A Influência Da Mídia Na Esteriotipação Dos Criminosos



A Influência da Mídia na Esteriotipação dos Criminosos

1 Introdução

O objetivo do estudo do caso O Bandido da Luz Vermelha é desmistificar a história contada pela mídia, que exercendo seu papel de controle social, encontrou uma solução mais adequada ao sistema penal, solução excludente e discriminatória do ser humano.

Os aspectos etiológicos do dito criminoso, com suas perturbações mentais visíveis foram desconsiderados, condenado a trinta anos de prisão, um inimputável cumpriu pena privativa de liberdade.

As características do bandido da Luz Vermelha foram insignificantes ante a vontade do sistema penal. Indivíduo este que necessitava de um acompanhamento e tratamento psicológico, para que um dia fosse reintegrado à sociedade e à família.

É um exemplo claro de uma sociedade que não está preocupada com a ressocialização do ser humano, que exclui o bandido, qualificando e tipificando segundo os ditames do sistema penal injusto e disfarçado. Caracterizando como crime, atos que  mantém o poder hegemônico da classe dominante, em defesa do status-quo.

2 História da vida:

João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, nasceu em 24 de junho de 1942 em Santa Catarina. Perdeu sua mãe quando tinha 4 anos e seu pai faleceu de tuberculose quando ele tinha 8 anos. Após a morte do pai ele viveu com alguns parentes, mas fugiu e passou a viver nas ruas do centro de sua cidade.

Sua vida transviada foi iniciada com pequenos furtos como forma de sobrevivência. Sua infância e adolescência foram em reformatórios e cadeias, até que em 1966 decidiu fazer a vida em São Paulo.

3 A força da mídia:

Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um longo e sutil processo que começa nos núcleos primários (família), passa pela escola, pela profissão e culmina com a obtenção de sua aptidão conformista, interiorizando no indivíduo as pautas de conduta transmitidas e aprendidas (processo de socialização). Quando as instâncias informais fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais que atuam de modo coercitivo.      ( MOLINA , p. 134 ).

Neste caso a mídia não fracassou. Nesta época (1966), por intermédio da mídia, a atenção da população estava voltada para os ladrões que furtavam enquanto a vítima dormia, deste modo não eram vistos e não causavam danos. Costa passou a praticar este delito, inicialmente arrombando grades e janelas com o uso de um macaco hidráulico, em um de seus assaltos ele usou uma lanterna com luz vermelha e se deparou com a vítima acordada e, após este episódio a imprensa lançou o Bandido da Luz Vermelha, construíram uma personalidade propensa à fama e a notoriedade, surgiu assim, o inimigo n° 1 do povo. O Bandido declarou em 1967 que foi a própria imprensa que o incentivou a continuar cometendo os delitos:

Chegando em Santos, um dia depois, vi no jornal Assalto à americana. Aí eles falaram, inventaram e fizeram a coisa bonita. Eu disse: eles gostaram, me deram idéia, vou repetir. Fiz uns par deles assim, eles mesmo que inventaram de fazer eu fazer (Laudo, 1967: XIV).

O raciocínio de Costa era de que ele estava roubando dos ricos para ajudar aos pobres, para ele sua atitude era correta, pelo menos em relação ao fato típico roubo. Kroeber descreve bem o pensamento do Bandido, sua noção de certo e errado vem das raízes inconscientes do sentimento social e, portanto, é irracional, compulsivo e forte.

Seguindo esta lógica a afirmação de E.W. Elkington eles julgam sinceramente que estão agindo corretamente. e a frase de Nowell-Smith muitos dos piores crimes da história foram cometidos por homens que tinham um forte senso de dever. Se encaixa muito bem nesta situação.

Por dois meses, João Acácio apareceu diariamente em manchetes de jornais, noticiários de rádio e de televisão. A mídia se aproveitou dos fatos e conseguiu ampliar as tiragens de jornais, revistas e aumentar o índice de audiências das rádios e televisões. A população estava aterrorizada e a instituição polícia e a justiça criminal estavam sendo cobradas a se organizar e agir em favor do povo.

