Aos Amigos...



 

POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS

...Foi assim que muitos líderes políticos conseguiram perpetuar por décadas o projeto de poder idealizado. O requisito para o ingresso na lista dos agraciados era – e ainda o é, em muitos casos – o resultado de um banquete de marmeladas, é o que se costuma chamar de negociatas. Revestidos pelo manto do poder, os arquitetos do reinado se reuniam (em) constantemente para discutir quem iria (á) comer da sobremesa e a quem caberia (rá) a nobre missão de lavar os pratos.

Parece ficção, uma simples expressão das artes cênicas, mas, esse é o perfil do poder, faminto e usurável. A velha panelinha, tão conhecida dos campos de futebol, ganha no corpo político uma conotação ainda mais repugnante. É tendencioso, como afirma Ribeiro (1998), todo indivíduo ou grupo de pessoas, representando determinada parcela da sociedade ou defendendo os próprios interesses, ao conquistar uma posição de poder almejada, estará tentado a fazer o possível para conservá-la.

O esforço investido para assumir o poder – e nele se perpetuar – pode se comparar com as forças reunidas nas "épicas" Cruzadas, em que, em nome da fé, muitas vidas foram ceifadas. Mas não é da vida corpórea que a política se reveste, o que aos poderosos interessa é a sua preservação, o conservadorismo, a manutenção da ordem estabelecida.

Para isso, Vale Tudo! Enquanto o lado mais forte se ocupa de escrever as regras do jogo; o lado mais fraco – munido de armas e trajes menos expressivos – limita-se a encenar o gesto íngreme da derrota. E na hora do combate, eloqüentemente, exclama o apresentador: Show time! E a torcida, fervorosamente, repete em tom ensurdecedor: É a hora do Show! Animada, a imensa maioria dos presentes no local deposita todas as esperanças em Mundanes, um ex-escravo, que conseguiu a liberdade após anos de heróica resistência... A luta começa e,... para a perplexidade dos torcedores, termina rapidamente... Será que valeu o ingresso? ... Foram segundos de um silêncio perturbador... Muitos custavam a acreditar no que acontecera. Trambique, um experiente e desonesto lutador, que vendeu os préstimos de toda a sua habilidade em troca de algum conforto para a sua família, venceu facilmente. É desse modo que geralmente acontece. São poucos os que na torcida podem dizer simplesmente que já sabiam do resultado. A maioria sequer cogitou que o quadro do espetáculo já estava pintado e que os papéis de vencedor e vencido já estavam desenhados.

Isso é o que alguns chamam de jogo político: uma disputa sem disputa, uma batalha de bastidores. Pelo menos é o que deve pensar os tarimbados na arte de vencer. Utilizam-se de todas as manobras – éticas ou não – para conquistar, preservar e ampliar os poderes. A sabedoria popular costuma dizer que o Diabo conhece a bíblia de trás para frente. Assim também, quem está em uma posição de poder procura conhecer os princípios que regem os dois lados da batalha – o manual de vencedor e de vencido. Ao lado do travesseiro dos poderosos residem desde os escritos marxistas até os manuais escritos pelos defensores mais ferrenhos do capitalismo.

Quando isso não acontece, sempre estão muito bem assessorados a esse respeito. Aí fica uma pergunta: e os vencidos? Como se orientam nesse sentido? Afinal, faz centenas de anos que Tzu escreveu que para vencer o inimigo – aqui leia-se oponente - é preciso tomar alguns cuidados básicos. É fundamental saber até a quantidade (e a qualidade) do oxigênio que o inimigo está respirando; infiltrar espiões a fim de obter informações preciosas, corromper oficiais das tropas inimigas e desestabilizá-las, enfraquecendo-as.

Essa é uma metáfora interessante que pode se interpretada ricamente de diversas maneiras. Quem detém o conhecimento, assim o faz. Dentro do corpo político as relações estabelecidas estão baseadas justamente no antagonismo. Cada corrente ideológica tenta legitimar os seus ideais e aniquilar a ala adversária...Assim, como já aconteceu muitas vezes, dossiês são construídos ou forjados a fim de convencer a opinião pública de que aquele segmento que se encontra no status de poder está corrompido, não sendo justo a sua continuidade.

Como os militares diziam na publicidade da época da ditadura, ao expressar o seguinte: Brasil: ame-o ou deixe-o. Hoje, o que figura na relação política é mais ou menos assim. Não que se deva deixar de fato o Brasil, mas na política, quem não se alinha com determinada ideologia está em iminente risco de cair no ostracismo, uma prática muito comum nos anos de chumbo, da ditadura militar. O que se denuncia então é uma ditadura dentro da democracia. A sociedade ainda está permeada em sua lógica por esse viés...Acontece não só na Política, assim formalmente dizendo, mas, na escola, no trabalho, enfim, nas relações sociais.

A sociedade ainda rejeita a posição de antagonismo...Ainda não aprendemos a dissociar a idéia do sujeito...Aqueles que exercem uma posição contrária a nossa tem que sofrer – como muito se costuma dizer – um corretivo. É como se nós fossemos os únicos e, numa espécie de síndrome Highlander, o instinto predatório nos domina e nos inclina a nos convencermos de que só pode haver um: o oponente precisa ser derrotado e humilhado. Isso nos foi incutido, construído historicamente e proliferado através dos mecanismos de reprodução cultural. São os resquícios da ditadura. As marcas de um período que se prolonga, haja visto, a lentidão das mudanças na maneira de pensar de um povo.

O poder, diz Hunter (2004, p.28), corrói os relacionamentos. A sede que sentimos, a nossa vontade de potência, que nos impulsiona, como servos a ambicionar o lugar ocupado pelo nosso senhor não é ilegítima...E nesse momento, cabe complementar uma inferência anterior: o que torna o poder um agente corrosivo não é a sua essência, mas a sua má aplicação, é o seu desvirtuamento. Uma coisa em si não pode representar nada de abominável, mas, a maneira que a observamos e interpretamos, assim como, o uso que fazemos dela.

Enfim, olhos bem abertos seria um bom conselho, quando na realização de uma determinada análise política-ideológica. Perceber realmente o que está acontecendo ao entorno é um exercício exaustivo. Muitos se limitam a dizer: Eu quero sombra e água fresca. Cuidado! Alguém pode cortar a sua árvore e, talvez, um dia possa lamentar de não ter vigiado as redondezas.

REFERÊNCIAS:

RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. 3.ed. rev.  por Lúcia hippolito. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

TZU, Sun. A arte da guerra. Trad. De Sueli Barros Cassal. – Porto Alegre: L&PM, 2008. (Coleção L&PM Pocket)

HUNTER, James C. O monge e o executivo. Trad. Maria da Conceição Magalhães. Rio de janeiro: Sextante, 2004.


Autor: PAULO SANTOS


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