Edgar Koetz e a Obra 'Alienado'



Introdução

O documentário exibido no Histórias Extraordinárias, relata um pouco da história do artista plástico Edgar Koetz que, em 1964, levou-o a um duro golpe psicológico que resultou a 30 dias de internamento na ala patronal do Hospital Psiquiátrico São Pedro. O jornal Última Hora, onde Koetz trabalhava, foi censurado pelos militares radicais. A repressão, que duraria mais de 20 anos, se instalou. Jornalistas foram perseguidos e até mortos. Koetz mergulhou em profunda depressão da qual somente saiu ao exercer com vigor a sua arte. Durante sua passagem no Hospital Psiquiátrico, ele desenvolveu um trabalho com os pacientes, retratando a especificidade no olhar de cada um deles.

Dentre esses pacientes podemos destacar Natália, mulher que foi retratada enquanto jovem por Koetz, e que ainda permanece internada no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Por coincidência, Natalia na época da gravação do documentário, tinha uma produção artística própria com desenhos e bordados. Através desses ambientes - produção de Koetz, o clima hostil que a ditadura instaurava e posteriormente a produção de Natalia – procuramos contextualizar com alguns temas discutidos durante as aulas de Psicologia da Educação.


Links para programa da RBS que serviu de base para este escrito:
Parte 1: http://br.youtube.com/watch?v=_3xL_blCvM8
Parte 2: http://br.youtube.com/watch?v=gVkqI6vDLQE

Golpe de 1964

O Golpe Militar de 1964 designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que culminaram em um golpe de estado (chamada pelo Estado que se seguiu como uma "Revolução de 1964") que interrompeu o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango, que havia sido democraticamente eleito vice-presidente, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – nas mesmas eleições que conduziram Jânio da Silva Quadros à presidência pela União Democrática Nacional (UDN). Jânio renunciou o mandato no mesmo ano de sua posse (1961) e João Goulart assumiu. O Golpe de 1964 submeteu o Brasil a uma ditadura militar que durou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro presidente civil desde 1964, Tancredo Neves.

O Golpe foi considerado um movimento de duas facetas, por um lado poderia ser uma forma para conter o expansionismo comunista por outro lado seria responsável pelo Brasil ter se tornado uma das maiores economias do mundo, embora, aos custos da contração de uma grande dívida externa e índices inflacionários altísssimos nas décadas de 1970 e 1980.

A censura dos meios de comunicação, da expressão intelectual e artística estavam agora extremamente eficientes, foi criadoDepartamento de Ordem Política e Social (DOPS) foi o órgão do governo brasileiro criado durante o Estado Novo, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder.

Quem foi Edgar Koetz?

Edgar Koetz nasceu em Porto Alegre em 6 de agosto de 1913 (segundo o site do MARGS - Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Koetz nasceu em 1914), e morreu também em Porto Alegre em 1969. Edgar foi um desenhista, gravador, artista gráfico, ilustrador e pintorbrasileiro. Neste trabalho em especial, trataremos da sua série de trabalhos, entitulados de "Os Alienados".

Edgar começou sua carreira na Editora Globo, tendo reconhecido na litografia a sua arte com Ernest Zeuner. Fundou, com outros artistas, em 1938, a Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa e integrou o Clube da Gravura, durante os anos 1950, juntamente com Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves e Blênio Bianchetti.

Mudou-se para Buenos Aires em 1945, onde realizou vários trabalhos, ganhando inclusive prêmios como o Prêmio da Câmara Argentina do Livro, isso durante os cinco anos que permanece em solo argentino.

Em 1952, dois anos após integrar o Clube da Gravura, Koetz se instala em São Paulo, onde assumiu o cargo de coordenador gráfico da Comissão Estadual de Literatura do Governo de São Paulo. Leciona no MASP, e ganha dois prêmios no concurso para os selos comemorativos do 4º centenário da cidade de São Paulo.

Durante os anos 1960, quando retorna a Porto Alegre, produz uma série de pinturas a guache entituladas "Poesias dos Bairros", que eram uma espécie de retração de registros de seus passeios pela cidade. Era um trabalho de caráter urbano, mais uma visão das calçadas e praças no início do século XX.

A Obra "Alienados"

Em 1964, com a explosão do Golpe Militar, Koetz foi internado no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, após sofrer de depressão por causa da repressão da Ditadura Militar. Os direitos foram banidos, a censura estava lá para impedir a liberdade de pensamento e de expressão, e isso foi um grande baque para Edgar.

