A Legitimidade Ativa na Ação de Investigação de Paternidade e Seu Exame Frente ao Art. 1.614 do Código Civil



Laura Affonso da Costa Levy[1]

Em atenção ao artigo 1.606 do Código Civil que trás a possibilidade de ser intentada a Ação de Investigação de paternidade, quando: "A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz", deixa a desejar em matéria de legitimidade ativa a essa referida propositura.

Inicialmente, cabe verificarmos que se qualquer pessoa, com justo interesse, pode contestar a ação de investigação de paternidade, nos termos do artigo 1.615, às pessoas com legítimo interesse deve ser facultada a propositura de ação de investigação de paternidade.[2] Utilizando-se de mesma regra as ações que tratam do mesmo direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Lei 8.069/90, art. 27).

Todavia, é evidente que a ação de investigação de paternidade ou da maternidade não pode caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa. No entanto, a legitimidade ativa não pode ficar restrita ao filho uma vez que sua relação é estabelecida com outras pessoas, seu genitor biológico, ascendentes e descentes em linha reta, ascendentes e descendentes colaterais, até o quarto grau, guardião, tutor ou curador, caso esteja sob o manto da guarda, da tutela ou da curatela. Para tal entendimento, podemos, ainda, utilizar-nos do preceito constitucional, inscrito no inciso XXXV, do artigo 5º, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Passando pela análise da legitimidade ativa e adentrando na questão do consentimento do filho, maior, para o reconhecimento da paternidade, deparamo-nos com um conflito de normas.

Podemos, para ilustrar melhor, propor um exemplo: um rapaz, maior, com plena capacidade, está passando por dificuldades de saúde (enfermidade de natureza congênita ou acidental), tendo sua mãe biológica já falecida e sem ter o reconhecimento da paternidade por parte do genitor. Supomos, ainda, que o rapaz não possua condições financeiras dignas e nem seus parentes próximos. Não conta, também, com pai afetivo que o guarneça. Dessa forma, não está revestido sob o manto da guarda, da tutela ou da curatela, visto responder por seus próprios atos, legitimado, inclusive, pela lei nem tampouco, sendo representado por outra pessoa. Assim, diante da situação, um ascendente, em linha reta, como a avó, considera de extrema importância, para a vida de seu neto, investigar a identidade de seu pai biológico, sendo para fins de disponibilizar condições a um tratamento digno ou, até mesmo, a busca de compatibilidade de órgãos ou de tipo sangüíneo, e propõe a ação de investigação de paternidade.

Pelo entendimento já exarado, não haveria qualquer óbice quanto à legitimidade ativa da ação, não recaindo na extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI, CPC). Entretanto, devemos atenção ao artigo 1.614, no que tange ao consentimento do filho maior.

Uma vez que esse esteja em sua plena capacidade, decorrente tanto da idade quanto do nível psicológico e mental, deveria, segundo o artigo anteriormente citado, dar o seu consentimento quanto o reconhecimento da paternidade, sob condição de nulidade desse reconhecimento.

Problema passaria a existir no caso do rapaz, ora exemplificado, não concordar com a atitude tomada pela avó e negar-se a dar seu consentimento judicial.

Atingimos, enfim, o embate. O que deve prevalecer, em se tratando de casos particulares como o narrado anteriormente: a necessidade de haver o consentimento do maior, ou o princípio da necessidade e da proteção à vida?

Conforme a disponibilidade do Direito Brasileiro, tendo como referência suprema a Constituição da República, prevalecerá, sim, o princípio da dignidade da pessoa humana, sua proteção e saúde. Dessa maneira, caso nos deparemos com um caso de semelhante problemática, devemos nos ater para o fato de que o consentimento do filho reconhecido pode ser suprido em caso de "eminente perigo" ou particularidades pontuais.

Merece, diante disso, que os operadores do direito passem a fazer uma interpretação, uma aplicação hermenêutica de forma mais ampla (extensiva), relativamente aos artigos ora analisados, para fins de ampliar o rol de pessoas habilitadas ativamente para pleitear a ação de investigação de paternidade e para respaldar a possibilidade de ser suprido o consentimento do filho a ser reconhecido, em casos de risco de dano ou dano eminente à pessoa em questão.




Autor: Laura Affonso Costa Levy


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