Reforma Do Judiciário (emenda Constitucional Nº. 45/2004) E Direitos Humanos



SUMÁRIO:

1. Introdução; 2. Recepção dos Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos na Ordem Jurídica Brasileira;
2.1. A Concepção de Direitos Humanos; 2.2. Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos antes da EC nº. 45/2004; 2.3. A Interpretação autêntica da EC nº. 45/2004; 2.4. A discricionariedade do Congresso Nacional para realização do procedimento de constitucionalização dos Tratados de Direitos Humanos;
3. Reconhecimento Constitucional da Jurisdição do Tribunal Penal Internacional;
3.1. Antecedentes políticos e jurídicos do TPI; 3.2. Estatuto do TPI e seus principais aspectos; 3.3. O TPI sob a perspectiva brasileira: aspectos polêmicos 3.4. Submissão à jurisdição do TPI: as inovações trazidas pela Emenda nº 45; 4. Federalização dos Crimes contra os Direitos Humanos; 4.1. Competência;
4.2. Constitucionalidade;
4.3. Crimes graves contra os direitos humanos;
4.4.Análise de casos concretos;
5. Conclusão;
6. Referências
Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O cerne deste trabalho é a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional no 45/2004) e sua relação com os Direitos Humanos. Para tal, foi necessária grande dedicação acoplada ao interesse que o tema propicia.

Pelo fato do direito positivo, muitas vezes, não representar o que realmente ocorre na vida social, é necessário desenvolver maneiras com intuito de se cumprir à tarefa de apresentar o que realmente acontece na sociedade e não, apenas, o que a lei a muito prescreveu. Desta necessidade de mudanças que surge à implementação da Emenda Constitucional no 45/2004.

A Emenda supracitada foi publicada no Diário Oficial da União no dia 31/12/2004, sendo promulgada no dia 08 do mesmo mês, consubstanciando a Reforma do Poder Judiciário.

A Reforma tem o objetivo, ou deveria ter, de modificar o pensamento jurídico dominante, ou seja, a derrubada das antigas concepções do Direito como algo dado e a favor da classe dominante. O direito deve ser visto como algo construído pelo homem, pelas classes populares, pela luta.

Pelo fato da sociedade está em constante transformação o Judiciário deve seguir esse processo transformador, modificando seus paradigmas, a fim de adequar-se às novas demandas sociais. Desta forma, a concepção de direito deve está sempre incutida na mente dos juristas, de maneira que o Judiciário garanta os direitos humanos, sociais e a justiça.

O Poder Judiciário, hoje, possui um papel decisivo no país em face dos conflitos cada vez mais complexos, tendo de adaptar-se as exigências da economia globalizada, que convive com o paradoxo da exclusão social de grande parte da população.

A Reforma do Judiciário gerou muitas controvérsias a respeito das alterações na legislação brasileira inseridas na Emenda Constitucional nº. 45. No que tange aos Direitos Humanos chama a atenção o novo parágrafo 3o, inserido pela referida emenda à Constituição Federal, que trata da questão dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que se tornaram equivalentes às emendas constitucionais. Elimina-se a polêmica existente na doutrina brasileira sobre o status dos tratados e convenções internacionais a respeito dos direitos humanos.

O trabalho, que aqui segue, irá dá enfoque à recepção dos Tratados Internacionais de proteção aos Direitos Humanos na Ordem Jurídica Brasileira, o reconhecimento constitucional da jurisdição do Tribunal Penal Internacional e a Federalização dos crimes de Direitos Humanos.

2. RECEPÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

Após treze anos de tramitação, em 17 de novembro de 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional nº. 45. Dentre as inovações procedidas pela emenda em referência no texto constitucional, chama a atenção o novo parágrafo 3º, inserido ao art. 5º da Constituição, cujo teor é o seguinte:

§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Emenda nº. 45/2004 da Constituição Federal)

O Constituinte Derivado, nesse ponto, veio tratar de tema que parecia resolvido no contexto do Supremo Tribunal Federal, mas que continuava mal apurado no campo doutrinário: como enquadrar as normas internacionais de direitos humanos dentre as existentes no sistema jurídico brasileiro? Assim, retoma fôlego esta antiga questão, que, nesse momento, deve ser analisada com base no recente preceito do Diploma Fundamental.

A mudança no Estatuto Magno não é meramente técnica ou estilística, traduz a preocupação do Constituinte em preservar os interesses básicos do homem e da humanidade, ainda que muitos deles não estejam expressos claramente nos textos de direito positivo nacional, mas que já começam a surgir nas fontes internacionais.

2.1. A CONCEPÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Faz-se oportuno, a priori, para compreender a alteração constitucional ora estudada de maneira mais clara e pertinente, verificar o que se entende por direitos humanos. Atualmente, as expressões direitos fundamentais e direitos humanos são empregadas como sinônimos. J.J. Canotilho considera: segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jus naturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantido e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta.

A noção de direitos humanos deve ser considerada da maneira mais ampla possível para que acompanhe o desenvolvimento das demandas históricas, mas não deve ser indeterminada, para que não perca em objetividade, eficácia e segurança jurídica. A partir do momento em que o homem e a humanidade vêem-se diante de novas carências básicas e comuns a todos, devem elas ser encaradas como direitos humanos.

