Voltar Descalço



(Sérgio Lisboa)

Teve um Grenal na década de setenta em que o Grêmio venceu com um gol do ponteiro esquerdo Éder. O Éder para quem não lembra ou não conheceu era o cara mais irreverente, malandro, mulherengo e para piorar ainda mais seu currículo, era um dos mais técnicos atacantes que este país já viu jogar.

Neste dia, num domingo de muito sol, no estádio do Inter, o Beira-Rio, Éder fez um golaço no segundo tempo e saiu para comemorar em direção às sociais do Internacional com a mão segurando o seu membro sob os calções e sacudindo freneticamente como a oferecê-lo para a torcida adversária. Aquele momento ficou marcado para sempre na minha memória, não o membro do Éder (qualé?!) mas aquela atitude dele de deboche em último grau sem nem sequer tomar um cartão amarelo pelos gestos obscenos que ele fez, muito diferente de como é hoje. Hoje se um jogador de futebol comemorar com um sorriso um gol marcado acaba expulso do jogo. Não é muito difícil de entender, uma vez que com jogos de resultados marcados é uma estupidez comemorar alguma coisa.

Vivíamos a ditadura e os militares que tanto nos amordaçaram sabiam que o estádio de futebol, tal qual o Coliseu da Roma antiga, era o lugar para o povo se esbaldar e os gladiadores ali dentro por pequenos instantes eram livres e não tinham essas regras bestas de não poderem sequer comemorar um gol ou uma mutilação sangrenta do adversário.

Voltando a comemoração do Éder, o que mais me chamou a atenção depois daquela comemoração foi a verdadeira chuva de objetos jogados sobre ele desde radinhos de pilhas, almofadas, bandeiras, pedras, guarda-chuvas (apesar do sol) e sapatos. Isso mesmo sapatos.

Eu sempre pensei, desde aquele dia, qual o grau de irritação de uma pessoa, não para ter coragem de jogar algo em alguém, mas em optar a voltar completamente descalço para casa em nome de uma desforra de tentar atingir alguém que lhe causou indignação ou lhe trouxe sofrimento.

Talvez o Presidente Bush naquele momento estivesse comemorando de uma forma tão obscena e tão debochada, como o Éder há trinta anos que mereceu, assim, levar umas sapatadas pela cara.

Antigamente se podia tanto ser debochado e obsceno quanto ser impulsivo e jogar os sapatos nos crápulas. Hoje só aos crápulas é permitido o deboche e a obscenidade.


Autor: Sérgio Lisboa


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