Anorexia, Bulimia e Cultura



Segundo Duby tal qual organismos vivos, a sociedade humana é lugar de uma pulsão fundamental que a "incita a perpetuar sua existência, a se reproduzir no quadro de estruturas estáveis". A manutenção dessas estruturas seria instituída tanto pela natureza como pela cultura, o que significa dizer que as estruturas sociais fomentam um dado modo de funcionamento humano, que por sua vez retroalimenta essa estrutura social.

Para corroborar o pressuposto de que a cultura e o imaginário social têm papel importante na construção de algumas patologias, encontramos o relato de Monscarz, Palma e Re, que afirmam que saúde e enfermidade devem ser compreendidas como processos, construções sociais e de gênero e, neste sentido, observações sobre "a incidência da posição de subordinação no modo de organização da vida das mulheres, no modo como é construída sua subjetividade e na maneira pela qual adoecem" merecem relevância.

Outros apontam para o modo de construção da identidade feminina de um ponto de vista muito interessante. Gabina, por exemplo, pontua que "os livros de leitura estão cheios de imagens, frases, palavras, discursos que evocam o homem", e a forma de utilizar a linguagem poderia disseminar um sexismo que, pior, é permanentemente justificado por quem pensa que se trata de um detalhe, de um costume resultante de usar o masculino para referir-se em geral à espécie humana.

O modo de produção de uma linguagem que omite registrar a diferença de gênero, homologando menina com menino, assim como seus modos sociais de transmissão não são ingênuos nem casuais. Incrustados nos imaginários que nutrem as práticas sociais, mantêm a menina como bastião do patriarcado.

Assim durante o processo de socialização, primeiro em família e depois na escola, meninas e meninos interiorizariam uma série de práticas discriminatórias que servirão de base para sua posterior identificação pessoal.

Além da insidiosa confusão identificatória quais os efeitos causados em uma pessoa que é incluída em uma categoria que não a própria? Ter a percepção de si-mesma-no-mundo obnubilada? Ou quem sabe ter seus mais profundos sentimentos de auto-estima e valia sistematicamente obliterados? Talvez aprender que ser menino é mais importante que menina?

Seria possível que durante a construção de sua identidade, e por falta de modelos femininos valorizados em sociedade, a menina estabelecesse internamente que o corpo do homem – que não engravida, não dá à luz nem menstrua – fosse um corpo melhor?

Precisaremos de mais tempo para refletir sobre isso, o que já sabemos é que nos últimos anos a incidência de transtornos alimentares vem aumentando em número exponencial no Brasil e no mundo – seja, de maneira geral, pela pressão social que exige o corpo magro, jovem e retilíneo adequado ao sucesso e à mídia, seja por razões psicofisiológicas específicas a cada paciente em particular.

Na prática clínica percebemos a necessidade e urgência de um rigoroso trabalho multiprofissional, além da reciclagem cultural sobre o que significa ser mulher para que nossas jovens possam ter uma melhor qualidade de vida durante e após a vivência com a fome auto-induzida experimentada quando se sofre de transtornos alimentares.

Referências bibliográficas

Duby, Georges Idade Média, Idadedos homens. Do amor e outros ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

Moncarz, Esther; Palma, Zulema e Re, Maria I. Um outro olhar sobre a Saúde Mental, jornal da redesaúde, nº 15, maio de 1998, p. 10-11.

Léon, Gabina de A escola ensina, perspectiva, Isis Internacional, nº 9, 1998, p. 21.

Giberti, Eva Uma história de omissões, perspectiva, isis internacional, nº 9, 1998, p. 3-7.


Autor: Sueli Nascimento


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