Foi então que lhe deu um estalo, e resolveu executar uma série de pinturas a nanquim dos pacientes do Hospital Psiquiátrico onde internaram-no. Tendo sido produzidos 24 desenhos dos pacientes, Edgar faz ali uma obra e ao mesmo tempo um protesto. Durante a Ditadura Militar, o país inteiro estava passando por um período de alienação, devido a censura e a forte repressão. Koetz encontrou ali uma forma de dizer ironicamente que aquelas pessoas eram as consideradas loucas, sendo que, por interesse daquela sociedade, elas eram ditas como tal. Mas que na verdade, não dá totalmente para diferenciar a loucura da sanidade.

Seu processo criativo foi feito de maneira espontânea, sem rascunhos, borracha ou qualquer tipo de esboço anterior. Eram feitos diretamente sobre o papel, com o pincel embebido na nanquim, o que deixou o seu trabalho com uma aparência mais espontânea, com traços simples. Fora que o desenho tinha um tristeza implícita, expressada por ele no rosto de cada um dos 24 pacientes que retratou. Uma curiosidade é que os 24 desenhos de Edgar Koetz foram em exposição no MARGS em 2004.

Depoimento de Celso Koetz, filho de Edgar Koetz

Fonte: www.celpcyro.org.br/v4/Galeria/galeria_EdgarKoetzartecoerenciaeliberdade.htm

Edgar Koetz: arte, coerência e liberdade
Celso Koetz

Vou falar o que minha memória me conta. Não são estórias idealizadas, mas histórias vividas, transmitidas em longas tertúlias pelo artista.

Edgar tinha um talento inato precocemente revelado. O aprendizado técnico veio através da profissão no campo gráfico da Livraria do Globo. Não foi um pintor clássico de telas e palhetas. Formou-se na luta. Mas foi coerente com suas idéias e objetivos, mesmo com perdas pessoais. Em Buenos Aires, onde além de sua atividade em editoras e jornal, mantinha um ateliê, casualmente bem em frente onde um brasileiro ilustre, mais conhecido como escritor, mas que tinha suas veleidades como pintor, também mantinha um ateliê: Monteiro Lobato.

Como pintor, um absoluto acadêmico, que tentava de todas as formas induzir Edgar a adotar a técnica, que segundo ele, seria muito mais lucrativa. Lobato estava asilado em Buenos Aires por insistir na existência de petróleo em solo brasileiro, o que contrariava os interesses então imperantes. Por coincidência, um outro amigo de Edgar também sofreu as conseqüências de sua luta pelo petróleo brasileiro: o major Fortunato, herói da FAB na Itália, participante do Clube da Gravura do RG, expulso da FAB por suas posições e só muitos anos mais tarde reabilitado. Edgar, portanto, teve bem próximo de si dois exemplos da injustiça perpetrada pelo poder sem freios.

Quando do golpe militar de l964, anteviu o que estaria por vir. Talvez nem tivesse tido possibilidade de se reabilitar. Uma conjunção de fatores trouxe-o à vida, propiciando a série "Alienados, 1964" e depois muitas outras obras marcantes no curto espaço de menos de 5 anos, até seu falecimento.

Uma análise psicológica da obra "Alienados"

Com o Golpe Militar, Koetz se viu em uma situação tal, onde suas mãos e pés estavam atados. Ele não podia mais dizer livremente o que pensava, já que a censura poderia pegá-lo a qualquer momento como aconteceu com vários amigos seus.

Koetz entrou em depressão por causa desses acontecimentos, indo parar no Hospital Psiquiátrico. Sua situação era tal, que ele sentia uma profunda inquietação interior, causada pela sua depressão. E a pôs para fora através de suas obras, e da sua constante convivência com os pacientes daquele hospital.

Encaixou-se com a realidade dali interagindo com aquelas pessoas que eram ditas loucas e excluídas pela sociedade. Koetz criou uma grande afeição por elas. Aí culminou o seu processo criativo.

Isolou-se de certa forma daquele mundo corrompido pela ignorância da violência e principalmente pela alienação, e retratou seus novos amigos em busca de uma nova arte, a qual experimentara durante aquele curto período que passara no Hospital Psiquiátrico.

Seu processo criativo foi segundo seus sentimentos mais íntimos, expressado em cada pincelada dos 24 desenhos. E pode-se dizer que Koetz, assim como Van Gogh e Picasso, foi bem eficiente com relação a isso. Comparando até mais com Picasso, com relação ao vídeo passado durante as aulas de Psicologia da Educação sobre ele executando as suas obras de maneira muito espontânea e despojada.

Nesse caso, Edgar tem um conflito muito sério que culminou em sua criação artística "Os Alienados", que é o caso do conflito explicito COMO É com o conflito do estar implícito COMO SOU. Koetz sentia uma grande insatisfação por não poder ser como ele era naquele mundo de alienados, que obedeciam os interesses das elites e daquele governo que fazia das pessoas cavalos com cabrestos.

