O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS



Toda a história do homem deixa claro sua tendência de se utilizar do poder de forma descomedida. Ao entender que não está sozinho; que habita e divide o mesmo espaço que outros começa a viver a incerteza.

A insegura se manifesta nas incertezas, desta forma, sente a necessidade de proteção. Deposita nas mãos de outro que conduzirá fortemente a vida de todos.

Assim, o homem que recebe dos outros todo o poder, precisa mantê-lo. Como ser descomedido que é; parte em busca de um meio de preservar o poder. E este meio foi à criação de regras. Todavia, as regras são quebradas, como evitar?

Neste cenário surgem as penas. O direito de punir, se manifesta pela reunião de todas as pequenas parcelas de poder que foi atribuído a um só homem, no intuito de que em posse de um grande poder, trabalhasse para a certeza dos demais.

Entendido assim, o direito de punir é resultado de um contrato, em que o legitimado a usar esse poder dever, deve fazê-lo em nome de todos. O desvio de sua finalidade constituiu injustiça.

Depreende-se do até aqui explicitado, que as penas deverão ter um propósito certo.

Assim, o encarregado de aplicar a pena ao desregrado, não poderá jamais criar ou majorar o castigo deste, nem mesmo sob o pretexto de estar agindo em prol do bem comum.

O legitimado que tem todo poder depositado em suas mãos deverá sempre respeitar o limite proposto pelos verdadeiros detentores desse poder. Há uma nítida e necessária intervenção de maneira mínima.

Com a evolução trazida pelo desenvolvimento das cidades, o controle da manutenção do poder tornou-se impraticável, exigindo do descomedido maiores soluções.

A busca pelo controle da situação é realizada por meio de opressão, segregação e penas, sem atenção a ingerência mínima que é um dos deveres que tem o Estado para com os indivíduos.

Porém, este dever se traduziu em falta de administração político-criminal e agora a pena de prisão no Brasil, após sofrer um inretornável colapso, "morreu". A pena de prisão se encontra incapaz de devolver o infrator ao convívio social.

A aplicação de pena prisão é sinônimo de indignidade, maus tratos, supressão de direitos fundamentais.

Neste cenário surge a necessidade de abolir o modelo de pena de prisão existente no Brasil, firmando-se a manutenção da dignidade humana.

É dever de toda sociedade pensar em soluções alternativas para a total supressão da prisão como pena, firmando-se de vez com a dignidade do ser humano, que se encontra diretamente sujeito ao estado de degradação que são as penitenciárias e casas de custódia no Brasil.

Após a promulgação da Constituição brasileira em 1988, e a implantação do Estado Democrático de Direito, não há como prosseguir sem atenção aos princípios da dignidade humana e as garantias fundamentais.

A realidade social brasileira não permite a execução da maioria dos dispositivos constantes da Lei de Execução Penal. Apesar de anterior à atual Constituição Federal, aquele texto legal traz em seu bojo meios que primam pela dignidade da pessoa humana.

A pena de prisão foi deixada a sua própria sorte por falta de efetiva administração político-criminal, porém, precisa ser revista, para conseguir cumprir o seu papel, qual seja, de conferir segurança à sociedade.

Diante da assustadora realidade, mais uma vez, a participação da sociedade deve ser invocada, como forma de solução para problema.

Com base na teoria da intervenção mínima institutos como a descriminalização, a descaracterização e despenalização, vêm se destacando como efetiva solução para o problema; visando à diminuição dos tipos penais, e das penas em abstrato, logo reduzindo as penas privativas de liberdade.

3. O PRINCÍPIO DO LESS ELIGIBILITY

Se colocarmos em comparação a história dos delitos e das penas, certamente as penas conseguem superar no quesito horror e destruição, isto por que os delitos nem de longe conseguiram produzir tanta violência como as penas. A violência provocada pelos delitos é em regra ocasional, de repente, enquanto que a violência ofertada pelas penas é premeditada, um preparo consciente.

