Efeitos Do Descumprimento Da Transação Penal



SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Descumprimento da Transação Penal; 2.1. Efeitos do Descumprimento da Ação Penal; 3. Conclusão; 4. Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O Instituto da Transação Penal foi introduzido na Legislação Pátria, pela Lei nº 9.099/95, tomando como norte o princípio da reparação do dano e não da punição do infrator. Após seu surgimento, vêm sendo travados vários embates no tocante as alterações sofridas na forma de aplicação da pena dos crimes de menor potencial ofensivo no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

Transação significa segundo o Aurélio ato ou efeito de transigir; combinação, ajuste ou operação comercial. Definição simples que permite uma análise mais ampla da natureza a ser apresentada.

A transação penal nada mais é do que uma negociação, sendo considerada um direito subjetivo do acusado. O problema surge com a possibilidade de uma antecipação da pena sem o direito de defesa e pela impossibilidade do réu manifestar-se livremente, sem coação ou ameaça à sua vontade.

O Instituto da Transação Penal é originado do sistema Anglo-Saxão, da Common Law e foi trazido ao Brasil por uma norma constitucional de eficácia limitada através do art. 98 da Constituição Federal de 1988, o que fez com que o país acompanhasse uma nova tendência mundial.

O desafogamento e a celeridade da Justiça são fatores positivos da transação penal nos Juizados Especiais Criminais, possibilitando ao Estado utilizar de forma veemente sua estrutura para perseguir crimes de maior potencial ofensivo.

É importante avaliar os aspectos constitucionais, bem como qual o momento correto da transação, estabelecendo ainda o que deve ocorrer caso o acusado descumpra a transação penal.

A Lei nº 9.099/95 não diz qual medida deve ser tomada nas hipóteses de descumprimento da transação penal, sendo este o escopo do presente trabalho, que visa dar uma visão mais clara da medida adotada pelo Poder Judiciário.

2. DESCUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL

Como já exposto, a Lei nº 9.099/95 inaugura no cenário nacional modificações na seara penal e processual penal. A despenalização e a busca pela resolução consensual dos conflitos adentram na ordem do dia.

O art. 76 da referida lei nos brindou com um instituto jurídico até então desconhecido. Caracterizada como medida despenalizadora, um verdadeiro benefício legal concedido aos autores de delitos de menor potencialidade lesiva, a transação penal está perfeitamente adequada a crescente idéia de não ter a pena privativa de liberdade como última solução no sistema repressivo. Ele veio em total sintonia com os princípios da Lex Fundamentallis de 1988 e apresenta-se hoje como a mais importante forma de despenalizar, sem descriminalizar.

De fato, a importância do instituto é indiscutível, merecendo aplausos de todos os operadores do direito. Acontece que, a mesma lei que o incorporou no ordenamento, esqueceu-se de regulamentar situações obvias referente à aplicação do instituto, que, diga-se de passagem, é corriqueiro do nosso legislador. 

A questão das lacunas legislativas torna-se gritante no que se refere ao descumprimento da transação penal, como bem observa Emerson Pinto Pinheiro:

A Lei dos Juizados Especiais Criminais é omissa a esse respeito, bem como a Lei nº 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Federais), que, na verdade, nada mais fez do que ampliar o âmbito de incidência da legislação anterior.

Diante da lacuna, surge na doutrina uma imensa querela referente aos efeitos do inadimplemento da transação, e esse é justamente o foco do presente trabalho.

2.1 EFEITOS DO DESCUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL

Para desenvolver esse tópico, urge-nos questionar a natureza jurídica da transação penal, pois é justamente aí que se balizam os estudiosos do tema para defender suas posições. Nesse sentido, conforme seja essa ou aquela a natureza jurídica do instituto, parte-se para a execução da pena imposta ou dar-se prosseguimento do feito com a denúncia e uma conseqüente instrução criminal.

Antes, porém, temos que diferenciar o instituto da transação trazido pela Lei nº 9.099/95, do plea bargaining e do guilty plea advindo do direito alienígena. O plea barnaining, pode ser aplicado em qualquer processo criminal e possui uma amplitude inconfundível, como observa Damásio de Jesus:

... o Ministério Público e a defesa podem transacionar amplamente sobre a conduta, fatos, adequação típica e pena (acordo penal amplo), aplicando-se a qualquer delito e podendo ser feito extrajudicialmente.

