Em Que Século Se Está Vivendo?



Em que século se está vivendo?

Laura Affonso da Costa Levy[1]

Entramos na era digital sem nem ao menos perceber. Circunscritos de vastas e rápidas informações, tecnologias avançadas e, de forma paralela, mas não menos importante, de uma desordem total.

No século passado os avanços humanos tomaram proporções avassaladoras, de tamanha estranheza que passou a existir uma preocupação em torno de como seria o futuro, devido às mudanças que passavam a ocorrer. João de Scantimburgo em sua obra intitulada "A extensão humana: introdução à filosofia da técnica", datada de 1970, já se preocupava com o tema da era tecnológica, quando "nunca, porém, como na secunda metade do nosso século tanto se acelerou a mudança pela técnica dos métodos de vida, das relações sociais, das interações humanas; tão extensas são as transformações pelas quais passamos, que não podemos nem mesmo imaginar como será o futuro no ano 2000".[2]

 

Ainda, "não tem limites a capacidade humana, para inventar e descobrir. O homem moderno veio a ser assaltado, todos os dias, por um sem-número de notícias, sobre invenções e descobrimentos, que apressam a posse total do mundo pelas forças da inteligência. Jornais e revistas estampam, com assiduidade, rubricas sobre novos produtos lançados ao consumo. Nos laboratórios o homem procura os caminhos para o domínio da natureza e vai ampliando os recursos com os quais não só poderá ser o dono da terra, como provavelmente do universo cósmico. Vemos que o homem contemporâneo, sente-se um deus, tamanho o avanço da ciência e da técnica; as novas gerações nascem para a vida social, abarcando vasto esforço das gerações passadas. Nesse fluxo contínuo, a marcha da civilização através do tempo e do espaço, vem se somando, dos egípcios aos nossos dias, da especulação grega às universidade do século XX; da angústia diante do desconhecido do homem do passado à prodigiosa perfeição dos computadores, o trabalho da grande aventura humana, posta na consecução de um fim, o de aumentar as dimensões do poder da pessoa".[3]

 

Todavia, apesar de tantas invenções, descobertas e aperfeiçoamento do homem, cabe voltarmos nossos olhos para o passado mais distante e observarmos, de forma mais atenta, séculos anteriores e, confrontarmos com nossa atualidade, para descobrirmos em qual Era se está vivendo.

Nos fins do século V, o império romano, débil, exangue e impotente, estava aberto à invasão germânica. O domínio mundial romano havia passado, através de séculos, sobre toda a bacia do Mediterrâneo. Em todas as partes, onde não houve a resistência do idioma grego, as línguas nacionais foram cedendo lugar a um latim corrompido; desapareceriam as diferenças de nações, já não havia gauleses, iberos, lígures, nóricos – todos se tinham convertido em romanos.[4]

Para entendermos melhor o que ocorreu cabe analisarmos um pouco como se desenvolveu a administração romana sobre seus povos dominados. Tanto a administração quanto o direito romano tinham dissolvido em toda à parte a independência local ou nacional. A cintilante cidadania romana, a todos, concedida, não oferecia compensação: não só não expressava qualquer nacionalidade como expressava até a falta de nacionalidade. A enorme massa humana daquele vastíssimo território tinha como único vínculo de coalizão o Estado romano; e, com o tempo, este se havia tornado seu pior inimigo e seu mais cruel opressor. As provinciais tinham arruinado Roma; a própria Roma se tinha transformado em cidade de província como as outras, privilegiada mas não mais soberana – já não era o centro do império universal, nem sede dos imperadores e governadores, que residiam, agora, em Constantinopla, Treves e Milão. O Estado romano se tinha tornado uma máquina imensa e complicada, destinada exclusivamente à exploração dos súditos; impostos, prestações pessoais ao Estado e gravames de todas as espécies mergulhavam massa do povo numa pobreza cada vez mais aguda. As extorsões dos governadores, dos fiscais e dos soldados reforçavam a opressão, tornando-a insuportável. Essa era a situação a que o Estado romano havia levado o mundo. No interior, um direito baseado na manutenção da ordem; no exterior, baseado na proteção contra os bárbaros – mas a ordem deles era pior que desordem, e os bárbaros, contra os quais os cidadãos estavam sendo protegidos, eram esperados como salvadores.