Na organização das penas há a conduta de muitos contra poucos, ou até mesmo contra um. A pena como defesa social, em toda a sua história, está longe de ter conseguido o fim por ela proposto.

A pena de prisão sempre significou colocar o criminoso em lugar desprezível, aquém das condições de vida do mais pobre da sociedade.

"Para que o castigo produza o efeito que se deve esperar dele, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime" (FOULCAULT, 2007, p. 79).

Tal pensamento tem fundamento no principio da less eligibility[1], ou seja, o ambiente prisional deve expor o apenado a uma vivência inferior àquela que é sentida pelas classes mais impossibilitadas economicamente de uma sociedade.

Pelo fundamento deste princípio, assim deve ser, sob pena de que se o ambiente prisional não oferecesse condições horríveis ao apenado, não sortiria o efeito desejado, ou seja, a intimidação que a prisão deve dar.

Dentro do contexto histórico das penas, o surgimento do less eligibility explica o rotineiro uso da mão de obra dos presos.

A classe trabalhadora tem uma repentina alta de patrão de vida, propiciada pelo aumento dos salários, devido à escassez de mão de obra, (XVI e XVII). Nada mais revitalizante ao capitalismo que um sistema punitivo que garantisse mão de obra, e ainda sem remuneração.

Eis o princípio do less eligibility: o tratamento dispensado ao apenado era baseado na exploração pelo trabalho, e suas condições inferiores as dos trabalhadores assalariados.

Desta forma, é fácil concluir que o sistema prisional brasileiro deita seus princípios no less eligibility. A realidade social e econômica das prisões do Brasil é a prova concreta de que a legitimação do controle social continua sendo exercida por uma minoria (representativa do capitalismo como no século XVI e XVII) sobre muitos.

Todo o sistema tomou um rumo sem volta, pois houve a nítida separação entre indivíduo e sociedade. Porém, o que é a sociedade senão o conjunto dos indivíduos. Considerável anotação se faz necessária:

"Uma outra notável usança hebraica é o bando (herem), com o qual um pescador ímpio, ou então inimigos da comunidade e do seu Deus, eram votados a uma total destruição. O bando é uma forma de consagração à divindade, e é por isto que o verbo "banir" é às vezes vertido como consagrar (...). Nos tempos mais antigos do Hebraísmo, ele implicava, porém, a completa destruição não somente da pessoa, mas de suas propriedades..." (AGAMBEN, apud SMITH, 2004, p. 84).

Sem um ideal concreto de segurança e eficácia da prisão como pena a consciência do papel que cada qual tem na sociedade, acaba se desvirtuando e o indivíduo passa de forma descontrola a combater o mal, ou a violência a qualquer preço, num momento em que já nem sabe o que é o mal, o que é a violência.

Assim, no intuito de proteger e assegurar a coletividade, a sentença de morte é assinada, e mais uma vez o ilustre assassino tem licença para atuar. Há um momento em que o mal é a bandeira em nome da preservação da paz; por isso, pela segurança é necessário aniquilar os apenados, julgando serem prisões horrendas e degradantes do físico e da moral a única possibilidade de intimidá-los a não delinqüir.

A violência nas prisões e delegacias tornou-se um meio necessário segundo a cultura brasileira, para manutenção da ordem, ou mesmo por uma questão de imposição, sob pena de deixar os delinqüentes mal acostumados. Talvez seja este um das explicações do porque dificilmente autoridades que exercem ou já exerceram algum tipo de arbitrariedade não são punidos.

Sob a ótica do princípio da less eligibility, autoridades que praticam atos de violência em relação aos apenados são "heróis", pois defendem a sociedade destes seres "matáveis".

Pode-se concluir que no contexto social e econômico em que se encontra o Brasil, nada justificaria a implantação de locais prisionais de acordo com o exigido pelas normas internacionais de direitos humanos.

