O Morador Do Apartamento 55



Cada vez mais tenho certeza que minha vizinha me ama.Se ela não me amasse, já teria ao menos uma vez me desejado bom-dia ou acenado com a cabeça nesses dois anos em que tomamos o mesmo elevador.Essa indiferença dela só pode ser alguma espécie de amor reprimido.

Quase todos os outros moradores do prédio me cumprimentam, só ela não.Mas o fato mais estranho de tudo isso é que ela é a moradora do prédio que mais vezes encontro no elevador.Acho até que ela fica me espionando por debaixo da porta, esperando eu sair de casa, tal é a quantidade de vezes em que descemos juntos.Algumas vezes demoro um pouco mais do que o normal para abrir a porta antes de sair, de propósito, com medo de surpreendê-la.

Qualquer dia desses vou dizer a ela que a amo, só para confirmar minhas suspeitas sobre o amor secreto dela por mim.Deve ser uma declaração de amor que ela esteja esperando.A julgar pelas roupas curtas que ela usa, não parece ser tímida; deve ser mesmo uma romântica esperando uma declaração de amor no elevador.Muito provavelmente deve ter tido algum sonho com isso ou leu em algum livro.

Agora que estou aqui a pensar na minha vizinha, desconfio que estou começando a gostar dela assim como ela gosta de mim.Talvez seja pela maneira dedicada com que ela me espiona, ou talvez pela maneira carinhosa com que me ignora.Ou talvez seja isso que chamam de alma gêmea, destino, cupido.Na verdade não sei o que é, mas se ela realmente gostar de mim, espero que concorde em mudar comigo de prédio.

Pode ser que esses dois não estejam mancomunados contra ela, mas não posso mais suportar o porteiro e o síndico.Não sei qual deles é o pior.O primeiro insiste nesse truque de piscar o olho esquerdo fingindo um tique nervoso toda vez que vou sair do prédio.A piscada em si não é o problema, mas ele faz isso só para me dar azar, para me confundir, me induzir ao erro de pisar na rua com o pé esquerdo.Ele já deve ter percebido o que sou um pouco supersticioso e que sempre saio do prédio com o pé direito a frente.Mas estou sempre atento.E se um dia não estiver, será sua piscadela que irá me alertar e me fará corrigir o passo antes de deixar o edifício, salvando-me de uma tragédia.

No dia em que voltei mais cedo do trabalho, flagrei o porteiro piscando para o síndico.Vi tudo um pouco de longe, mas posso garantir que foi uma piscada perfeita, sem o tique-nervoso ensaiado.Essa piscada sem tique deve ser algum sinal entre eles.Posso jurar que conversavam alguma coisa sobre mim e não contavam com meu regresso prematuro.

Creio que pior dos dois é mesmo o síndico, porque o porteiro age a mando dele.Não sei ainda qual o interesse deles em me atormentar, mas o fato é que eles sabem coisas importantes sobre mim.No dia em que a música Lady in Red não me saía da cabeça, no que olhei pela janela do meu apartamento, vi uma mulher trajando um vestido vermelho.Só pode ser sido obra desses dois, que já estão a par até dos meus gostos musicais.Isso já está virando um caso de polícia.

Há algum tempo atrás, durante dias seguidos recebi ligações de alguém que chamava mas não falava nada, ficava quieto do outro lado da linha até eu desligar.Se ao menos fosse um trote convencional, mas não, eram ligações mudas e era o silêncio que me incomodava.Resolvi então comprar um identificador de chamadas para dar fim a esse tormento.Depois de instalado o aparelho, nunca mais recebi tais ligações, nem sequer uma vez para saber quem estava me telefonando.Em um primeiro momento fiquei frustrado, achando que tinha gasto meu dinheiro em vão comprando o identificador, mas depois vi que tudo estava muito claro: o porteiro ou o síndico (ou os dois juntos) haviam me seguido até a loja e me viram comprando o aparelho, então obviamente pararam de fazer as ligações para não serem reconhecidos.E afinal, quem mais exceto eles teria interesse em me infernizar? O que me deixa mais irritado é que esses dois já estão me fazendo ter prejuízos financeiros!

