Turismo, Patrimônio e Desenvolvimento em Cabo Verde



Sandra Rodrigues[i]

Shênia Oliveira[ii]

RESUMO

O presente artigo aborda a relação entre o patrimônio cultural de Cabo Verde, e sua oferta no panorama turístico para o desenvolvimento deste país. Buscou-seanalisar de forma interdisciplinar como promover um turismo de qualidade, através da cultura como produto, destacando-acomo patrimônio que deve ser reconhecido, valorizado e respeitado.

Palavras-chave: turismo cultural, patrimônio cultural.

Introdução

O diálogo entre as culturas torna-se instrumento indispensável para assegurar a manutenção da paz e da coesão no mundo. Sua eficácia se faz pelo estabelecimento de uma cultura de respeito à diversidade entre os indivíduos povos e nações, cujas condições se estabelecem na reciprocidade e reconhecimento da lógica do outro, com suas diferenças nos campos econômico, político e ideológico.

Neste contexto, cabe ressaltar o papel positivo da cultura em uma nação e como sua difusão, através dos intercâmbios culturais, a salientar o turismo, são importantes para seu desenvolvimento, tratando particularmente de Cabo Verde.

Sendo Cabo Verde um destino cultural, cabe ressaltar que a cultura caboverdiana pode transformar-se num dos pilares do desenvolvimento econômico do país. Também já há a consciência de que a cultura como produto de mercado tem merecido pouca atenção.

Este trabalho foi desenvolvido no sentido de propor o reconhecimento e a preservação dos traços culturais de Cabo Verde e o investimento no turismo cultural, como forma de oferecer um produto cultural de qualidade, sem que a consequência seja um turismo massivo degradante para a identidade da cultura caboverdiana.

O conteúdo cultural caboverdiano através das suas especificações pode contribuir no desenvolvimento econômico e social do país, sobretudo através da valorização do Patrimônio cultural e da aposta no Turismo cultural.

1-Turismo Cultural em Cabo Verde

O turismo em Cabo Verde tem crescido, porém sem gerar desenvolvimento relevante e compatível ao potencial que possui neste âmbito. Limita-se a explorar o turismo de sol e praia o que tem demonstrado a sua insustentabilidade, principalmente no que concerne à geração de renda e participação comunitária, inclusão social e divulgação da cultura nacional. Necessita-se para Cabo Verde um turismo alternativo, que envolva mais a população e permita também a melhor repartição do rendimento.

A distinção e a respeitabilidade da zona de destino turístico estão cada vez mais condicionadas pela valorização turística de recursos patrimoniais. Geralmente a iniciativa privada utiliza como "produto" recursos patrimoniais que foram ativados pelas instituições públicas.

É inegável o relacionamento que se instalou entre patrimônio e turismo. No entanto, se Cabo Verde pretende investir no turismo cultural, necessita estabelecer uma boa relação entre ambos no sentido de ter uma rentabilização econômica e desenvolvimento social sem que se faça o uso massivo e descontrolado dos monumentos e sítios.

Dentro das várias vertentes da cultura, o presente trabalho focará as especificações do conteúdo cultural cabo-verdiano como contribuinte no desenvolvimento econômico e social do país, sobretudo através da valorização do Patrimônio cultural e da aposta no Turismo cultural.

1.2-O Conteúdo cultural de Cabo Verde como atração turística

Os turistas que procuram o cultural estão interessados em entrar em contacto com o "novo". Logo podemos apontar algumas atividades culturais que em Cabo Verde constituem elementos de atração turística como a dança, arte e música, as festas culturais, o folclore, a culinária, o idioma, artesanato, gastronomia, história da região, (incluindo monumentos, edifícios e patrimônios cultural e natural), tipos de atividade que os habitantes desenvolvem, a tecnologia que utilizam, religião e suas manifestações habituais, atividades de lazer, etc.

A Gastronomia, sendo uma das manifestações culturais mais expressivas é um grande pólo de atração de fluxos turísticos e constitui um dos eixos do turismo cultural, além de viabilizar e universalizar a troca humana e o convívio entre culturas, costumes e hábitos distintos.

Muitas vezes percebe-se que o turismo cultural gera apenas atividades de simples contato com a cultura do "outro". É certo que a visita a uma localidade produz um contato cultural, entretanto este se dá geralmente de forma superficial e despreparada. Fundamental para a existência do Turismo Cultural, não é a visita às instituições que promovem diretamente a cultura (museus, teatros, etc;) mas o interesse em observar, conhecer, pesquisar, analisar de acordo com suas expectativas e interesse e também vivenciar o local visitado.

