O Mistério da Cruz



O MISTÉRIO DA CRUZ – SÁTIRA

Um dia alguém pregou uma estaca maior a outra bem menor e formou algo que lhe espantou, uma cruz. E queria que alguém visse o novo objeto que não havia na natureza, exceto toscas junções de árvores que jamais tinham ângulos retos. Então querendo que sua "novidade" fosse de todos conhecida, viu que era mais fácil visualizá-la colocando-a de pé. Uma vez posta de pé, viu que grande parte de sua beleza se perdia com a proximidade da estaca menor do solo. Então decidiu arrancar a estaca menor do centro da maior e pregá-la mais perto de uma das suas extremidades, fincando em seguida a parte mais distante do centro ao solo. Agora toda a beleza de seu invento ficava visível a quem quer que passasse. E todos os transeuntes iam e vinham e olhavam o novo objeto, e cada um dava uma opinião ou uma idéia sobre aquilo. E seu inventor passou a colecionar as idéias e a formar uma teoria.

"Viu" que a cruz de pé, fincada com sua parte maior ao solo, de longe e em dias escuros e chuvosos, parecia um homem com os braços abertos a olhar o céu. Dava até para imaginar a cabeça fina, pois muitos homens que conhecia tinham um pescoço tão grosso que nem pareciam ter cabeça. Também, na penumbra, o grande "espantalho" estava com as mãos curvadas para dentro, de tal modo que parecia vestir um paletó reto, no qual as mãos se escondiam na longa manga. Mas a sua invenção era fantástica: o homem estava de braços abertos, como a abraçar a todos que iam a ele, ou, modéstia à parte, como que a abraçar o mundo inteiro, que parecia um homem gorgo curvado à frente dele. Então viu que o braço esquerdo apontava para o Sul e o direiro para o Norte, e com isso abarcavam dois pontos cardeais importantes, com as costas voltadas para o Oeste e o peito para o Leste. Todo o globo estava representado naquele abraço de madeira, lembrando um abraço que ele viu depois de longos anos entre duas árvores plantadas juntas que, ao sabor dos ventos e da erosão, terminaram por abraçar-se lá em cima, juntando seus galhos no início, e no fim o tronco bifurcado.

A cabeça pequena da cruz, ou seu pescoço sem cabeça, estava apontado para o firmamento, que até os cientistas preferem chamar de céus. Ao encostar seu rosto no tronco da cruz e olhando em direção ao céu, o inventor viu que em linha reta, a cruz apontava para uma certa constelação, e viu nela a figura imaginária de um Leão, ou pelo menos que a cabeça e os braços elevados formariam um Leão relacionado a uma Ursa Maior, e a um Centauro maior ainda e a outros seres gigantes que habitam o espaço sideral. Então começou a perguntar à "Teoria das Idéias Colhidas": por que seu invento apontava para um Leão amigo de ursos e centauros? Ou porque não eram seus braços a apontar para leões e ursos terrestres? Por que leões e ursos não se davam bem e estavam separados na Terra, mas no céu estavam unidos? Poderiam leões e ursos, muito antes de aparecerem na terra, terem sido seres voadores? Teriam tido asas como alguns tipos de cavalo? Bem; pelo menos naquela visão na sombra da cruz podiam...

Entretanto viu que os leões e ursos da terra quase nunca chegavam aos pés da cruz, enquanto as aves sentavam nela; e ouve um casal de pardais que tentou até nidificar na junção ou "ombro" direito do espantalho, como se fossem íntimos dele ou o desrespeitassem. E o inventor entendeu que alguma coisa errada aconteceu com os seres da Terra, porque seu invento não merecia desrespeito, na forma de um ninho ou de fezes de aves. Porém pensou melhor e viu que talvez não fosse as aves e animais a desrespeitar o seu invento, e sim que seu espantalho era amaldiçoado. E o tempo passou rápido, e a idéia da maldição começou a tomar espaço e a preponderar sobre as outras teorias. Até que um dia no futuro, quando todos os homens construiram cruzes e comprovaram a maldição, passaram a "enfeitar" covas de finados encravando uma cruz sobre a terra.

Mas então a teoria misturou-se toda, e um certo homem diferente ou louco, subiu ele próprio na cruz, pregado a ela com pregos enormes, numa brutalidade que até hoje não entendi. Não sabia se ele pediu para ser pregado, ou se o pregaram de propósito. De qualquer forma, seja como for, se ele queria experimentar uma nova forma de auto-flagelação ou se queria apenas aparecer, ninguém sabia. Mas o fato é que não passou muito tempo vivo para contar a história. Em três dias morreu mesmo, apesar dos inúmeros gritos que deu para o céu, como que pedindo socorro. Então o inventor ficou a pensar: teria aquele homem gritado para o Leão da Constelação? Ou haveria alguém lá em cima a olhar para aquilo tudo e simplesmente não o atendeu?...

O mais estranho foi que ao morrer, aquele homem, crucificado ao lado de outros dois caras em outras duas cruzes, fez toda a terra tremer e defuntos reviverem, embora ninguém acreditasse nessa história que só o inventor viu em seu sonho premonitório. O morto foi deixado na cruz por três dias até o domingo, que é um dia melhor para se recolher cruzes. Foi ali que o inventor percebeu que o pé da cruz não estava fincado sobre a terra, e não apenas apontava para o centro do planeta, mas descia até uma estranha região, onde os vivos não tinham corpos. No centro, tanto da terra quanto da discussão, não há consenso secreto entre os cientistas, pois os que falam em público só dizem o que são pagos para dizer, e os que falam a verdade estão mudos pelo medo de ver suas famílias irem para o fogo do centro.

Na região inferior, onde ninguém tem corpo sólido e onde o pé da cruz comunica a única saída, um defunto levou uma luz diferente e uma catapulta para retirar sombras. Todas as sombras que quisessem sair, iam até a rampa da catapulta e eram arremessadas de volta, mas não de volta à terra onde a cruz estava fincada, mas sim à terra para onde a cabeça da cruz apontava. Na subida rápida e demorada, cada sombra ia ganhando cor, aliás, densidade, e lá em cima tinham condições plenas de decidir se preferem ficar lá ou descer ao centro da terra das sombras. Como a cruz tinha dois braços, muitas sombras não chegavam a subir de todo, e dobravam à esquerda ou à direita, ficando entre os vivos a assombrar com sombras estranhas, que nada mais é que assombrar. Como os braços apontavam para pontos cardeais, soube-se que as sombras apareciam nos quatro pontos do globo.

Finalmente, pela diferença de fuso horário entre o mundo dos visíveis e dos invisíveis, ninguém pode dizer quanto tempo durou a visita daquele estranho defunto ao vale das sombras, mas o seu estado de morto durou somente até a véspera do dia da maldição, que se tornou o dia da ressurreição, o domingo. Ao reaparecer, todo o mundo invisível soube de onde ele veio e o visível soube só uma parte. Depois de uma quarentena na terra, os dois grupos viram aquele homem redivivo subir para onde apontava a cabeça da cruz, prometendo voltar depois de muito tempo para pôr as coisas em ordem e explicar o significado da palavra cruz. No final da história houve quem dissesse que o redivivo não subiu na direção da cabeça da cruz, mas que na verdade ocorreu uma trasladação na direção do braço direito, lugar onde foi encontrada a ossada de um macaco carpinteiro, o inventor, aquele que pregou duas estacas uma na outra, um pouco abaixo do pescoço.

Prof. João Valente de Miranda


Autor: João Valente


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