Tenho uma terrível aversão por pombos, não posso suportar esses asquerosos animais.Há quem os chame de ratos com asas, o que acho uma tremenda injustiça para com os ratos.Para ratos você facilmente acha toda a sorte de venenos, para pombos você talvez até ache algum, mas não com a mesma facilidade como para seus amigos roedores.Um rato você mata facilmente à vassouradas, mas você nunca conseguirá acertar com um chute um pombo agrupado em roda numa praça.Mas ainda assim você tenta, só de raiva, de tão repugnante que eles são.E foi esse meu costume, de tentar chutar pombos, que de alguma maneira o porteiro e o síndico descobriram.Desconfio até que eles tem um detetive me vigiando.Em toda praça onde existem pombos, tento fazer de um deles uma bola de futebol parada na marca do penalty.É um hábito que vem dos tempos de criança.Chego desviar do meu caminho para cruzar a praça perto do edifício onde moro, só para tentar acertar algum deles.Outro costume que tenho, muito mais edificante é o de ler jornais. Faço uma leitura completa, crítica dos diários.Recorto e catologo as principais notícias, envio cartas para as redações manifestando minhas indignações.Tenho até um mural feito de isopor onde prendo as charges mais divertidas e inteligentes.E foi durante uma dessas leituras que entraram pela janela do meu apartamento alguns pombos, e um deles furou o jornal que estava lendo.Passado o susto, veio a raiva pela interrupção abrupta e pela página de jornal arruinada com a chegada das visitas indesejadas.Para fazer os animais sairem do apartamento foi uma luta.No dia seguinte, no mesmo horário, da mesma maneira, enquanto lia a edição seguinte do mesmo jornal, mais pombos surgiram no meu apartamento.Dessa vez ao menos tiveram a educação de poupar o meu jornal.No que estou terminando de  expulsar as malditas aves, olho para fora e vejo saindo do apartamento de baixo um pombo.A princípio pensei que era algum outro morador fazendo o mesmo que eu, enxotando pombos de seu apartamento, provavelmente vindos da praça próxima ao préd  .Foi aí que me ocorreu que era muita coincidência estar entrando dois dias seguidos, no mesmo horário, os tais pombos no meu apartamento.Sem contar que eu tenho o costume de chutar, ou melhor, tentar chutar pombos, o que aumenta as coincidências.Através de todo o trabalho de espionagem que fazem, o síndico e o porteiro já devem estar cientes dessa minha mania com pombos, e estão soltando as aves do andar de baixo (que com toda certeza está vago) para subir voando para o meu.Só pode ser isso mesmo.Estão usando até pombos para me atazanar!

Sempre achei interessante a idéia de ter um inimigo, principalmente para poder chamá-lo pelo pomposo título de arqui-inimigo.Os heróis de desenhos animados e histórias em quadrinhos sempre tiveram os seus arqui-inimigos.E para que as histórias continuassem, eles nunca eram derrotados definitivamente.Tal como na ficção, meus arqui-inimigos não serão derrotados, mas por incompetência minha e não para que alguma história tenha continuidade.O único derrotado será eu, que mais hora menos hora não aguentarei tanta pressão e mudarei de prédio.Só gostaria de entender o porquê de tanta perseguição.

A hipótese mais sensata para esse conluio entre os dois é que o síndico já percebeu a paixão secreta da minha vizinha por mim, enquanto ele mesmo nutre sentimentos por ela; agora quer de qualquer maneira me afugentar do prédio com uma perseguição implacável.Ou quer que eu me mude para liberar meu apartamento para algum outro inquilino.Mas isso seria pouco provável, é uma explicação simples demais para toda essa conspiração que armaram contra mim.E pensando melhor, agora que a palavra conspiração surgiu na minha mente, tudo me leva a crer que minha vizinha age em conjunto com eles.E já deve ter feito isso com outros que habitaram o mesmo apartamento que eu, somente para rir às custas do desespero alheio.E eu achando que ela me amava! Preciso me mudar desse prédio cheio de malucos...

Autor: Carlos Pisani


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