O que é conhecer?



Segundo a célebre fórmula do Teeteto (201a-c; 207a-208a), chama-se “conhecimento” à crença verdadeira e justificada, por contraposição à mera “opinião geral”.  Os contra-casos apresentados por Edmund Gettier (1963) colocaram no entanto em causa a definição do conhecimento mediante esses três atributos (Audi, 1998).

Numa resposta platónica, o actual internalismo avança na procura de algum quarto atributo que faculte a um sujeito alcançar o dito conhecimento (com aqueles primeiros três).   Mas, independentemente de qual seja este outro atributo cognitivo, as respostas internalistas divergem na arquitectura do processo justificativo.  A saber, entre os fundacionalismos que, com maior ou menor radicalidade, determinam linearmente esse processo a partir de alguma base originária, e os coerentismos que, também de modo mais ou menos exclusivo, o reportam antes à coerência entre crenças que se remetem mutuamente.  Enquanto Susan Haack (1995) diverge dos autores que aí divergem considerando ser possível uma combinação “funderentista”.

Em alternativa a esses desenvolvimentos, e recuperando a pista que logo Aristóteles (Analíticos, II) tinha aberto face ao seu Mestre, a resposta externalista àqueles contra-casos recusa o terceiro atributo cognitivo – o postulado de que o sujeito é o agente da justificação – procurando antes indícios do objecto de conhecimento na crença verdadeira, a qual é assim constituída como efeito de alguma acção do objecto sobre o sujeito.

Entretanto, a todo esse ramo que reporta o conhecimento à crença, autores como Linda Zagzebski (1992) abrem a alternativa de o reportar antes a virtudes intelectuais segundo as quais o sujeito constituirá o conhecimento, defendendo que esta pista resolve a dicotomia internalismo vs. externalismo.

Mas mesmo essa ramificação entre uma epistemologia autónoma e outra dependente nesse caso da ética, ao visarem ambas quaisquer atributos únicos do conhecimento, constituem-se como opções invariantistas, em divergência do contextualismo que reconhece a relatividade de tais atributos ao contexto em que, de cada vez, ocorre o que se poderá chamar “conhecimento”.  Se bem que se possa discriminar, com Keith DeRose (1992), uma elevada exigência nos standards do conhecimento – o chamado invariantismo céptico, pois deixa o campo aberto ao cepticismo sempre que tais standards não sejam satisfeitos – da exigência mínima – o invariantismo não céptico – que, se reconhecer como o contextualismo a chamada dimensão pragmática do conhecimento, não se contraporá diametralmente a esta outra concepção[i].

Enfim, no campo particular do conhecimento científico, ao paradigma clássico das reduções específicas dos fenómenos a uns supostos elementos básicos e a umas respectivas regras de associação, explicando-se deterministamente os fenómenos nessa base, contrapõem-se hoje as chamadas ciências da complexidade, que adoptam antes explicações probabilísticas dada a emergência de qualidades ou organizações imprevisíveis na base reducionista, tendendo também estas explicações a um holismo que dê conta das interacções com os meios envolventes (Escohotado, 1999).  Impõe-se pois ajustar o conhecimento i) generalizado, ii) indutivo, e iii) pré-orientado pela posição de uma questão e normalmente mesmo por uma hipótese de resposta – que em geral se designa “científico”, mas sem que esses três processos sejam também eles hoje pacíficos (Barberousse, Kistler, & Ludwig, 2001)… – seja ao reducionismo determinista e especificante, seja a um probabilismo holista.

Não é pacífico, portanto, o que constitua “conhecimento”.  Antes dispomos de várias orientações alternativas – algumas exclusivas mesmo em relação à da concertação das outras – para o estabelecimento de quaisquer crenças.  Será este estabelecimento invariante ou contextual?  Encontra-se a sua orientação no estrito âmbito da crença ou deriva da ética?  É de primeira responsabilidade do sujeito ou do objecto?…  Na falta dessa orientação, fica a faltar também o critério com que se possa ir avaliando o grau de cumprimento do estabelecimento dessas crenças – por assim dizer, as condições de sucesso das eventuais candidaturas a “conhecimento”.  Falta esta que reforça a impossibilidade, já imposta por aquela ausência de orientação, de se delinear o processo cognitivo que deverá cumprir esta última em conformidade ao critério que lhe for apropriado, nomeadamente articulando faculdades como sensibilidade, memória, raciocínio,… escolhendo postulados de categorias a priori ou de dados a posteriori, determinando as inferências inversas da indução e dedução, etc.  Em suma, é necessário confirmar alguma dessas hipóteses teóricas, sustentando-a em detrimento das restantes, para se justificar depois as respectivas ilações.

 

 

Obras Citadas

 

Audi, R. (1998). Epistemology - A Contemporary Introduction to the Theory of Knowledge. Nova Iorque, Londres: Routledge.

Barberousse, A., Kistler, M., & Ludwig, P. (2001). A Filosofia das Ciências do Século XX. (A. Emílio, Trad.) Lisboa: Instituto Piaget.

DeRose, K. (1992). Contextualism and Epistemic Individuation. Philosophy and Phenomenological Research , 52, pp. 913-929.

Escohotado, A. (1999). Caos y Orden. Madrid: Editorial Espasa Calpe.

Gettier, E. (1963). Is justified true belief knowledge? Analysis, 23 , pp. 121-123.

Haack, S. (1995). Evidence and Inquiry - Towards a Reconstruction in Epistemology. Oxford, Malden Mass.: Blackwell.

Millman, R. S., & Parker, G. D. (1981). Geometry: A Metric Approach. Nova Iorque: Springer-Verlag.

Zagzebski, L. (1992). Virtues of the Mind: An Inquiry into the Nature of the Virtue and the Ethical Foundations of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press.

 

 


Autor: Miguel S. Albergaria


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