Em seus crimes, Costa passou a ter envolvimento direto com as vítimas, estuprando, roubando e assassinando. Bem vestido, ele invade mansões paulistanas, usando uma luz vermelha ofuscante, um chapéu de feltro, um lenço amarrado à face e um macaco de carro. O Bandido durante alguns de seus crimes conversava socialmente com as vítimas, filosofava sobre a injustiça existente entre os ricos, que tinham demais e os pobres, que tinham de menos. Dominava as vítimas, seduzia as mulheres, não receava em matar se necessário, levava dinheiro e jóias.

A polícia de São Paulo pela primeira vez oferecia uma grande recompensa, pela prisão de João Acácio. Em 1967, o Bandido da Luz Vermelha foi preso no Paraná. O criminoso cometeu dois descuidos: suas impressões digitais, que deixou no local do crime e um amigo o delatou.  Ainda nesta época, Costa declarou que, vermelha é a sua cor preferida, é a cor do Diabo e que Deus não existia.

Estas declarações à época o comprometiam muito em vários aspectos, como: o vermelho era a cor adotada pelo Comunismo (que se expandia pelo mundo) e ao dizer que Deus não existia, fazia dele um ateu, o Sistema instaurado na época não admitia tais declarações nem tais atitudes consideradas subversivas.

Marcelo Coelho, jornalista, em sua coluna semanal, explicita que a sociedade vê aquilo que deseja nos meios-de-comunicação, rompendo qualquer fronteira entre o público e o privado, que transforma os mecanismos de monitoração da sociedade de controle em algo trivial e mesmo desejável. Estes meios realizam seus anseios de lucro com a elevação de índices de audiência, de patrocinadores, exercendo ao mesmo tempo, seu papel de dispositivo de controle social e de modelaçãodos novos sujeitos. A celebridade dá seu assentimento à invasão de privacidade, mercadorias negociáveis, cambiáveis nos lances da mídia.

4 O Sistema Penal:

Encarcerado e julgado por ter cometido 88 crimes entre estupros, roubos e assassinatos. Foi condenado a mais de 300 anos de prisão, contudo a nossa legislação não permite que uma pessoa fique presa por mais de 30 anos consecutivos (Código Penal, art. 75), coube a Costa o período máximo de reclusão previsto em lei. O Bandido da Luz Vermelha foi o primeiro brasileiro a cumprir uma pena máxima conforme o nosso Código Penal Brasileiro.

O nosso sistema prevê dois tipos de pena privativas de liberdade: se o réu é considerado mentalmente são, ele terá a pena imposta por prazo determinado, a cumprirá em um presídio e uma vez esta seja cumprida ensejará a soltura; se o réu é considerado mentalmente insano, ao Juiz caberá a liberação da sua internação em um hospital-prisão, por um prazo indeterminado, pois este perdurará enquanto durar a sua periculosidade, sendo feitos anualmente exames para verificar se o estado mental permanece o mesmo ou não.

Analisando as origens do bandido da luz vermelha : Há pessoas que, tendo vivido em ambientes deficitários, incorporam maus  valores, ou reagindo a um abandono, tornam-se adversas à estrutura social. Estas têm capacidade de aproveitar ( no sentido de incorporar) a experiência vivida e, se saem caracteres mal formados. São mal formados  porque não tiveram a oportunidade de ser bem formados.( MARANHÃO, p. 79 ).

João Acácio foi considerado no julgamento semi-imputável, quer dizer, ele estaria numa categoria intermediária que coloca o preso no cruzamento da loucura e da delinqüência, conforme os saberes médico-psiquiátricos e o sistema carcerário da justiça penal. Esta definição dada ao réu de semi-imputável, deixou uma lacuna, podendo o preso ser mandado tanto para a instituição prisão quanto para a instituição manicômio.

Tudo leva a crer que diante de uma nova oportunidade qualquer deve-se esperar antes nova reincidência antes que recuperação. Isto não significa uma impossibilidade, mas somente raríssimas probabilidades ( processo 1025/67, livro4,1967:119).

 No dia 24 de agosto de 1967 deu-se início ao cumprimento da pena de Costa que a cumpriu entre penitenciárias e manicômios.

Para o ilustre professor Odon Maranhão, a ação para ser considerada criminosa, tem que ser uma ação típica, antijurídica e culpável. Dois elementos objetivos, tipicidade e antijuridicidade, aliados a outro de natureza subjetiva: a culpabilidade. Este, contudo pressupõe seja o autor inimputável, pois não poderá ser objeto de reprovação quem não tenha capacidade para tanto. Assim, diante de uma inimputabilidade não se cogitará de punição do agente, mas de tratamento de uma situação anormal.