O conteúdo cultural de Cabo Verde está baseado em vários tipos de atrações, é vasto e diversificado. Com este artigo não se pretende aprofundar informações sobre a cultura caboverdiana, mas demonstrar que esta pode ser fonte de desenvolvimento para o país, vejamos uma reduzida ilustração desse conteúdo:

1)Patrimônio cultural "turismo patrimonial":

- O maior atrativo para os turistas culturais.

- Representa uma cultura através duma série de elementos, imagens, objetos e símbolos.

- Mostra a identidade cultural de um grupo humano.

·Sítios históricos e naturais (ex.: Em Santiago, Ribeira Grande de Santiago (a Cidade Velha), a primeira cidade europeia nos trópicos, com uma riqueza histórica e cultural, é candidata a Patrimônio da Humanidade.

Em Santo Antão podemos evidenciar como patrimônio natural e cultural o Planalto Leste que é uma zona florestal por excelência, candidata a patrimônio mundial pela UNESCO, para além de alguns pontos de interesse como o Farol de Boi (Farol Fontes Pereira de Melo), localizado em Pontinha de Janela, um dos maiores e mais antigos do arquipélago, inaugurado em 1886).

·Centros históricos (ex.: Cidade de São Filipe na Ilha do Fogo e Ribeira Grande de Santiago).

·Sítios arqueológicos (ex.: Cidade de Ribeira Grande de Santiago).

·Monumentos (Igreja de Nª Sr.ª da Graça, no Plateau, Cidade da Praia; Fortaleza Real de São Filipe na cidade de Ribeira Grande de Santiago, etc.).

·Museus (Ex.:Museu Etnográfico da Praia).

2)Lugares de recordação e memórias (Nora: 1984):

Atraem visitantes pelo seu atrativo histórico, artístico ou literário.

·Lugares de acontecimentos como: batalhas, revoluções, etc. (Ex.: Ribeirão Manuel, palco da "Revolta de Ribeirão Manuel".

·Lugares que recordam a vida de artistas ou intelectuais (ex.: Ilha de São Nicolau).

3)Eventos culturais:

Servem para alargar as estadias dos turistas. Envolvem: dança, teatro, música, etc.

Algumas festas e manifestações populares:

- Festa de Santa Cruz na Ilha de Maio;

- Festa das bandeiras no Fogo;

- Festa de São João Batista na Ilha de Brava;

- Carnaval em São Vicente e São Nicolau;

- Kolá Sanjon em São Nicolau;

Alguns festivais:

- Festival de Santa Maria no Sal; Carnaval de São Vicente e São Nicolau;

- Mindelart em São Vicente.

- Festival da Baía das Gatas em São Vicente,

- Festival da Gambôa em Santiago;

- Festival de Santa Maria no Sal:

- Festival de Batuko e Funaná em Santiago;

4)Atividades de criação e aprendizagem cultural:

Servem para conhecer desde dentro a gente e a realidade dos países visitados.

- Ateliers de artesanato.

- Cursos de idiomas.

- Acampamentos de trabalho.

-etc.

5)Tradições orais

Folclore, cantigas divinas, mitos, lendas, contos, provérbios, etc;

6)Habitação

Estilo, técnicas e materiais e formas de construção das habitações dos caboverdianos,

7)Gastronomia

Pratos típicos de cabo verde e presença marcante de alguns elementos como o peixe e o milho.

8)Utensílios domésticos

Instrumentos de cozinha, recipientes utilizados para transporte e armazenamento de água, panelas, objetos para lavagem da roupa, etc.

9)Artesanato

Cestaria, esteiraria, Cordoaria, tecelagem, etc.;

10)Cerâmica

Olaria, artesanato em cerâmica, etc;

2-Turismo cultural e desenvolvimento

O turismo cultural engloba todos os aspectos das viagens pelos quais o turista viaja com o interesse de conhecer e vivenciar a cultura da comunidade receptora. Logo, o turismo apresenta-se como uma atividade importante na promoção de relações culturais e a cooperação internacional.

Uma das características importantes do turismo cultural é que permite a valorização do patrimônio, do revigoramento das tradições e ainda a redescoberta de bens culturais materiais e imateriais. Assim cada comunidade local possui um papel importante na preservação dos seus bens e na garantia da sua identidade cultural.

A partir desse conceito, são gerados mecanismos de grande expressão para o desenvolvimento das manifestações culturais, como os grandes festivais que envolvem arte, teatro, dança, circo, música, gastronomia e cultura popular.

