A Inconstitucionalidade Da Limitação Quantitativa Dos Créditos Trabalhistas Na Nova Lei De Falências



A palavra princípio tem origem no latim principium e tem como significado o “conjunto de regras e preceitos que se fixam para servir de alicerce das normas que formam o Direito”. (MIRABETE, 2005, p. 30)

A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, em seu artigo 8º consagra a função integrativa dos Princípios Gerais do Direito ao salientar sua aplicação somente para casos em que há omissão legal ou contratual, ou em situações em que deva orientar a compreensão, nos casos de lacunas, ou na necessidade de uma interpretação da lei.

Assim como a equidade e a analogia, os princípios completam o ordenamento jurídico em suas lacunas, como define o artigo 4º da LICC. “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

O estudo principiológico se faz necessário neste trabalho, visto que a LFR viola vários princípios basilares do Direito do Trabalho, assim remete-se a lição do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 1994, p. 451)

Dessa forma fica evidente o quão grave é quando uma norma infringe um princípio já sedimentado, demonstrando assim a necessidade da intervenção do Poder Judiciário por seus órgãos competentes afim de sanar vícios que permeiam o ordenamento jurídico.

2.1- PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Este princípio parte da premissa que, como o empregador é detentor do poder econômico, assim ficando em uma situação privilegiada, ao empregado será conferida uma vantagem jurídica, a qual buscará equalizar esta diferença, objetivando assim atenuar no plano jurídico, o desequilíbrio sócio econômico inerente ao plano fático do contrato de trabalho.

Este princípio ainda se desdobra em outros três, que será analisado a seguir.

2.1.1 -“In Dúbio pro Operário”

Assim como no Direito Penal há a figura do “in dubio pro reu”, no Direito do Trabalho encontra-se o “in dubio pro operario”, que em muitas doutrinas, está sobre a terminologia “in dubio pro misero”, significando que nos casos de dúvida, o aplicador da lei deverá aplicá-la de maneira mais favorável ao empregado.

Porém é necessário salientar que este princípio não deverá ser aplicado nos casos em que a sua utilização afrontar claramente a vontade do legislador, ou versar sobre matéria da qual será necessária apreciação de provas. Dessa forma se aplicará conforme disposto nos artigo 330 do CPC e artigo 818 da CLT.

2.1.2 - Princípio da Condição Mais Benéfica.

Este princípio é uma aplicação do princípio constitucional do direito adquirido, esculpido no artigo 5º da CF/88:

Art. 5ª,[...]XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

Assim o trabalhador que já conquistou um direito não poderá ter seu direito atingido, mesmo que sobrevenha uma cláusula contratual nova que não lhe seja favorável.

Este princípio estabelece que cláusulas contratuais benéficas só poderão ser suprimidas em casos de edição de nova cláusula, portanto, posterior mais benéfica ainda, caso contrário, esta não poderá entrar em vigor no contrato de trabalho ou regulamento da empresa.

Sobre esta matéria tem-se a súmula 51 do TST, que afirma o seguinte:

Súmula-51 - Norma Regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Artigo 468 da CLT.

I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.

2.1.3. Princípio da Aplicação da Norma Mais Favorável

Na hipótese de haver duas ou mais normas justrabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior, sendo aplicada ao caso concreto, a que ofereça maiores vantagens ao trabalhador, salvo no caso de leis proibitivas do Estado.

Amauri Mascaro Nascimento salienta que:

Resulta do pluralismo do direito do trabalho, que é constituído de normas estatais e dos grupos sociais; da finalidade do direito do trabalho, que é a disciplina das relações de trabalho, segundo um princípio de melhoria das condições sociais do trabalhador com características marcadamente protecionistas, como expressão de justiça social; e da razoabilidade que deve presidir a atuação do intérprete perante o problema social. (NASCIMENTO, 1999, p. 232)

Este princípio foi desdobrado em:

2.1.3.1. Princípio da elaboração de normas mais favoráveis

Vem ditar ao legislador que este, ao elaborar uma lei, deve analisar seus reflexos e visar melhorias para as condições sociais e de trabalho do empregado.

2.1.3.2. - Princípio da hierarquia das normas jurídicas

Ao contrário do direito comum, no direito pátrio, a pirâmide que se forma entre as normas terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador.

Observe-se que, independentemente da hierarquia das normas jurídicas, deverá ser aplicada sempre a mais benéfica ao trabalhador. Assim, se em uma convenção ficar decidido que as férias serão de 45 dias, assim ocorrerá, mesmo que na CF esteja disposto apenas 30 dias.

Ressalta-se que existe uma exceção a esta regra, que são as normas de caráter proibitivo, que não são abrangidas pela eficácia de tal princípio.