Já o instituto pátrio não comporta essa amplitude desvairada, afinal, a proposta de transação penal feita em audiência pelo Ministério Público diz respeito, somente, a determinados delitos considerados de menor potencial ofensivo. No que tange ao guilty plea, fica mais fácil ainda evidenciar as diferenças dos institutos. Ele representa um autêntico reconhecimento de culpa sem processo. Aqui novamente Damásio de Jesus: não há transação, concordando o réu com a acusação. Admitindo a defesa a imputação, há julgamento imediato sem processo.

Sem dúvida alguma, existem nesses casos, ofensas aos mais óbvios direitos fundamentais do acusado. É instituto diverso da transação penal, haja vista que aqui, não há reconhecimento de culpa pelo acusado não sendo necessário para a efetivação da transação que ele abra mão de seus direitos (que não poderia fazê-los por serem indisponíveis) para confessar autoria e materialidade.   

Vejamos que quando a transação penal é proposta pelo Ministério Público, ela deve seguir os parâmetros do art. 68 do Código Penal, não ficando em momento algum ao livre arbítrio do membro do parquet. Não é por menos que alguns, com os quais concordamos, afirmam ser essa uma proposta de discricionariedade regrada. Isso ocorre pelo fato de haver uma apreciação a posteriori da proposta formulada e aceita pelo suposto autor do fato. Tudo que fora afirmado coaduna-se com o bojo do art. 93 da Constituição Federal de 1988. Nesse dispositivo, todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade .... O Ministério Público, por seus órgãos de execução, também tem o dever de fundamentar suas manifestações.

Uma vez aceita a transação penal pelo suposto autor do delito e seu advogado, esta é submetida ao crivo do juiz para que sejam verificadas as bases legais da medida, e estando tudo em ordem, prosseguir na aplicação da medida não privativa de liberdade. Atente-se que nesse momento o magistrado não influi nem se vincula a proposta formulada e acordada, somente se manifestando sobre a obediência aos parâmetros legais.

Até aí, não há nada que nos permita uma verticalização temática. O problema surgirá no momento em que essa transação proposta pelo Ministério Público e aceita pelo suposto autor do fato é descumprida. Toda essa problemática existe justamente por haver grande vacilação doutrinária acerca da natureza jurídica da transação penal. Todos esses dissensos repercutem negativamente no princípio da segurança jurídica, mitigando de um lado a efetividade da justiça penal e de outro os direitos fundamentais do acusado. E é justamente esclarecendo a natureza jurídica do instituto que o problema pode ser resolvido.

Basicamente, a doutrina se divide entre aqueles que vêem na transação penal uma sentença penal condenatória que, obedecendo ao devido processo legal nos termos da Constituição Federal de 1988 faz coisa julgada material e formal, dando azo à execução acaso seja descumprida. E de outro lado, estão aqueles que vêem no instituto uma sentença meramente declaratória não sendo possível a execução acaso seja descumprida. Nesse último caso torna-se necessário o oferecimento da denúncia seguida de toda a instrução criminal obedecendo, por conseguinte o devido processo legal.

Defendo a primeira corrente temos o promotor de justiça Elmir Duclerc que na esteira de Geraldo Prado e Luiz Gustavo Grandinelli Carvalho diz que:

Se a transação penal é exercício de ação, então o que se sucede a ela é processo e sua homologação corresponde a uma decisão jurisdicional de mérito, que faz coisa julgada, portanto, e está sujeita a recurso de apelação, nos termos do art. 76 § 5.

Com entendimento parecido, Afrânio Silva Jardim diz que:

Quando o Ministério Público apresenta em juízo proposta de aplicação de pena não-privativa de liberdade, prevista no art. 76, da Lei n.º 9.099/95, estará ele exercendo ação penal, pois deverá, ainda que de maneira informal e oral como a denúncia fazer uma imputação ao autor do fato e pedir a aplicação de uma pena, embora esta aplicação imediata fique na dependência do assentimento do réu. Em outras palavras, o Promotor de Justiça terá de, oralmente como na denúncia, descrever e atribuir ao autor do fato uma conduta típica, ilícita e culpável, individualizando-se no tempo (prescrição) e no espaço (competência de foro). Deverá, outrossim, a nível de tipicidade, demonstrar que tal ação ou omissão caracteriza uma infração de menor potencial ofensivo, (competência de juízo), segundo a definição legal (art. 61). Vale dizer, na proposta se encontra embutida uma acusação penal (imputação mais pedido de aplicação de pena).

Em se tratando de sentença penal condenatória, em caso de descumprimento, admite-se a aplicação da execução da pena, pois considerando que quando o Ministério Público faz a proposta de transação penal, já existe uma ação penal, e a sentença proveniente dessa ação, faz coisa julgada material e formal.

