O Corvo



Os dois entraram no bar, acomodaram-se numa mesa com vista pra rua pra ver as pessoas os carros e a vida passar, na cidade que se move como um grande corpo adoentado, castigado pela violência, judiado pela poluição, mas caminhando; sem destino. Paulo "chamou" uma cerveja que veio acompanhada de dois quebra gelo, e nas mãos finas de uma garçonete; destas que a gente mesmo não querendo nada, pede tudo; só para ter alguns minutinhos de fama ao lado de Uma Linda Mulher.

Depois da fama relâmpago, veio a conversa. Apesar da quentura dos drinques, o bate-papo foi em baixa temperatura, igual ou mais que a espumosa: glacial – Paulo, a única coisa que tenho a dizer sobre o episodio é o de sempre: quem vê cara não vê coração.

A cara citada era de um sujeito que se dizia amigo fiel. Companheiro de luta, independente do local, dia e hora da batalha. A fidelidade canina é uma droga quando o homem se torna menos prestável que um cachorro vira-lata.

O infame travestido de camarada era cátedra em mentir; o que fazia com naturalidade e descaramento, conseguindo, de tal modo, se aproximar das pessoas. Conquistada a confiança, usava e abusava da fé ingênua. José foi pendurado na galeria do cafajeste. – É velho! A vida dá umas rasteiras na gente que nem o capoeirista mais afinado com a arte das pernas consegue fazer igual. Confiava no velhaco, depositando nele uma amizade que, sinceramente, nem aos meus irmãos fui tão capaz. E o cara, além de me apunhalar pelas costas, ainda se acha o certo. Um sacro-santo. Santo aqui ó, no meu..., aquele biltre. – xingou levando a mão direita até a virilha.

Paulo, enquanto ouvia o chororó do amigo se indagava – E agora José? – No que partiu para a filosofia botecária.

– Cara, o negócio é você deixar isso pra lá, dar uma bica no problema e viver. Nada melhor que um dia atrás do outro. Bem mais que eu, tu sabes que o tempo é remédio pra tudo. Todo mundo está sujeito a encontrar um sujeito pérfido nesta vida mal e bendita. As experiências fortes são as que nos fazem mirar o bem para combater esse tipo de pessoa que só faz peso na terra.Pô! Até Cristo se ferrou todo por causa de uma existência miserável igual a desse excremento humano que te detonou. O sacripanta é amaldiçoado até hoje. É o rei dos traíras. E pode crer, o seu ex- litlle brother é um dos muitos discípulos dele" – comparou Paulo.

Rememorando a história, José, a trouxe para os tempos atuais e viu na pobre vivência do infeliz o clone de Iscariotes. Mestre e discípulo apresentam a barba que encobre parte da cara e do caráter desprezível, emoldurou, seguindo. Também o pupilo, anda escorregando como uma cobra por cantos obscuros, onde se tramam armadilhas, emboscadas e ações repletas de sordidez – Igual a que o sacana arrumou pra mim – pensou em voz alta – ao que Paulo de súbito indagou – Ta surtando véio?

O redemoinho ensurdeceu o amigo que tateava as idéias: Carrega o funesto corpo magro, faminto pelas sobras do banquete ruminado na confraria dos canalhas, a quem se submete não com a mesma servidão ofertada pelas prostitutas, que por força da profissão dão prazer aos seus requisitantes. Que figurazinha deplorável, ser vil! – E os insultos comiam a mente de José. Que se vendo às margens de desejar o mal ao pilantra, resolveu guiar os ouvidos a Paulo, abrindo uma trégua à mente.

– Paulo, você ta certo cara! Eu devo sentenciar esse pilantra à Pena de Vida. Porque é o tipo de pessoa que sofre quando vê a gente dando a volta por cima, numa boa. E é exatamente isso que eu vou fazer – falou José, e agora com uma luz estampada na face.

Paulo levantou o copo – É isso ai companheiro. Assim é que se fala. Fé em Deus e pé na estrada – No momento em que iam brindar a vida, no instante do encontro dos copos; viram o dito cujo atravessando a rua. Parecia cego nos pensamentos. A impressão era que remorsos vasculhavam-lhe a alma. O zumbi não percebeu a aproximação do carro em alta velocidade. O corpo lançado para o alto, ao fazer o caminho de volta se espatifou no asfalto. Os dois amigos olharam o que há tempos já estava morto, e prosseguiram o brinde – Saúde, paz, e vida longa – recomendou José, e a cerveja estupidamente gelada desceu goela abaixo.


Autor: Valmir Barros


Artigos Relacionados


Chaves Espirituais

Após Alguns Anos De Casados...

Pensamenteando...

Do Que Elas Gostam

Carta A Muriel Barbery

A Bioética Na Atual Legislação Brasileira

Eu Estou Assim...