Safo E Icaro Um Conto Mítico Urbano



"Quanto à min, meu peito é rompido de abraçar as núvens."
(Baudelaire, As flores do mal. VII, XX)

Pobre homem nunca sentira ou soubera o que é aquele amor erótico que tantos falam por ai nas esquinas, bares e ruas. A esse infeliz chamam de Icaro, vejam agora dobra a esquina da rua do Ouvidor e a Rio Branco e vai depositar no corpo de qualquer prostituta seu instinto sexual. Nu, tendo o corpo da outra apenas como uma promessa de gozo, nosso homem se desfaz do traje que agora se ver jogado; numa cama de puteiro a calça jeans, num chão de luz vermelha a camisa social.Os sapatos estão nos pés que pouco se preocupam se estão descalços ou não.

O que faz um homem ir satisfazer-se no corpo de uma mulher que cobra por isso?Creio que nem Simmel¹ soube responder.Para isso será preciso um artigo, que se fosse escrito aqui não seria permitido-nos ver nosso Icaro, agora, entrando no 175; suado, confuso e satisfeito senta-se num banco de dois lugares só.Para evitar conversa indesejada?Fone no ouvido.Nesse kit típico do cidadão urbano em nossa contemporaneidade encontra-se a salvação do egoísmo.Nosso icaro vai ouvindo a 98,9 MHz pelas ruas do Rio num percurso que vai da rua Buenos Aires até o mercado popular da Rocinha.A paisagem cinza de um janeiro com pouco sol e chuva paulista, leva o olhar e a cabeça de icaro por duas ilhas ideais: uma desemboca no raso da vida a outra no abismo trágico que é se saber querendo.

A primeira falava aos ouvidos e ao estomago que roncava desde a quinta-feira passada, sendo hoje uma terça, e pedia para ser saciado.

A segunda era tão proba como a historia de um homem que tivera a idéia de voar até o Sol com um par de asas de cera. Esse pobre homem tivera o que tal idéia merecia.Morreu, pois as asas de cera derreteram com o calor do Sol.Icaro lera essa historia em um livro que seu pouco dinheiro, ganho com o trabalho de caixa de supermercado, permitia-o comprar.Essa ilha era uma mulher, Safo tão bela e ousada como a que escrevera os míticos versos em uma Grécia tão antiga quanto humana.

II

"Onde haverá um Deus para condenar-te a face?.
(Baudelaire, As flores do mal, VI, III).

Sed liberta nos malo.Após o padre recitar esses últimos versos em latim do pai nosso Safo abria os olhos e suada do calor abafado e úmido do seu quarto acordava.Aquele pesadelo vinha perseguindo Safo como um cão de caça persegue a presa do caçador com raiva servil.Safo levantava  o corpo moreno e bebia uns muito goles dágua  que faziam do deserto de sua garganta um lugar menos inóspito .Diante da janela de uma casa, posta na parte baixa da Rocinha, seus olhos castanhos vislumbravam o medo e os olhares que a visitavam naquela tarde.Ne nos inducas in tentationem.Falava o padre, com voz de ódio, nos pesadelos de Safo; ela punha água nas palmas da mão e molhava a nuca e os cabelos cacheados, as pequenas, mas ousadas, godas dágua iam deslizando pelo corpo moreno de Safo e acabavam por se esconderem num canto de sossego qualquer do corpo dela, para depois evaporarem no calor do corpo de Safo.

A explicação que Safo arquitetara para os seus pesadelos era explicada pela sua infância mergulhada no místico catolicismo de seus pais que sofrera um corte trágico na adolescência, quando seus pais a flagraram extasiada sobre sua cama junto a sua prima mais nova, que com a parte de abaixo da cintura nua, acarihava os cachos de Safo.Os pais viram em tal ato de carinho das jovens mulheres um inicio de lesbianismo.Uma doença moral foi o diagnostico do padre.Distúrbio de hormônios foi o que diagnosticaram os doutos médicos.Os velhos como todos os bons membros de um rebanho trataram de segui a risca a prescrição dada pelo padre e pela ciência.Muitos pais nossos, aves marias, glorias ao pai e angele dei, seguidos de quarto anos de internado para Safo em uma escola dirigida com pombas dignas de reis que querem manter suas coroas e cabeças no lugar.Rezas, aulas de latim e teologia dogmática foram o que calaram os desejos de Safo durante este Período.

