Os Cabras da Peste



Os cabras da peste

– Cabra! vou te contar uma coisa – disse o homemrevelando nas feições e no sotaque sua condição de nordestino. Puxou as calças pela cinta, afundou a camisa dentro do rego, se aprontando para narrar um "causo". Disse que conheceu um tipo mequetrefe tão rato que o próprio suor do maldito transmitia a peste bubônica.

– Imagine os danos da urina do peçonhento. Não é que o bicho imitava em tudo um camundongo, mandava a paciência de qualquer um pro esgoto. E quando conseguia o intento chorava de rir de tanto gargalhar, lhe era muito prazeroso ver a desgraça alheia – falava o cabra, enquanto baforava a fumaça de seu rústico cigarro, feito com fumo de corda.

Entre uma fumaçada e outra, a pausa para jogar cachaça na goela, fazer uma cara feia, que ficava mais horrível quando levava as mãos até a boca para secar a pinga que vazava da boca, furada a bala. Não que o maldito tentou desgraçar a minha vida com um despacho feito numa encruzilhada. Mas a galinhazinha preta, o charuto e a cachaça comprada eram tão capenga, que o mau nem chegou perto de mim. – Felicidade de homem de fé é que coisa ruim não nos alcança, e o corpo fechado não deixa essas tranqueiras entrarem – falou o nordestino comemorando a fracassada empreitada com mais um gole de pinga.

Um outro próximo a ele que acompanhava a conversa tratando de afinar o papel para um cigarrinho de fumo entrou na demanda. – Cabra, se eu pego um rato desse não furo na bala não. Meto o aço no rato para ver o sangue do canalha me escorrer pelas mãos, e fico sem lavar elas pelo menos um mês, porque quem tira essas pessoas que só fazem peso na terra tão fazendo um trabalho pra o nosso Santo Padim Ciço. Já despachei muito chibungo por coisa bem pequena – E se calou no silêncio do cigarro já pronto, que levou à boca

- Gostei da aprochegada do amigo na questão e digo, sinceramente, por essa luz que me alumia se não fosse presidente da Sociedade Protetora dos Animais fazia tudo isso com o merdinha. Tenho que dar bom exemplo. São os ossos desse oficio penoso que entrei a mando da mulher depois que mataram umas galinhas e uns cabritos dela. Ela disse que alguém tinha que fazer Justiça nessa terra de Nosso Deus. E a conversa foi correndo regada a ódio guardado, ódio arregaçado, muita cachaça, carne de sol e crença.


Autor: Valmir Barros


Artigos Relacionados


Efemeridade

O Bêbado Da Praça

O Doutor E O Caboclo

Recado

Chaves Espirituais

A Dança Da Serpente

Suicida