O Samba Na Década De 60 A Meados De 70



O samba enquanto estilo musical e expressão da cultura popular brasileira tem sido amplamente estudado e, como é trivial acontecer, quando há vários pesquisadores estudando um mesmo tema, inúmeras discordâncias tem surgido a respeito de sua origem e da sua definição. Quanto a origem, alguns pesquisadores dizem que este surgiu a partir da fusão de ritmos tribais africanos e indígenas brasileiros, outros afirmam que o samba veio para o Brasil com os escravos e que o próprio nome seria um derivado da palavra semba (umbigo) que designava uma dança de Luanda, na Angola.

Deixando essa discussão de lado, é ponto pacífico que até meados da década de 30 o samba restringia-se apenas aos moradores cariocas e a Bahia, não sendo aceito por toda a sociedade. É a partir das primeiras gravações fonográficas de músicos que já eram há muito tempo cantadas na periferia que o samba se socializa, passando a integrar o rol dos ritmos nacionais e, futuramente, de grande destaque. Com as medidas de fortalecimento da cultura nacional empreendida por Getúlio Vargas o samba encontra o ambiente propício para seu fortalecimento.

Este trabalho tem por objetivo analisar o samba na década de 60 a meados de 70 identificando quais foram seus representantes e, respectivamente, suas produções, bem como o alcance político e social dessas músicas neste período de intensa agitação no Brasil.

 Definição do estilo:

Orestes Barbosa define o samba pelo que (ele) não é: o samba, que não é batucada, nem choro, nem lundu, nem cateretê, nem rumba (que é antilhana e vive também no Rio Grande do Sul), surge característico no carnaval carioca, ao lado das marchas que são sambas com uma ligeira modificação.1 O autor também afirma que o violão torna-se o principal intérprete da emoção carioca.Cita também outros instrumentos ao longo de seu livro como o piano, o cavaquinho, a flauta, a cuíca, o tamborim, o violino, a bateria, entre outros.

O samba teria sido temperado de uma forma diferente em cada bairro da cidade. Este samba urbano foi designado como a corrente principal da música popular brasileira urbana, estabelecido ao longo dos anos 30, e tido como resultado da transculturação entre as diversas camadas sociais que compunham a cidade do Rio de Janeiro. 2

Seus representantes:

  • Paulinho da Viola
  • Bezerra da Silva

Alcance Social

No início, o samba era executado e apreciado apenas pelos mais humildes, principalmente pelos moradores dos morros que, segundo Francisco Guimarães, praticavam o verdadeiro samba.

No entanto, a partir do crescimento da indústria fonográfica, este passa a atingir outras camadas da sociedade, isto ocorre também pelo crescimento da indústria carnavalesca que difunde o ritmo não só dentro como for do país.

Alcance Político

Outra definição dada por Orestes Barbosa para o samba é:

O samba é mais plástico. É filósofo, tracista, amoroso, familiar, pedagógico, científico, estatístico, jurídico, vingativo, generoso, aclamador, irônico e sentimental. 3

O samba seria o local ou a forma pela qual o malandro desabafa a sua descrença ou fixa suas ironias.

Para Louzada Filho a música popular brasileira na década de 60, e o samba, identificado por ele como o gênero preferido desta cultura de protesto, possuem uma tradição política ao cantar as virtudes da miséria, engrandecendo-a. Logo, suas músicas seriam conservadoras e conformistas.

Roberto Schwarz afirma que o consumo de discos e a audiência radiofônica desviariam o artista-intelectual para um simples produtor de mercadorias.

Breve história do carnaval carioca

O carnaval carioca existiu por mais de meio século sem música própria, por incrível que nos pareça hoje, esta era secundária.

O início do carnaval carioca tem seu início fixado com os bailes de fantasia realizados em 1835. Entretanto, ainda não havia música nem dança característica, dançava-se a valsa, o xote, a habanera, a quadrilha. A polca e o lundu dariam origem ao maxixe, primeira dança urbana nacional. A dança norte-americana rag-time seria abrasileirada e mesclada à polca transformaria-se em marcha, música mais típica do carnaval carioca, quase exclusivamente carnavalesca. A seguir o comentário de Maria Laura Cavalcanti sobre o carnaval carioca:

 "As escolas de samba surgiram no Rio de Janeiro por volta de 1920. A crônica do carnaval descreve o cenário então existente na cidade de forma nitidamente estratificada: a cada camada social, um grupo carnavalesco, uma forma particular de brincar o carnaval. As Grandes Sociedades, nascidas na segunda metade do século XIX, desfilavam com enredos de crítica social e política apresentados ao som de óperas, com luxuosas fantasias e carros alegóricos e eram organizadas pelas camadas sociais mais ricas. Os ranchos, surgidos em fins do século XIX, desfilavam também com um enredo, fantasias e carros alegóricos ao som de sua marcha característica e eram organizados pela pequena burguesia urbana. Os blocos, de forma menos estruturada, abrigavam grupos cujas bases se situavam nas áreas de moradia das camadas mais pobres da população: os morros e subúrbios cariocas. O surgimento das escolas de samba veio desorganizar essas distinções." 4

Hoje, o carnaval é a maior manifestação popular brasileira, mistura de folclore, festa, espetáculo e arte, geralmente com grande liberdade de comportamento. Seu sucesso crescente tornou-o uma das imagens mais marcantes do país. Em algumas cidades, o carnaval passou a constituir um espetáculo organizado para fins turísticos.

