Ciúme, o (des)tempero da paixão 2



Talvez a traição seja a pior crise que um casal pode atravessar, levando-se em conta os graves danos que ela causa ao modo como as pessoas passam a considerar a si mesmas em particular e aos relacionamentos em geral.

Quando a pessoa desconfia que esteja sendo traída sente que isso vai acabar com sua saúde, pois jamais imaginou que o outro pudesse fazer isso. Sua raiva é tão grande que ela quase não cabe dentro de si e, por mais que tente se controlar, quando percebe já está gritando, esbravejando ou se comportando mal.

Sua atitude não é adequada, mas é compreensível. O choque de descobrir a infidelidade faz com que o traidor seja visto como um demônio e, por algum tempo demoniza-lo compensa pelo mal-estar que se sente com a traição. Mas tanto idealizar como demonizar alguém – por não ser quem queríamos que fosse – indica o quão fora da realidade podemos ficar quando nos apaixonamos.

Se ela parar para pensar verá que o outro já tinha dado pistas de que mais cedo ou mais tarde o trem sairia dos trilhos, mas mesmo assim não enxergou isso. Se refletir um pouco perceberá que seu sofrimento é causado pelo constrangimento de descobrir a ilusão construída por si mesma.

Por que comigo?
Quando se é traído, além da tristeza, a pessoa tem de encarar a pressão social, pois esperam que ela tome uma decisão rápida e incontestável – perdoar, revidar, separar-se –, mas nem sempre sabemos o que fazer nessas horas.

O melhor em tais ocasiões é dar um tempo, pois quanto mais se tenta ser racional, mais absurdas se tornam as atitudes e mais obsessivos os pensamentos – incluindo os famosos pactos de jamais confiar em ninguém novamente ou então que vingança é a única saída para aliviar essa humilhação.

As pessoas tendem a olhar a traição de um único ponto de vista, como se ela fosse um ato isolado e pintam o outro com cores fortes. A energia negativa que resulta dessa avaliação enviesada é usada para manter a perversa espera pelo dia da caça. E, noite e dia, pensam apenas nisso, transformando a vingança em sua meta.

Investem alto na vingança, apenas para descobrir que, depois de perpetrada, leva a nada, a não ser criar no outro o desejo de, na primeira oportunidade, se vingar da vingança.

Nas tragédias amorosas a maioria tem uma predileção pelo papel da vítima. Isso as leva a esquecerem o contexto em que se deu a traição e a própria responsabilidade na transformar do relacionamento naquilo que ele se tornou.

Nos afastamos de nós e (só depois) dos outros
Após a traição pode acontecer de nos tornarmos intransigentes tentando controlar os comportamentos, pensamentos e amizades da outra pessoa como se pudéssemos colocar nela um cinto de castidade virtual que a impeça de olhar, falar ou desejar alguém. O resultado de ficar permanentemente à espreita, aguardando o momento em que novamente seremos traídos, é tornar a vida um pesadelo.

Essa é uma fase característica, atravessada por todas as pessoas que sentem que foram roubadas na coisa mais fundamental para um relacionamento dar certo: sua confiança.

Quando confiamos totalmente no outro distribuímos declarações de amor como se fossem pérolas que a traição esmaga e transforma em pó. Pessoas que foram traídas relatam terem se sentido reduzidas ao ridículo, vendo a jóia de seu relacionamento ser trocada por bijuterias sexuais – e a justificativa para a troca era o fato de a outra pessoa ser mais jovem, magra, rica, sexy. E falam da intensa raiva que isso gera.

Em seguida a pessoa desloca esse sentimento de raiva contra si mesma, pois ainda ama quem a faz sofrer, passa a encarar amor e relacionamento como um monte de asneiras sentimentais como se fosse ela que fosse errada por desejar confiar e amar.

Seu coração não é de papel
É importante ter em mente que somos muito mais fortes do que supomos, é perfeitamente possível recuperar a autoconfiança após uma traição.

Não devemos emborrachar o coração nem abrir mão de tentar outros relacionamentos que podem ser nutritivos e intensos. Manter-se apenas na superficialidade relacional entorpece a percepção e a pessoa considera, erroneamente, que são os outros que não querem compromissos sérios e isso, justifica comportamentos promíscuos que, no fundo, não tem nada a ver com seus sentimentos profundos.

Outra escolha ruim é começar a desconfiar até de sua própria sombra, passando a controlar a relação para não correr riscos, se comportando como um mau juiz que pune os outros até pelo que eles não fizeram. Cuidado, esse padrão de comportamento pode migrar para o ciúme patológico.

A grande contradição da traição é ela ocorrer mesmo quando o afeto é profundo. Em outras palavras, nunca nos sentimos traídos por inimigos nem por estranhos – mas por irmãos, amantes, esposas, maridos –, a traição põe à prova nosso amor, envolvimento e capacidade de transcender e negociar. É preciso aceitar que após a infidelidade tudo é possível. Inclusive perdoar e renovar o relacionamento.

Pensar na incongruência que pode se ocultar sob a traição ajuda a compreender que não podemos amar apenas nas situações em que a relação está sob controle e nisso se encerra um grande desafio.


Autor: Sueli Nascimento


Artigos Relacionados


Quando Se Perde Um Grande Amor

Dois Olhares Sobre A Traição

Grande Índio

Para O Dia Das MÃes - Ser MÃe

Analisando A Vida

Emoção Partida

"amor, Amor, Amor..."