2.2. HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS ANTES DA EC Nº. 45/2004

Para a Corte Suprema, o tratado internacional, qualquer que seja ele, após o devido processo necessário à sua aprovação, entra no sistema jurídico pátrio com o grau de lei ordinária, não podendo nem mesmo versar sobre matéria em que exige o Texto Maior lei complementar, salvo no âmbito tributário, em razão da controvérsia ainda não solucionada sobre aplicação do art. 98 do Código Tributário Nacional.

Firma-se esse posicionamento, principalmente, na interpretação de forte tendência literal do art. 102, III, b, CF. Deduz que, se é cabível recurso extraordinário em caso de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado, não especificando o Constituinte que tipo de tratado seria, pois quis ele afirmar a superioridade da Constituição em face de todas as fontes internacionais de direito.

Argumenta-se, também, que o procedimento de entrada do tratado internacional no direito pátrio tem quorum de votação semelhante ao da lei ordinária, razão pela qual deveria a convenção internacional ser a este ente normativo assemelhado.

Apesar de tais considerações, há fortes posições contrárias ao posicionamento anterior. Prefere muitos autores reconhecer, senão o status constitucional dos tratados de direitos humanos, ao menos sua posição normativa supra legal, ou seja, o seu posicionamento acima das leis internas, subordinando-se somente à Lei Fundamental da nação.

Assim, não restam dúvidas de que, antes da reforma dada pela EC nº. 45/2004, a doutrina da agregação dos direitos humanos às normas constitucionais era a mais condizente com o espírito do Poder Constituinte Originário, cujo ato instituidor da ordem jurídica só pode ser tomado legitimamente como protetor dos interesses capitais do verdadeiro senhor da soberania: o povo.

Nesse sentido, vale salientar que não são bem os tratados internacionais de direitos humanos que adentram a ordem jurídica brasileira com energia constitucional, mas sim as normas internacionais que protegem tais direitos.

2.3. A INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA DA EC Nº. 45/2004

Ao estabelecer a redação do § 3º do art. 5º, está o Poder Constituinte Derivado a afirmar que os tratados que não passarem por tal procedimento não terão vigor constitucional. Como todas as convenções, inclusive as de direitos humanos, não passaram até hoje pelo escrutínio descrito em tal parágrafo, não teriam elas eficácia de emenda constitucional.

Nessa ótica, para se esquivar da declaração de inconstitucionalidade, a única saída hermenêutica foi entender que a exigência do procedimento legislativo expresso só é exigível para tratados internacionais ainda não incorporados ao nosso sistema, continuando a valer como de raiz constitucional todas as convenções anteriores de direitos humanos.

De qualquer forma, qualquer que seja a orientação defendida, por questão de segurança jurídica e de eficácia social dos direitos humanos, é de suma importância que o Congresso Nacional se reúna para cobrir os tratados em questão na forma desejada pelo Constituinte Reformador.

2.4. A DISCRICIONARIEDADE DO CONGRESSO NACIONAL PARA REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

A leitura do texto incorporado à Lei Fundamental leva à conclusão de existência de uma faculdade, não dever, para nossas Casas Parlamentares, que poderão ou não proceder de modo a prestigiara o diploma internacional com a altura hierárquica constitucional. Pelo método de interpretação gramatical, o Constituinte Derivado consentiu com a existência de tratados internacionais com valor de emenda constitucional e de outros sem este status. Se existem duas possibilidades, como remonta o pronome relativo que do § 3º, é porque o Congresso Nacional detém a faculdade sobre o tema; se existe faculdade, há igualmente discricionariedade.

A interpretação lógica confirma a gramatical. De fato, não haveria sentido em submeter um documento normativo a um quorum especial de votação se houvesse, de antemão, o dever de aprová-lo.

Mesmo com tais considerações, é importante considerar outros pontos. Primeiramente, o Estado tratadista, ao declarar sua vontade de se submeter a um acordo internacional, fica obrigado perante a Sociedade Internacional a tomar providências devidas para que as normas dispostas na convenção ingressem em seu ordenamento jurídico interno. Frente a negativa desta ação, pode ser responsabilizado. Assim, no plano interno o Parlamento pode até ser livre quanto a atribuição de força normativo ao tratado, mas no âmbito internacional, vincula-se a partir do momento que ratifica tal documento.

Em segundo lugar, os direitos humanos estão relacionados diretamente com o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88); logo, tais direitos são os meios para o alcance deste fundamento maior. Sendo que a inexistência de norma concreta que tutele um dos aspectos da dignidade, diminuindo o grau de sua eficácia jurídica, pode ser considerada uma inconstitucionalidade.

Conquanto não se possa forçar juridicamente, ao menos de acordo com a atual jurisprudência do STF, qualquer atitude positiva da Câmara dos Deputados ou do Senado, estas Casas do Poder Legislativo têm o dever funcional de atuar em defesa da coletividade de homens que são representados. Eis o limite da discricionariedade política para que se proceda na forma do art. 5º, § 3º, CF/88, ora comentado.


Autor: Rafael Cohim


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