Findado os 30 anos de reclusão, o Estado tentou mantê-lo no cárcere mediante uma Medida de Segurança, evidenciando-o como louco, um indivíduo que ainda representa-se perigo para a sociedade, solicitando o seu confinamento até que os médicos emitissem um laudo informando que o réu estaria curado, podendo ser solto. Esta tentativa só fez retardar em quatro dias a soltura de João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, que foi solto em 27 de agosto de 1997.

O reeducando (Costa) foi exaustivamente observado e avaliado pelos médicos desta casa. Entendemos que os episódios psicóticos que se manifestaram em sua visa foram de natureza benigna ... nas condições em que se encontra no momento do exame, é absolutamente capaz de retornar ao convívio social, disseram os médicos. Eles afirmaram ao desembargador Costa nas condições em que se encontra no momento do exame, é absolutamente capaz de retornar ao convívio social. Por causa desses fatos novos, o desembargador fez um novo despacho no mandado de segurança. Ante a clareza das conclusões, não se justifica a permanência do sentenciado na Casa de Custódia de Taubaté, diz o despacho. O desembargador afirmou ainda que causou estranheza a rapidez com que foi elaborado o parecer psiquiátrico. Normalmente, são necessários vários dias, semanas e até meses para a conclusão. Espera-se que, em outros processos os médicos da Casa de Custódia tenham a mesma  rapidez.(Folha de São Paulo.27/08/1997: 2-8)

Por 30 anos, o réu João Acácio Pereira da Costa, conseguiu sobreviver às regras não escritas que são ditadas nos presídios brasileiros. Ele e poucos outros detentos como, Pedrinho Matador e Chico Picadinho infligiram apenas um crime, que foi o de sobreviver ao nosso sistema carcerário.

Segundo um diretor da Penitenciária do Estado de São Paulo quando isto acontece surge uma dúvida que a Justiça deverá solucioná-la, que é soltar ou não o preso, se ele está ou não apto a conviver harmonicamente com a sociedade.

No caso do Chico Picadinho, ele saiu do presídio apenas para continuar confinado no manicômio, ainda é visto como perigoso para conviver com a sociedade.

No caso do Pedrinho Matador, ele acreditava que seria solto assim que completasse os 30 anos de reclusão que lhe foi imposto (24/05/1973 a 24/05/2003) mas sua pena foi estendida por causa dos crimes que ele cometeu durante a sua reclusão, após nova contagem a pena deste réu perdurará até 2017.

Segundo Antonio Molina, O conceito penal de delito tem natureza formal e normativa. Contempla e isola um fragmento parcial da realidade, com critérios valorativos. Já à criminologia interessa a etiologia do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, prevenção e programas de intervenção no infrator. ( MOLINA. P.68).

Assim, verifica-se que O Bandido da Luz Vermelha, não foi devidamente avaliado, não foi apreciada uma pesquisa etiológica, para se medir a melhor forma de intervenção no indivíduo, buscando ressocializa-lo, e não transformá-lo num ser insignificante para a sociedade.

Se o prisioneiro paga por falta praticada, em detrimento da convivência humana e da sociedade, o doente por algo que não cometeu. O infrator doente não pode ser objeto da aplicação, da internação ou do tratamento ambulatorial, pela precariedade de exames periciais e atendimento em hospitais psiquiátricos segregado por ilegal e injusta sentença, condenado quando deveria ser tratado.

Doente, envelhecido, desdentado, abandonado, sem destino, foi com esta a aparência que o temido Bandido da Luz Vermelha atravessou os portões da prisão rumo a sua liberdade e com o seguinte sonho meu maior sonho é voltar a conviver com minha família. Se eles não me quiserem, vou trabalhar e viver pobre em quarto alugado. Costa em menos de 6 meses de liberdade foi assassinado por um pescador na cidade de Joinville.

Bandido da Luz Vermelha em liberdade após 30anos detido.

Primeira audiência no Fórum de Sp 1967

No final da década de 60, Rogério Sganzerla fez o filme O Bandido da Luz Vermelha, este ganhou vários prêmios na época.

