Se eu fosse mais magra gostariam de mim



O público alvo
Mitos e ideologias sobre sexo frágil" e "guerra dos sexos" tem-se perpetuado sob diferentes aspectos no decorrer da História. No passado através da obrigatoriedade imposta pela "mística da maternidade", no presente pela importância e necessidade de formas perfeitas – seja lá o que isso signifique. No tocante aos padrões de beleza Studart, por exemplo, nos dá uma mostra da pressão exercida sobre a mulher brasileira na década de 1970:

"mulher feia é como sucata: não tem lugar no mercado (...) sem as linhas aerodinâmicas, sem a silhueta da moda e o rosto que está em voga naquela estação, só lhe resta uma espécie de limbo, sem prazeres e sem presença", as mulheres ouvem, desde a mais tenra infância, que de sua aparência depende tudo (...) convenceram-na de que, se não for mais bonita, não será mais ninguém".

A propaganda
Aproximadamente a partir da década de 1960 a publicidade vinculada à moda e à indústria de cosméticos, associou o corpo magro às idéias de beleza e juventude como condição para se obter sucesso, estabelecendo uma ligação para lá de direta entre o padrão de beleza estabelecido pelo mercado e as possibilidades de insersão profissional da mulher.

A fórmula mostrou-se eficiente, ainda hoje revistas e programas de televisão dirigidos às mulheres os emagrecedores aparecem como produtos milagrosos, que vão modificar sua aparência, sem esforço. Aliás, "o desejo de ser bela só não se realizará se ela não quiser". Dietas rápidas e sem sofrimento para adquirirem o corpo perfeito, as formas certas, são sobejamente demonstrados em insistentes anúncios direcionados ao público feminino*.

Para Giacomini, Brasil, Muraro e Wolf estando socialmente envolvidas em expectativas de alcançar aquilo que convencionou-se chamar beleza feminina, é possível que algumas mulheres sucumbam à redundância utilizada em discursos publicitários, podendo até desenvolver determinados comportamentos em resposta aos padrões estéticos perversamente estabelecidos

"o contexto pressiona e modifica o comportamento. O prazer individual de fazer o que tem vontade e comer o que gosta é substituído por um valor que a sociedade impõe ao estipular padrões de beleza".

O esforço por alcançar algo que a diferenciará das outras, aumentando as oportunidades de sucesso, já levou muitas mulheres a formas graves de rejeição ao alimento, uma estudante de 16 anos, com anorexia nervosa, afirmou em São Paulo que "se fosse magra seria feliz e gostariam de mim".

Neste sentido, Wolf nos alerta para o fato de que "a seita da perda do peso recruta as mulheres desde cedo, e os distúrbios da nutrição são seu legado. A anorexia e a bulimia são doenças do sexo feminino". Para alguns talvez a afirmação soe delirante, entretanto, as estatísticas o confirmam, 95% da demanda por transtornos alimentares é formado por mulheres. Das pacientes com anorexia que chegam a tratamento médico, aproximadamente 25% conseguem se recuperar, 50% melhoram, mas tendem a recaídas e 25% não respondem aos tratamentos**.

O produto
Há registros da ocorrência de transtornos alimentares desde a Idade Média, por mulehres que buscavam a elevação espiritual. o termo anorexia nervosa foi descrito pela primeira vez no século xix por William Gull.

A paciente com esse distúrbio apresenta uma distorção em sua percepção corporal e controla obsessivamente a quantidade de calorias dos alimentos. Essa mulher talvez apresente comportamento retraído e tendência a um perfeccionismo perverso. Se for necessária internação para recuperação de peso ela pode desenvolver comportamentos bizarros — por exemplo, enchendo os bolsos com objetos pesados para fingir o ganho de peso.

A mulher que sofre com a bulimia também apresenta percepção corporal distorcida, é excessivamente preocupada com seu peso e aparência física, come compulsivamente grandes porções de alimento em curto espaço de tempo, em seguida lança mão do vômito forçado, uso de diuréticos ou laxantes para compensar a comilança, às vezes tende ao uso exagerado do álcool. A doença aparece por volta dos 20 anos de idade, mas pode atingir mulheres de até 40 anos ou mais. Diferentes das pacientes de anorexia nervosa apresentam comportamento extrovertido e impulsivo, podendo apresentar-se instáveis emocionalmente.