Ao fazer dezoito anos Safo declarou-se livre e após fazer uma leitura entusiasmada de Emile e Sophie, saira da casa dos pais batendo a porta e citando Rosseau² com voz apaixonada mas que ser sensível pode viver sempre sem paixões?".E assim Safo buscara com todo empenho que há numa vida com menos de 30 anos segui o que Rosseau dizera e então Safo apaixonara-se por Parmela que desfrutara toda a intensidade do que Safo fora obrigada a guardar, mas não matar no caixão que a enterraram nos últimos anos.

Toda essa explicação para os pesadelos que ela vinha tendo abrangia cerca de dez anos.Foram atitudes tidas não por arrependidas, mas por coisa passada, que o agora quebra como se toda certeza do passado tivesse penas de barro.

A criação religiosa de safo junto a seu grito de liberdade Roussseriana aos dezoito anos agora se misturava, se punham a digladiarem em uma nefanda dialética que começara com a confissão de Pamela.Pamela você quer ser mãe?Podemos adotar!Não?Natural...Dor do parto?Mas pamela...E Safo viu pamela bate a porta como ela fizera na casa dos pais.Só que agora não havia nenhuma mensagem bonita e ingênua de esperança.O lugar de Pamela na cama não ficara vazio,nadificante!no nada Safo encontrara o vazio sem pamela que Icaro caia como pipa que foi cortada por criança pipeira.

Tudo cabava dela, a luz, o Sol que morria, a gata que miava de fome...Tudo porque as pressões ou qualquer coisa que chamam de extinto marteno não só tocara Pamela, mas também Safo: e isso que doía na janela.Os olhos castanhos de Safo se perdiam no meio destes pensamentos e da paisagem do Bairro Barcelos visto do alto.Lá embaixo os homens, mulheres, cachorros e mototaxis vão trocando de lugar nessa peça que é a vida humana, lá embaixo á muito homens, mas um vestido de camisa social e calça jeans e sapato, fumando um cigarro amassado, chama a atenção dos olhos de Safo que em uma fração de tempo, que é bem intimo dela, dá ordem ao corpo moreno dela, que parte apresada até a Via Apia.

III

O tempo que é de meninos a brincarem de voar sonhos em pipas é o que durou o dialogo entre Safo e Icaro.Os dois postos, como se devem pôr jovens latinamente criados nesse mundo favela, a trocarem palavras na Via Apia rente á todos os olhares que passam naquele momento. O que conversam?Assassinemos nossas vãs curiosidades nos aproximemos desses dois que conversam enquanto a chuva faz do cigarro de Icaro cinzas e da malha usada por Safo objeto de sugestosos desejos de um homem:

- ...Cara to indo.A chuva vai engrossar...Daqui a pouco eu e você ficaremos resfriados.

- olha Safo dizia Icaro ao passo que a moça já se virava para ir tenho que te dizer algo...

- então diz o que foi dito não foi por meio de palavras, mas por meio do corpo de Icaro apertando e sugando o que havia para ser tirado de Safo, na mesma ingênua atividade que era a chuva caindo no chão quente.

O dialogo foi tão curto quanto a felicidade do menino que acabava de ser cortado por outro com uma pipa e um zerol melhor.O que restara do corpo de Safo era de Icaro, que gentilmente servia aos apetites femininos de uma mulher, a parte que lhe cabia dar.Poucos poetas ou prosadores conseguem transmitirem aquilo que é o encontro de duas vontades, não por falta de talento de Sade a Fante há boas tentativas que fracassaram pelo único meio da poesia ter para expressar tal coisa ser as palavras.Palavra é palavra.Todo prosa; todo verso não é todo toque, todo sexo, tanto mar e tanto querer não cabem num livro.