2.1.3.3 - Princípio da interpretação mais favorável

Quando existir uma obscuridade no texto legal deverá se aplicar a lei que melhor acomodar os interesses do trabalhador. A interpretação sempre deverá ser de forma que se venha proteger os direitos dos trabalhadores.

2.2- PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Este princípio está bem claro no artigo 9º da CLT, combinado com o artigo 7º VI da CF/88, que, aliás, traz a única ressalva a este princípio:

Art. 9º CLT - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Art. 7.º CF - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

[...]

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

2.3 – PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE

Este princípio faz referência ao princípio da verdade real, que está no Direito Processual Penal. Sua aplicação no Direito do Trabalho vem demonstrar a maior valoração do fato real em relação àquilo que consta em documentos formais.

Guilherme Guimarães Feliciano, juiz do Trabalho da 15ª Região, salienta que:

Em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle. (FELICIANO, 2005, p. 1)

Assim, independentemente do que fica pactuado em contratos, o que vale para análise, é a situação factual que acontece na constância do vínculo empregaticio.

2.4 - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Este princípio determina que salvo prova em contrário, presume-se que o trabalho terá validade por tempo indeterminado. As exceções serão os contratos por prazo determinado e os trabalhos temporários.

Súmula 212 TST: Despedimento. Ônus da prova - O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Como conseqüência deste princípio tem-se o princípio da proibição da despedida arbitrária ou sem causa, conforme dispõe o artigo 7º, inciso I da CF/ 88:

Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

2.5. O PRINCÍPIO DA LEI MAIS BENÉFICA E A HIERARQUIA DAS NORMAS.

Como supracitado, há um conflito aparente de normas entre a CLT e LRF no ordenamento jurídico brasileiro. O governo, defendendo seu posicionamento, considera revogado o artigo 449, § 1o da CLT, em decorrência do disposto no artigo 83 inciso I da LRF, que estabelece a limitação dos créditos trabalhistas.

Já as entidades de classe defendem a CLT ao não concordarem que uma lei referente ao Direito de Falências venha revogar direitos já garantidos aos trabalhadores em um diploma especializado na matéria.

Criou-se assim uma situação de instabilidade jurídica, pela qual duas normas que dispõem sobre o mesmo assunto, mas são contrarias entre si. Tem-se aqui um exemplo clássico de antinomia jurídica.

Não há, assim, contradição inconciliável entre as regras heterônimas estatais e regras autônomas privadas coletivas (entre o Direito do Estado e o Direito dos grupos sociais ), mas uma espécie de harmoniosa concorrência: a norma que disciplinar uma dada relação de modo mais benéfico ao trabalhador, prevalecerá sobre as demais , sem derrogação permanente, mas mero preterimento, na situação concreta enfocada. (DELGADO, 2004 , p.178)

O autor ainda faz uma ressalva sobre qual momento o Direito Comum prevalece sobre o Direito do Trabalho.

Há, entretanto, limites a essa incidência desse critério hierárquico especial ao direito do trabalho – fronteira a partir da qual mesmo no ramo justrabalhista se respeita o critério rígido e inflexível do Direito Comum. Tais limites encontram-se nas normas proibitivas oriundas do Estado. De fato, o critério justrabalhista especial não prevalecerá ante normas heterônomas estatais proibitivas, que sempre preservarão sua preponderância, dado revestirem-se do imperium específico a entidade estatal. Tais normas – como dito – encouraçam-se em sua incidência de um inarredável matiz soberano. (DELGADO, 2004 , p.178)

A corrente que se mostra mais sensata é aquela defendida pelas entidades de classe que representam os trabalhadores, visto que baseiam sua argumentação no princípio norteador do Direito do Trabalho Contemporâneo que é o da Norma Mais Favorável ao Trabalhador.

Neste princípio tem-se que o vértice da pirâmide hierárquica do direito do trabalho será sempre variável, para que assim possibilite a ascensão de uma nova norma que venha estabelecer melhor condição socioeconômica para o trabalhador.

Esta estrutura hierárquica não se enquadra nos moldes ditados ao direito comum, defendidos por Hans Kelsen, no qual no ápice da pirâmide se encontra definitivamente a Constituição Federal.

Maurício Godinho Delgado explica que na aplicação da norma mais favorável, utiliza-se a teoria do conglobamento, a qual vislumbra que o “parâmetro da coletividade interessada ou trabalhadora objetivamente considerado como membro de uma categoria ou seguimento, inserido em um quadro de natureza global”. (GODINHO, 2003, p.183).

