todas as suas características de dependência externa, crises cíclicas etc. Diante desse quadro, Caio Prado resumiu a economia colonial da seguinte forma. O primeiro foi a estrutura: um organismo produtor constituído de grandes proprietários e da massa escrava; Já o segundo foi funcionamento: fornecimento de matérias-primas para o comércio internacional; e por fim foi a evolução: série de ciclos econômicos, cada um se caracterizando por uma etapa de grande desenvolvimento, seguida de um período de crise.

Na terceira parte do livro, o autor analisa a sociedade brasileira, observando estar ela profundamente marcada pela escravidão e pelos interesses comerciais externos. Comparando a escravidão da Antigüidade Clássica com a do Brasil colônia, caracterizou esta última como um elemento não construtivo, diferentemente da primeira. Isso seria conseqüência do baixo nível cultural dos escravos africanos e das condições de miséria a que eles foram submetidos. Na sua avaliação, a administração portuguesa se caracterizava pela inércia e pela má organização, não se aprimorando em conseqüência de seu "espírito" comercial, que só visava ao enriquecimento, além da índole passiva, inerente ao povo português. Todos esse fatores teriam gerado na sociedade uma ausência de nexo moral, além de uma fragilidade dos vínculos humanos, refletidos, por exemplo, na indisciplina sexual.

Este sistema, no início do século XlX, já mostrava sinais de decomposição que se manifestavam através de um "mal-estar generalizado". Ao lado dos elementos destrutivos, coexistiam forças renovadoras que, através de um processo dialético, promoveriam uma síntese que resultaria numa nova estrutura. Isso significava que o sistema colonial do Brasil havia esgotado suas possibilidades de desenvolvimento, aflorando todas as suas contradições, internas e externas, em particular a luta de classes entre os comerciantes portugueses e os proprietários brasileiros, que reproduzia a "tradicional rivalidade entre nobres e burgueses que enche a história da Europa" (PRADO, 1971, p. 296).

Dando ênfase a isto, a "Formação do Brasil Contemporâneo" foi no seu tempo um bom exercício da aplicação do método marxista, um livro histórico que aborda o desenvolvimento do Brasil na longa-duração, na qual o autor conseguiu enquadrar suas análises numa perspectiva totalizante, sem uma visão mecanicista das relações entre as infra e superestruturas, comum em textos marxistas. Este livro rompe com a "História dos grandes homens" sem, contudo, eliminar completamente o papel ativo dos indivíduos.

Malgrado ser uma obra de muitas qualidades, ela contém concepções hoje superadas, inclusive pelo próprio pensamento marxista. Este é o caso, por exemplo, de sua visão europocêntrica da História, que o levou a enxergar a economia colonial brasileira apenas como um apêndice do capitalismo europeu, negligenciando o papel do mercado interno e dos setores subalternos, por ele considerados "inorgânicos". A importância e o significado da economia interna no período colonial vem sendo atualmente revistos pela nova historiografia brasileira, através de estudos regionais, a exemplo da pesquisa de João Fragoso, em Homens de Grossa Aventura (Arquivo Nacional, 1992), que analisa as atividades do comércio no Rio de Janeiro entre 1790 a 1830. Essas novas interpretações corrigem também a noção dos ciclos de desenvolvimento econômico adotada por ele e outros historiadores da economia brasileira.

No tocante a questão racial, Caio Prado ainda conservou algumas noções conservadoras típicas da historiografia tradicional, a exemplo da visão também europocêntrica de cultura e civilização, quando considera negros e índios inferiores aos brancos, ou quando afirma que eles não trouxeram nenhuma contribuição para o Brasil contemporâneo, a não ser de ordem passiva. Apesar disso, a visão de Caio Prado representou uma superação de concepções racistas anteriores, na medida em que denunciou o preconceito racial e tratou a questão da superioridade do ponto de vista cultural e não da perspectiva biológica. Aliás, ele era um marxista dos anos 30 e 40 e, portanto, um evolucionista. Nota-se uma certa ambigüidade na sua argumentação, visto que, ao mesmo tempo que afirma sua inferioridade, também argumenta que a incapacidade de ascensão dos

negros e índios se dá em função das condições de vida destes.

Ao criticar o espírito mercantil e mesquinho da sociedade portuguesa colonial, Caio Prado acabou superando a análise de certos historiadores, que defendiam a existência de um suposto "caráter nacional do Brasil colônia. Ao mesmo tempo, imbuído de forte dose de puritanismo sexual, ao contrário de Gilberto Freyre, ele considerava a indisciplina sexual um comportamento tipicamente brasileiro, e uma conseqüência nefasta da desorganização e do próprio caráter dos portugueses. Podemos enfocar ainda que a "Formação do Brasil Contemporâneo" foi um livro que, para a sua época, representou uma importante contribuição a historiografia brasileira, sobretudo para o desenvolvimento da corrente marxista de pensamento, trazendo uma nova interpretação do período colonial. Caio Prado conseguiu alcançar o objetivo de apreender o sentido da evolução da sociedade brasileira, inscrito no caráter comercial da colonização, ajudando a redimensionar os elementos dessa estrutura que ainda se conservavam ao tempo em que se escreveu o livro.

Em suma, o livro critica a atuação das forças de esquerda brasileiras. Ele aponta as falhas das propostas políticas da esquerda e como isso compromete o destino nacional. Critica, entre outros temas, a distância entre as análises do partido comunista brasileiro sobre o Brasil e nossa realidade. Da mesma forma, abre espaço para ressaltar a importância do povo na sociedade e história nacional. Para o autor, somente a ação popular, voltada para a realização de suas necessidades para a sobrevivência, pode revolucionar a sociedade brasileira. Uma sociedade mais voltada para si do que para o exterior (a superação do nosso "sentido" inicial definido no "Sentido da Colonização").

Em contrapartida, a "Formação do Brasil Contemporâneo", de Caio Prado Júnior é um livro de profundidade, e por isso foi um corte num momento significativo da história brasileira (entre o final do século XVIII e início do século XIX), pois ele marca uma etapa decisiva na evolução do Brasil e inicia em todos os outros terrenos, social, político e econômico, uma tese nova. Com a transferência da corte portuguesa para a colônia brasileira e também todos as atos preparatórios da emancipação política do país, fornecendo um balanço final da obra realizada por três séculos de colonização. Contendo ainda, os elementos constitutivos da nacionalidade brasileira, e seria a própria chave para acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele, que é o Brasil contemporâneo ao autor. Nesta concepção a montagem do sistema colonial nos séculos XVI e XVII insere se no contexto da acumulação de capital decorrente da expansão do comércio, iniciada pela Europa nos séculos anteriores.

Nessa etapa da história européia, o feudalismo começou a ser definitivamente superado e a centralização política, patrocinada pela burguesia, adquiriu um caráter irreversível. Nesse processo, mesmo com variações de país para país, predominou o absolutismo como norma econômica e a sociedade estamental como forma social predominante. E nesta orientação se afirmará a colonização na América e mais precisamente no Brasil, permeando as relações internas tanto sociais e políticas. A "Formação do Brasil Contemporâneo" foi um livro que, para a sua época, representou uma importante contribuição a historiografia brasileira, sobretudo para o desenvolvimento da corrente marxista de pensamento, trazendo uma nova interpretação do período colonial. Caio Prado conseguiu alcançar o objetivo de apreender o sentido da evolução da sociedade brasileira, inscrito no caráter comercial da colonização, ajudando a redimensionar os elementos dessa estrutura que ainda se conservavam ao tempo em que se escreveu o livro.

 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

  • PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1971.

Autor: Luciano Agra


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