Nesse sentido, tem-se o entendimento jurisprudencial do STJ, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. Havendo transação penal homologada e aplicada a pena de multa, não sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei 9.099/95 com o art. 51 do CP, com a conseqüente inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser executada pelas vias próprias (...). (Resp nº 172.951 SP; Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca; DJ 31/05/99).

De outro lado, conforme já exposto, temos aqueles que vêem na sentença que homologa a transação penal uma sentença meramente declaratória, pois a proposta feita pelo Ministério Público não dá início sequer a ação penal. Nesse sentido, preleciona Ada Pelegrinne Grinover:

Por isso, o legislador não admite que a proposta de transação penal verse sobre a aplicação de pena privativa de liberdade, mesmo reduzida, e mesmo que esta seja a única prevista em abstrato. Afinal, estamos perante uma fase administrativa em que não há sequer acusação, o processo jurisdicional não se iniciou, não se sabe se o acusado, neste, seria absolvido ou condenado. Ainda nos situamos fora do âmbito do direito penal punitivo, de seus esquemas e critérios. (2 ed. Ed. RT pg. 135)

Sendo assim, havendo o descumprimento da transação penal, deve o Ministério Público iniciar a ação penal, ora inexistente, mediante o oferecimento da denúncia. Isso porque, acaso haja a execução direta da pena, estaríamos violando flagrantemente o devido processo legal.

Assim, fica clara a impossibilidade de execução da pena imposta pela transação penal, haja vista a inexistência de processo penal e, sem este, torna-se impossível assegurar ao acusado o direito ao Devido Processo Legal. Não é demais assinalar, conforme Paulo Rangel, que o Princípio do Devido Processo Legal ... significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for) ou para que alguém seja privado de seus bens. Na mesma obra, Paulo Rangel, invoca o sábio pensamento do mestre Ruy Barbosa, afirmando que não há pena sem processo nem processo senão pela Justiça. Tal corrente, não discrepa do atual entendimento do STF, in litteris:

HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da
garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez
descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.
(Segunda Turma, Min. rel. Marco Aurélio, HC 79572, DJ: 22/02/02).

3. CONCLUSÃO

Sempre que alguma alteração no ordenamento jurídico de uma nação inova, surgem divergências e dúvidas. Essas discussões ficam mais acirradas ainda quando esse novo arcabouço doutrinário traz em seu bojo novos institutos, e pioram no momento em que esses institutos são lacunosos, deixando aberto para os operadores do direito preencher suas lacunas. Foi exatamente isso que ocorreu com o instituto da transação penal no que concerne o seu descumprimento, como ficou demonstrado ao longo do presente trabalho.

Expomos os setores da doutrina que se posicionaram sobre o tema. De um lado vimos que existem aqueles que acreditam na execução imediata do que foi transacionado acaso ocorra o seu descumprimento e de outro há aqueles que acreditam ser a transação um ato administrativo homologado pelo magistrado e assim sendo não pode ser executado de imediato, mas somente dar ensejo ao inicio do processo penal pela denúncia oferecida pelo Ministério Publico.

Acreditamos ser salutar a discussão doutrinaria, e respeitamos o posicionamento daqueles que discordamos. O que não podemos permitir é que sob o pretexto da lacuna deixada pelo legislador subverta-se o sistema constitucional que em qualquer hipótese tem que ser tido como norte.

Nesse sentido, nossa conclusão não pode ser diferente do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Como guardião da Constituição Federal, o órgão máximo do nosso judiciário vislumbra a defesa dos princípios inseridos na Carta Magna e assim defende que, ante o descumprimento da transação penal, o Ministério Publico deverá oferecer a denúncia dando inicio a persecução penal, e esse sem dúvidas é o nosso entendimento acerca do tema, afinal, só desta forma estará sendo respeitado o devido processo legal e, por conseguinte, o contraditório e a ampla defesa.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. Processo Penal e Constituição. 4. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 

DUCLERC, Elmir. Direito Processual Penal. Vol. I, 2 ed.,  Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. 

GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal. 9. ed., São Paulo: RT, 2006.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed., pg. 127-128. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

PINHEIRO, Emerson Pinto. Efeitos do descumprimento da transação penal: interpretação jurisprudencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 766, 9 ago. 2005. Disponível em: . Acesso em:

20 out. 2006.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. Pg. 3.

SALIBA, Marcelo Gonçalves. Descumprimento da transação penal e detração. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 722, 27 jun. 2005. Disponível em: . Acesso em:

20 out. 2006.


Autor: Rafael Cohim


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