Não menos desesperadoras eram as condições sociais, nos últimos tempos da república, o domínio romano já estava reduzido a uma exploração sem escrúpulos das provinciais conquistadas; o império, longe de suprimi-la, formalizou-a em lei. Quanto mais o império ia decaindo, mais subiam os impostos e taxas e maior era a desfaçatez com que os funcionários saqueavam e extorquiam. O comércio e a indústria nunca foram ocupações dos romanos, dominadores de povos. Foi na usura que excederam a todos os que antecederam, como aos que vieram depois. O comércio pôde conservar-se por algum tempo acabou perecendo pela extorsão oficial. Se alguma coisa ficou de pé foi na parte grega, oriental do império. O empobrecimento era geral; declínio do comércio, decadência dos ofícios manuais e da arte, diminuição da população; decadência das cidades, retrocesso da agricultura a um estágio mais atrasado – este foi o resultado final do domínio romano no mundo.

Retornando ao nosso mundo atual, no século XXI, cuja vastidão de informações adentram nosso dia-a-dia, coloquemos a modernidade à parte, tecnologias e inovações de lado, e o que se obtém é uma administração da máquina pública, nos três níveis de poder, repetindo os mesmos erros cometidos pela dominação romana. De nada adiantou passarem-se séculos e mais séculos, o mesmo descaso, a mesma exploração e a mesma ruína ainda permeia nossa sociedade.

Escândalos de corrupções, de grandezas cada vez maiores, envolvendo cada vez mais órgãos e entes públicos são estampadas em capas de jornais, programas televisivos e revistas a toda semana, adquirindo, até mesmo, como sátira ao povo, uma rotina, um padrão de informação.

São tantas CPIs e Operações da Polícia Federal, de nomes sugestivos e propícios, que a sociedade não consegue mais absorver tamanha informação e manter-se atualizado quanto ao desfecho de cada uma delas. Assim, passado o escândalo, mais um novo se aproxima. E, através dessa artimanha, políticos corruptos que não tiveram suas candidaturas cassadas, elegem-se novamente apoiando-se na amnésia eleitoral.

Nada mais atual do que conversar e palpitar sobre os documentos apresentados pelo Senador Renan Calheiros, as contra-provas apreendidas e o possível desfecho da situação.

Corrupção de lado, mas não longe do contexto, falemos das cargas de impostos que são arrecadados e não atingem seu fim específico. A falta de comprometimento, de administração, de gestão pública pela qual estamos passando.

Não se pode definir se vivemos na Era da tecnologia e da informática, quando o homem é capaz de dominar o mundo e conhecer cada vez mais de perto a ciência, quando possui conhecimento suficiente para passar por cima das amarras do passado, quando se conecta com o mundo em segundos e está diante do universo da internet, ou se (re)vivemos a Era da dominação romana, na qual a pobreza amedrontava a população, impostos absurdos eram cobrados da sociedade, a aniquilação dos povos, das tribos e de suas culturas passaram a descaracterizar a identidade das gentes e a mesquinharia colocou por terra um império.

Historiadores e pensadores afirmam que a História se repete com o passar dos tempos, mas será mesmo que precisamos (re)viver os tempos do Império Romano e a decadência de sua República? Possuímos em nossas mãos o controle de quem colocamos para nos representar, seja na esfera executiva ou legislativa. Temos que ter consciência e responsabilidade para com nossos atos e, principalmente, cobrar àqueles que estão a representar o povo. Não podemos mais admitir que o dinheiro público seja desviado de seus fins, que esquemas de corrupções se alarguem, que a falta de controle e de capacidade transforme nossas vidas em "Caos", aéreo ou não.

Somos responsáveis pelo nosso futuro. Tomemos isso como compromisso para (re)inventar a História.




Autor: Laura Affonso Costa Levy


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