Uma mulher pode desenvolver anorexia após um período de bulimia ou ter as duas doenças combinadas, associando um vasto quadro de sintomas. Mas parece que tudo isso ainda não é suficiente para que empresas de seguro saúde, publicidade e moda vejam a situação como merecedora de atenção. Independente da quantidade de meninas e mulheres em filas de espera nos poucos serviços públicos de atendimento a transtornos alimentares, os números ainda não são suficientes para que a questão seja compreendida como merecedora de um amplo trabalho de prevenção.

Imagem real versus ideal de beleza
O que se vê pela TV, durante a concorrida e glamourosa Semana de Moda de São Paulo são jovens magérrimas, descarnadas. Um colega de profissão, assustado, disse que uma de suas pacientes tem como modelo de beleza, e ideal a ser alcançado, as mulheres esquálidas, de rosto chupado e olhos semimortos da Etiópia.

Partindo do pressuposto de que a programação televisiva pode ser instrumento no processo educacional de cidadania, preocupa-nos que a identidade da adolescente real muitas vezes esteja vinculada aos estereótipos adquiridos pela aceitação passiva do conteúdo da tv que alimenta, e até promove, a magreza excessiva como padrão de beleza.

As agências de modelo podem ter uma participação mais intensa no enfrentamento dos transtornos alimentares entre suas agenciadas, e também na reflexão de como contribuem para a manutenção de uma imagem feminina excessivamente magra, propondo, às mesmas emissoras que promovem seus desfiles, pautas especiais sobre os problemas com comida e colaborando para a formação de uma imagem real da mulher brasileira, elegantemente curvilínea.

*A Organização Mundial da Saúde (oms) apontou o Brasil como o 3º país no mundo em consumo de drogas para emagrecimento, Giacomini Fº, Gino e outros.

**AMBULIM - Ambulatório de Bulimia do Hospital das Clínicas da USP.

Referências
Souza, V.C. Mulher negra e miomas: uma incursão na área da saúde, raça e etnia - cebrap - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, in anais da 48ª reunião anual da sbpc, puc-sp, julho de 1996.
Pepino, Claudia B. & Rangel, Patrícia C. Concepções sobre violência doméstica na perspectiva do promotor de justiça criminal, Universidade Federal do Espírito Santo, in anais da 48ª reunião anual da sbpc, puc-sp, julho de 1996.
Bonini-Vieira, Annunciata & outros O discurso sobre mulheres na música popular brasileira, Programa eicos - Instituto de Psicologia - Universidade Federal do Rio de Janeiro, in anais da 48ª reunião anual da sbpc, puc-sp, julho de 1996.
Badinter, Elizabeth um amor conquistado, o mito do amor materno, São Paulo, Editora Nova Fronteira, 1980, 4ª ed.
Studart, Heloneida mulher objeto de cama e mesa, São Paulo, Editora Vozes, 1979, 10º ed.
Giacomini Fº, Gino e outros Emagrecimento: o tratamento na comunicação, in Relatos de Pesquisa, umesp, São Bernardo do Campo-SP, 1997.
Wolf, Naomi o mito da beleza. Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres, Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1992.
Muraro, Rose M. os seis meses em que fui homem, São Paulo, Ed. Rosa dos Tempos, 1993, 5ª ed.
Brasil, Maria C. M. & Ferreira, Isaías M., A mensagem publicitária escrita: a redundância persuasiva, Universidade Federal da Paraíba, in anais da 48ª reunião anual da sbpc, puc-sp, julho de 1996.
Giannini Deborah & Michelotti Gabriela, Sem Fome de Viver, revista da folha, nº 285, outubro de 1997,  p. 10 a 15.
Health I. G. Consultora Periodística, Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 28/07/98.


Autor: Sueli Nascimento


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