Após alguns meses de aparição na mídia, de julgamentos reativos por seus comportamentos passados, João Acácio foi morto por um pescador na cidade de Joinville. Sua desaparição não produziu comoção pública, tratando como um crime banal, típico de comunidades simples.

Recentemente em 10 de novembro deste ano, o assassino do Bandido da Luz Vermelha foi julgado e considerado inocente, por tratar-se de legítima defesa de terceiros, tipificado no CP art. 23 e 25, pondo um final no caso.

5 Conclusão

O incremento dos índices de criminalidade registrada foi interpretado como sinal inequívoco do fracasso do controle penal. Sem dúvida alguma porque se partia da conhecida tese dovolume constanteda criminalidade. O incremento efetivo das taxas de criminalidade nos últimos anos, o controle social falha porque o crime aumenta. ( MOLINA, p.137).

Vamos pensar se o sistema carcerário brasileiro está ou não cumprindo o seu papel, que seria o de recuperar os desajustados socialmente. Muitos jovens delinqüentes que são impostos a cumprir penam em um presídio, saem formados em bandidagem.

O sistema carcerário está sendo um instituto de ensino médio ou quem sabe superior para os criminosos que nele ingressam. O nosso Código, a nossa legislação está sendo respeitada, cumprida ou só está servindo de faixada?

Enquanto o processo judicial é público, obscura aos cidadãos é a execução da pena. E se isso ocorre, não é sem razão. Inviável nessa ocasião uma discussão a respeito do tema, de que a realidade prisional brasileira e a concretização da justiça penal, têm permanecido distante da maioria dos cidadãos.

Um aspecto relevante da soltura de João Acácio  é de ser um caso bastante raro de um condenado que cumpriu de forma ininterrupta em regime fechado, trinta anos de prisão, o máximo permitido por lei. Isso veio ocorrer não em razão de ser considerado perigoso, mas antes, porque, não teve direito a nenhum benefício, já que qualquer dos favores legais , como regime semi-aberto, o livramento condicional e a comutação de pena por anuais decretos presidenciais, pressupõem o cumprimento de uma fração da pena total, sendo de um sexto o mínimo previsto a progressão de regime, mais rotineiro favor pleiteado pelos condenados.

Seu maior crime com certeza foi sua posição ideológica (mesmo que inconsciente) e de assaltar ricos. Isto o sistema capitalista não perdoa.

Outro aspecto relevante é a reabilitação dos segregados. Esta importaria na reestruturação de todo o sistema social a que estamos submetidos. Haveria  interesse de  recuperá-los?. O caso de João Acácio é um exemplo recente desta incapacidade ou omissão do sistema judiciário e de saúde, falidos, que confirmam um descaso com que tratam os doentes e delinqüentes, os confundidos e injustiçados.

O nosso sistema é um sistema discriminatório? Quero dizer, pelo meu ponto de vista, o sistema só atinge aos bandidos menos favorecidos tanto intelectualmente quanto financeiramente, eles são os criminalizados. Quantos criminosos de alta periculosidade não chegaram a cumprir a metade da pena que João Acácio cumpriu, ou até nem ingressaram no funil da criminalidade, conseguiram sair antes?

Existem muitos criminosos soltos pelo nosso país e ás vezes até bem próximo de nós mas não são detidos pelo sistema. Como diz R. Niebuhr a atual crise moral deve-se, entre outras coisas, à demanda por um código moral que seja intelectualmente respeitável. Vamos procurar e exigir um código que seja respeitável em todos os aspectos.

6 Bibliografia:

- MARANHÃO, Odon Ramos; Psicologia do crime; São Paulo: Malheiros, 2ª edição, 1995.

- MOLINA, Antonio Garcia Pablos; Criminologia; Tradução Luiz Flávio Gomes;             : Revista dos Tribunais, 4ª edição, 

- THOMSON, Oliver; A assustadora história da maldade; tradução: Mauro Silva; São Paulo: Ediouro, 3ª edição, 2002.

Sites da internet:

- http://observatório.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/cadcida.htm

- http://www.clubeletras.net/HPZulmira.html

- http://www.ovizinho.com.br/jor98/a01078.htm

- http://www.internewwws.eti.br/materias/mt970904.shtml

- http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br/taedivaldo.htm

- http://www.verveweb.com/materias/luzvermelha.html


Autor: Perla Pereira


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