O Turismo cultural em Cabo Verde aparece como alternativo ao turismo de sol e praia. Se constitui em uma das atividades que mais tem fomentado o contato intercultural entre pessoas, povos e grupos. Neste último sentido, o antropólogo Appadurai[1] fala do turismo como um "ethnoscape", isto é, como uma paisagem caracterizada pelo fluxo de bens, informação, serviços e turistas, através das fronteiras e num contexto de globalização.

O turismo cultural é motivado pela busca de informações, de novos conhecimentos, de interação com outras pessoas, comunidades e lugares, da curiosidade cultural, dos costumes, da tradição e da identidade cultural. Esta atividade turística tem como fundamento o elo entre o passado e o presente, o contato e a convivência com o legado cultural, com tradições que foram influenciadas pela dinâmica do tempo, mas que permaneceram; com as formas expressivas reveladoras do ser e fazer de cada comunidade.

Deste modo, a atividade turística em Cabo Verde passa pela necessidade de rever a questão do aproveitamento da cultura local e regional, de reforçar e estimular a participação activa da comunidade neste contexto.

Os locais onde o turismo acontece, por sua vez, criam possibilidades para a revitalização da identidade cultural, da preservação dos bens culturais e das mais ricas tradições. Em suma, as atividades turísticas geram mecanismos de sustentabilidade e espaços propícios às expressões culturais.

Considerações Finais

Cabo Verde necessita de um esforço maior em todos os níveis e setores sociais no sentido de se atentar para o bem patrimonial que possui e que pode-lhe gerar renda.

Além disso a atribuição de valor e identificação do patrimônio cabo-verdiano trará benefícios que transcendem o econômico, como resgate da história, dos valores e auto-estima, elementos necessários, e desde já indispensáveis para o fortalecimento do país.

A partir do momento que a atividade turística considerar os anseios dos moradores locais a cultura poderá ser mais respeitada, valorizada, e, assim, com possibilidades de ser preservada e assumir sua função de construir identidade, sentimento de pertença e sentido aos indivíduos que a compõem. Com esta base identitária bem fundamentada, os impactos negativos da atividade turística serão minimizados, e a cultura local valorizada.

Finalmente, deve-se apreender o turismo como um grande intercâmbio de pessoas, destacando-se a necessidade de serem planejados os níveis de satisfação humana, e não apenas as necessidades econômicas, já que uma cultura é o bem que dá sentido a determinado grupo de pessoas, e não simplesmente uma simples mercadoria comercial. À população local pertence a herança cultural que, portanto, merece proteção. O turismo pode auxiliar o desenvolvimento de determinado local, e apresentar todos os benefícios que foram acima citados. Para que isso ocorra de uma maneira mais sustentável e com qualidade de vida para a população local, a dinâmica social e as relações estabelecidas com determinada prática cultural não devem ter sua dinâmica atrelada à atividade, para que assim não percam sua essência e possam ser preservadas pelos próprios moradores.


BIBLIOGRAFIA

APPADURAI, A. "Disjunctive and difference in the global cultural economy", em Featherstone, M. (ed.): Global Culture: Nationalism, Globalization and Modernity. London: Sage, 1990 pp. 295-310.

GARRIGÒS; Rosa Campillo.La Gestión y el Gestor del Patrimonio Cutural, Murcia: EdKR, 1998.

JAFARI, J. "Modelos de turismo: Los aspectos socioculturales", em Antropologies n.º 2, 1989 pp. 31-38.

 

KUPER, A. Cultura. La visión de los antropólogos. Barcelona: Paidós. 2001.

LOPES FILHO, João. Introdução à Cultura Cabo-verdiana. Praia: Ed. Instituto Superior de Educação República de Cabo Verde, 2003.

LOPES FILHO, João. Cabo Verde - Subsídios para um levantamento cultural. Lisboa: Ed. Plátano, 1981.

LOPES FILHO, João. Defesa do património Sócio- Cultural de Cabo Verde. Lisboa.: Ed. Plátano,1985.

RODRÍGUEZ BECERRA, S."Patrimonio cultural, patrimonio antropológico y museos de antropología", em Boletín del Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico n.º 21, 1997, pp. 42-52.

SANTANA, A. Antropologia y turismo. Barcelona: Ariel, 1997.

__________. "Patrimonio cultural y turismo: reflexiones y dudas de un anfitrión", em Revista Ciencia y Mar n.º 6, 1998 pp. 37-41.





Autor: Sandra/Shênia Rodrigues/Oliveira


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