Com relação aos desenhos, Koetz não queria pensar, não queria raciocinar, ele apenas queria pôr para fora aquela inquietação. Trabalhava sem parar durante aquele período, movido por uma súbita inspiração, causada pela sua convivência com aquelas pessoas, pacientes, mais a sua dura realidade com a censura.

Seu processo criativo é bem interessante e digno de estudo, já que ele externou com eficiência tudo aquilo que o incomodava, e lhe serviu de certa forma como terapia.

A obra "Alienados" é considerado um grande patrimônio da Arte do Rio Grande do Sul, e pertence ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Magnoli.

Natália – De alienada a artista

Assistindo ao documentário "Alienados", exibido pela RBS no dia 29 de março de 2008, observamos uma série de relatos de pessoas que conheceram a obra e a história de Edgar Koetz e da obra "Alienados".

Segundo Barbara Neubarth, psicóloga do Hospital Psiquiátrico, ela estaria em uma exposição de Edgar Koetz, onde teria visto os 24 desenhos da obra "Alienados", e reconheceu entre eles uma paciente sua, a Natália, com quem trabalhava desde 1990, quando a Oficina de criatividade fora criada no Hospital Psiquiátrico. Ela mesma diz, em documentário, que Natália reconheceu-se em um dos desenhos. Foi retratada ainda jovem, na sua época de internação.

Aqui, faz-se um link entre a criação do grande artista gaúcho Edgar Koetz e uma simples alienada paciente do Hospital Psiquiátrico. Temos aqui outro ponto importante de nossa pesquisa acerca do processo criativo dos alienados.

Segundo Pichon-Rivière, o artista (tanto normal quanto alienado) retrata aquilo que sente. Esse é o ponto chave do processo criativo. E a obra de Natália chama muito a atenção por ela viver em um ambiente escuro e triste, sendo que ela produz obras coloridas e cheias de vivacidade. Segundo Pichon, a obra do alienado participa das características do pensamento mágico. No caso, Natália tenta aqui reconstruir um novo mundo através de suas obras. Se o mundo é cinzento, ela o torna colorido. Já o artista normal não tem essa habilidade, já que ele não se perde, tenta manter um determinado controle sobre o mundo ou suas emoções. Os que se perdem, movidos por meios exteriores talvez (drogas, por exemplo), correm o risco de não voltar mais e passam aqui a integrar o grupo dos alienados.

Segundo Pichon, a inquietação do artista alienado é desconhecida para ele, já que ele não tem consciência da sua própria inquietação, ou seja, atua sem ser identificada. A mesma coisa ocorre com Natália. Talvez a sua produção artística seja tão colorida porque ela quer transformar todo aquele ambiente vazio e cinzento que é o hospital psiquiátrico.

Por isso que a sua obra é digna de estudo também. Segundo o documentário da RBS "Alienados", Natália teve até uma exposição com suas obras. Isso é um ponto positivo, considerando que a obra de pessoas alienadas é marginalizada pela sociedade, que ignora completamente o valor dessa arte.

Considerações finais

Tendo o documentário como base, chegamos à conclusão de que tanto o processo criativo de Koetz como o de Natália são relevantes por interessarem a psicologia da arte, já que, nos dois, há uma intensa relação entre o psicológico e a alienação, fora o protesto consciente de Edgar contra aquela sociedade que obedecia valores ditados pelas elites governantes.

O tema é muito pertinente com relação à temática da criação e dos estudos de Pichon-Rivière, trabalhados em aulas de Psicologia da Educação durante o ano de 2008. Poder-se-ia utilizar as obras como objetos de estudo da Psicologia da Arte, e do processo criativo, tentando cada vez mais desmembrá-los e estudá-los, a fim de entender melhor essa tênue linha que separa o processo de criação da psicologia da arte.

Bibliografia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_koetz ; acessado em 12 de novembro de 2008 às 17 horas e 27 minutos.

http://www.celpcyro.org.br/v4/Galeria/galeria_EdgarKoetzartecoerenciaeliberdade.htm; acessado em 12 de novembro de 2008 às 16 horas e 30 minutos.

http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/espraiamento/riograndedosul/sul.html#; acessado em 12 de novembro de 2008 às 17 horas e 30 minutos.

http://www.margs.rs.gov.br/ndpa_dossies_artista_bio.php?par_id=139; acessado em 12 de novembro de 2008 às 17 horas e 40 minutos.

RIVIÈRE, Enrique Pichon. Del Psicoanálisis a La Psicologia Social. Buenos Aires, Editora Nova Vision, 1972.


Autor: Aline Pereira Ribeiro


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