Se as coisas do mundo são testemunha de algo, então os postes, a pedra da gávea, as plantas e tudo que é; testemunhara o corpo moreno de Safo a repousar sobre o corpo de um moreno diferente de Icaro, após toda e qualquer volúpia ter sido fartamente saciada naquela cama.

IV

... De um infinito que amo e não conheci nunca....
(Baudelaire. As flores do mal I, XXII).

Tudo correra mediocremente bem naqueles dias chuvosos, onde Icaro vivia a sutil ilusão de que encontrara aquela coisa que tantos falavam; o amor. Nunca estivera tão anuviado por uma inversão humana que buscava, com a fragilidade de seus recursos humanos e materiais, alcançar.Já no Largo do Boiadeiro Icaro imaginava, com os lábios cheios do gosto de Safo, o encontro que teria com seu amor idealico. O que Safo estaria fazendo agora enquanto Icaro caminha para encontrá-la em seu quarto de aluguel?Ah quisera ele adivinhar no sorriso de mulher saciada de Safo a pequena alegria que ela vivia ao compartilha de um modelo de relação tão comum, tão imposto pelo labirinto que é a sociedade.Sim agora, talvez, a menina poderá ser feliz, como as moças dos contos de Drummond?O que estará fazendo Safo?Quisera não ter a resposta Icaro?Se pudesse adiar uma dor?Adiaria?Todo homem oferece a mulher o que tem e toda mulher oferece ao homem não só o que tem, mas também a oportunidade de sonhar e com icaro não foi diferente.

Quando os sapatos marrons de icaro se colocaram diante a porta e com um gesto de chave nas mãos do mesmo sapato todo o corpo podia explicar a cena a parti dos sentidos:

O tato congelara suas funções e ficara entregue ao estado mórbido de susto.

O paladar sentira o gosto amargo da traição.

A audição ouvia uma sincera sinfonia de risadas e gemidos femininos, um alvoroço de sons tão cegos como trovões em campo aberto.

A visão via o corpo de Safo derramar toda alegria sobre o corpo de Pamela, agora mãe e amante de Safo, saciada; os sorrisos das duas mulheres eram uma mescla de medo e deboche, desse que a natureza tão á ninfas e ninfetas.

Aquilo que o corpo de icaro nos, conta, sobre o exato momento que ele vira Safo desmanchar seu brinquedo idealico, nos sabemos, mas agora o que acontecia no poço que é todo homem e que icaro participava? Não saberemos nunca, pois o jovem tivera o impulso cego de se jogar do sétimo andar do prédio onde morava.Não disse palavra alguma.Sentou-se ma janela olhou para as duas mulheres que há minutos atrás gozavam em sua cama e deu um sorriso muito parecido com os das hienas, pois não denotava nada, apenas uma animalidade tão necessária como o sorriso de uma hiena.Pôs-se de cotovelos sobre o mármore da janela e como quem ensaia um salto de asa delta ou um passo de dança soltou...Coitado não agüentara descobrir que a vida que vemos diante dos olhos é tão falsa como homens de asa e que a única coisa sincera que compreendeu na vida não foi o amor idealico que nutria por Safo, mas o impulso que o fizera pular do sétimo andar e amar, aquilo que só existe no emaranhado que é o homem, o amor, aqui a cega e estúpida vontade pinta mais um quadro que as lagrimas que agora saem dos olhos castanhos de Safo dizem ser pranto.

Notas:

¹George Simmel Sociólogo e Filósofo contemporâneo neo-kantistas tem como um dos objetos de suas reflexões a prostituição.

² JJ.Rousseau Filósofo e Romancista Francês (1712 a 17780),autor da obra citada pela personagem Safo.

Rafael Vate Caetano
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Autor: Rafael Vate Caetano


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