Neste mesmo sentido tem-se Amauri Mascaro Nascimento que diz:

O conglobamento, que quer dizer consideração global ou de conjunto - critério que Deveali chama de orgânico porque respeita cada regime em sua unidade integral, não o decompondo com o que fica excluída a possibilidade de aplicação simultânea de regimes diferentes, foi valorizado pela doutrina italiana, afirmando Barassi que a regulamentação convencional constitui um todo inseparável que não pode ser tomado isoladamente.[...] Nesse caso há uma "acumulação de matérias", independentemente do tipo de norma, estatal ou profissional, que as contém. Organiza-se o instrumental "ratione materiae" para extrair-se a mais benéfica, porém sem desprezo à prevalência da norma especial sobre a geral. (NASCIMENTO, 1999, p. 236)

Plá Rodrigues citado por Amauri Mascaro Nascimento também faz a seguinte conclusão sobre a teoria do conglobamento: "O conjunto que se leva em conta para estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria, que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior".(NASCIMENTO, 1999, p. 236)

Diante do que foi supracitado, fica latente que a limitação de créditos vem cercear o direito do trabalhador de receber a integralidade do que lhe é devido. Desta feita não é possível vislumbrar em momento algum situação em que a LFR pode ser tratada como norma benéfica para a classe trabalhadora, chegando até ao disparate de o nivelar os saldos dos 150 salários mínimos aos créditos quirografários.

Neste sentido tem-se jurisprudências que tratam do tema:

FALÊNCIA – crédito trabalhista – declaração pela Justiça do Trabalho – Correção monetária – sentença que limitou sua incidência ate a data da quebra – Inadmissibilidade – Ademais, credito privilegiado que não pode ser nivelado ao quirografario – Determinada a incidência da correção monetária ate a data do pagamento pela massa falida. Credito trabalhista habilitado em falência, decorrente de decisão emanada da Justiça do Trabalho, deve ser corrigido monetariamente ate a data do efetivo pagamento pela massa falida, seja porque e credito privilegiado. (TJSP, RT, 726/226).

2.6. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Para justificar o posicionamento de que a LRF não se sobrepõe ao disposto na CLT, basea-se também no princípio da proporcionalidade, o qual tem como intuito colocar limites e neutralizar o Poder Público, no que tange às suas atividades administrativas, legislativas e regulamentares.

De Plácido e Silva conceitua como sendo:

Refere-se a adequação que deve existir entre a ação e o resultado ou entre os valores protegidos pelas normas jurídicas. E o critério de interpretação axiológica, quando se põem em confronto valores diversos, devendo o intérprete optar pelo valor que se mostra com maior densidade ou importância.(PLÁCIDO E SILVA, 2005, p.1114)

Gilmar Ferreira Mendes citado por Marcelo Papaléo ensina que tal princípio deve ser utilizado para a observância de determinados requisitos os quais pressupõem:

[...] não só de a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos [...] e a necessidade de sua utilização [...], de tal modo que um juízo definitivo sobre proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador[...]. (SOUZA, 2006, p.233)

O princípio da proporcionalidade (Verhältnismassigkeitsgrundsatz) teve origem na Alemanha e nasceu no Direito Administrativo, mas a partir de 1949 alcançou seu reconhecimento pela doutrina e jurisprudência no campo do Direito Constitucional. Este princípio não está expresso na carta magna de 1988, mas se encontra implícito em diversos artigos, como por exemplo, no 138, 173 dentre outros...

O artigo 83, inciso I da LRF fere os preceitos garantidos no direito dos trabalhadores, os quais estão assegurados no artigo 7º e incisos, e os valores sociais do trabalho que estão no artigo 1o da CF, e também os diretos sociais artigos 6 a 11 da CF.da Constituição Federal de 1988.

Observa-se que a lei acaba protegendo os demais créditos, dentre eles os bancários, em detrimento da classe trabalhadora, não sendo assim nem razoável muito menos justa, restringir uma garantia constitucional, principalmente por se tratar de créditos com caráter estritamente alimentar. Nelson Nery Júnior ensina que “toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é contrária e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.” (NERY JUNIOR, 2004, p.56)

Neste mesmo sentido tem-se Marcelo Papaléo que justifica da seguinte forma:

 Devem ser protegidos os direitos sociais contra qualquer modalidade de legislação ou regulamentação que se reveste opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Tal norma se revela com vicio da não-razoabilidade, configurando excesso de poder e desrespeito a norma constitucional. (SOUZA, 2006, p.234)

Após o estudo de tais princípios, analisar-se-á adiante o pilar do trabalho, que é provar a inconstitucionalidade do artigo 83, I da LFR, aplicando o que já foi estudado neste capítulo, para demonstrar a incompatibilidade jurídica da norma supramencionada.


Autor: Nayron Divino Toledo Malheiros


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