Análise das Músicas

Música nº 1: Coisas do mundo, minha nega Paulinho da Viola.

Hoje eu vim, minha nega como venho quando posso
Na boca as mesmas palavras, no peito o mesmo remorso
Nas mãos a mesma viola onde gravei o teu nome (2x)
Venho do samba há tempo, nega,vim parando por ai
Primeiro achei Zé Fuleiro que me falou de doença
Que a sorte nunca lhe chega, que está sem amor e sem dinheiro
Perguntou se não dispunha de algum que pudesse dar
Puxei então da viola, cantei um samba para ele
Foi um samba sincopado, que zombou de seu azar

Hoje eu vim, minha nega, andar contigo no espaço
Tentar fazer em teus braços um samba puro de amor
Sem melodia ou palavra para não perder o valor (2x)

Depois encontrei seu bento, nega, que bebeu a noite inteira
Estirou-se na calçada sem ter vontade qualquer
Esqueceu do compromisso que assumiu com a mulher
Não chegar de madrugada e não beber mais cachaça
Ela fez até promessa, pagou e se arrependeu
Cantei um samba para ele que sorriu e adormeceu

Hoje eu vim, minha nega, querendo aquele sorriso
Que tu entregas para o céu quando eu te aperto em meus braços
Guarda bem minha viola, meu amor e meu cansaço (2x)
Por fim achei um corpo, nega, iluminado ao redor
Disseram que foi bobagem, um queria ser melhor
Não foi amor nem dinheiro a causa da discussão
Foi apenas um pandeiro,que depois ficou no chão
Não tirei minha viola, parei, olhei, fui-me embora
Ninguém compreenderia um samba naquela hora

Hoje eu vim, minha nega, sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender (2x) 5

Análise:

Esta música embora não tenha uma crítica social, torna evidentes alguns elementos do cotidiano do morro e alguns de seus problemas mais comuns:

§ Primeiro achei Zé Fuleiro que me falou de doença: Devido ao precário estado de saneamento básico ou até mesmo a falta deste, via de regra as favelas do morro tem um grande índice de doenças causadas pela contaminação.

§ Depois encontrei seu bento, nega, que bebeu a noite inteira (...) Esqueceu do compromisso que assumiu com a mulher. Não chegar de madrugada e não beber mais cachaça: Outro problema comum no cotidiano do morro é o alcoolismo, mas encontrado em outros lugares também, pode estar associado com doença ou como uma das formas para tentar esquecer os problemas da vida. Tema abordado em várias músicas.

§ Por fim achei um corpo (...) um queria ser melhor. Não foi amor nem dinheiro a causa da discussão: Ainda hoje, um dos problemas mais graves do morro, a violência que só vem crescendo com a acentuação das desigualdades sociais.

Música nº 2:             Quando o morcego doar sangue Bezerra da Silva

Para tirar meu Brasil dessa baderna
Para tirar meu Brasil dessa baderna
Só quando o morcego doar sangue
E o saci cruzar as pernas
Só quando o morcego doar sangue
E o saci cruzar as pernas

Toda nossa esperança é somente lembrança do passado
A alta cúpula vive contagiada pelo micróbio da corrupção
O povo nunca tem razão, estando bom ou ruim o clima
Somente quem está por cima é a tal dívida externa
E o malandro que faz aquele empréstimo
E leva os vinte por cento dela para tirar!

REFRÃO

Já não há alegria de noite e de dia a tristeza não pára
A vida custando os olhos da cara
E não temos dinheiro para comprar
Quem governa o país é muito feliz, não se preocupa
Tem tudo de graça, não esquenta a cuca
 E o custo de vida só sabe aumentar

REFRÃO

Antigamente governavam decente, sem sacrilégio.
Hoje são indecentes, cheios de privilégio.
É só caô caô pra cima do povo
Promessa de um Brasil novo
E uma política moderna
Mas só quando o morcego doar sangue
E o saci cruzar as pernas.

Análise:

Considerações Finais

A discordância entre autores não se restringe apenas a questão da origem do gênero samba. Francisco Guimarães afirma que o crescimento da indústria fonográfica prejudica o núcleo identitário básico do samba. Edigar de Alencar critica a comercialização desenfreada afirmando que os artistas ficam mais preocupados em vender suas produções do que produzir música feita apenas pelo gosto. Assim, o samba perde seu caráter despreocupado e ingênuo, passando a ser dirigido, feito de forma a tentar agradar uma clientela.

Já Orestes Barbosa via no rádio e na televisão grandes aliados na formação e difusão deste gênero no país.


Autor: Juvenal Martins Neto


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