É claro que não há como aceitar esta situação resignadamente, pois muito há que ser feito. As normas internacionais de direitos humanos é ordem a ser respeitada. Muitas mudanças já aconteceram, houve focos de normatização visando aperfeiçoar a eficiência do sistema prisional brasileiro, no entanto, está muito aquém de realizar o mínimo desejável.

Atualmente o que tem acontecido são explicações fundamentadas no fato de a lei ordinária estar sendo posta em prática, no entanto a Lei não pode suprimir princípios constitucionais, colocando de lado a dignidade da pessoa, que é a base maior da Constituição brasileira. Não se pode permitir que a aplicação positivada da Lei faça com que pessoas tenham que permanecer em estabelecimentos ordinários e sem condições de vivência. A Lei deve ser aplicada, porém, com observância aos princípios constitucionais. Conforme transcrição vem sendo o entendimento de notáveis juristas.

"O humanismo, na seara jurídica, não depende só de Leis e de códigos. Depende de mudanças de costumes e hábitos vigentes na vida judiciária, ainda viciada pelo formalismo, pela pompa sem sentido". (HERKENHOFF, 2007, p.1).

A incapacidade em que se encontra o sistema prisional brasileiro não pode ser mantida tão somente pelo fato de que a segurança deva ser aplicada. Jamais direito iguais, poderão ser distribuídos de maneira diferente, ou seja, o direito de um indivíduo não pode prevalecer em detrimento de outro.

A segurança é necessária e se impõe, todavia, tem que ser exercida com fundamento no Estado Democrático de Direito e não com fundamento no Estado Maior[2].

O principal papel da prisão tem sido exatamente manter longe os não queridos, mesmo que para isso todo o mal e horror tenham que ser impostos.

Pelo princípio da less eligibility o lugar destinado à prisão deve ser tão indigno e assustador, que ninguém possa ser encorajado a ali desejar permanecer.

O cerne deste princípio é fazer com que até mesmo o mais desafortunado dos indivíduos esteja mais bem instalado que qualquer outro que na prisão se encontrar.

 

PODER E O SABER PENAL, O DIREITO DE PUNIR E SUAS LIGAÇÕES COM O SISTEMA CAPITALISTA.

 

A relação de poder e saber penal deve ser focada sob a hipótese de que a transformação sofrida ao longo dos tempos pelo sistema punitivo, não é resultado de uma consciência tomada pelo sentimento humanitário, mas sim uma estratégia do direito de punir exigida pela mudança de objeto[3] e objetivo[4]

O saber penal iluminista[5]deixar transparecer uma idéia lírica e necessária de que os castigos físicos devam ser banidos e odiados, no entanto, considera o homem médio, como objeto declarado deste processo, todavia, o objeto latente a ser considerado, nada mais é que o resultado de um momento histórico; onde o capitalismo dita as regras.

A mudança sofrida no grau de violência empregado nas ações delituosas traz também mudanças no grau de desumanidade das penas. Á partir do século XVIII, a tendência criminosa volta-se consideravelmente para as propriedades, deixando de lado os crimes de sangue, que tinha como alvo a própria vida.

Desta feita, o exercício criminoso segue transformações exigindo maior estratégia, e não somente a violência crua dos crimes de sangue. Toda esta mudança ocasiona inclusive transformações internas na organização criminosa.

Surge assim, mesmo que de forma camuflada o movimento que desautoriza os castigos físicos e repagina o direito de punir, direcionando-o para o caminho da "humanização". Verifica-se nítido no texto abaixo.

(...)" com as novas formas de acumulação de capital, de relações de produção e de estatuto jurídico da propriedade, todas as práticas populares que se classificavam, seja numa forma silenciosa, cotidiana, tolerada, seja numa forma violenta, na ilegalidade dos direitos, são desviadas a força para a ilegalidade dos bens. O roubo tende a se tornar a primeira das grandes escapatórias à legalidade, nesse movimento que vai de uma sociedade da apropriação jurídico-política a uma sociedade de apropriação dos meios e produtos do trabalho." (FOUCAULT, apud ANDRADE, 1997 p. 238,).

A acumulação de capital, o desenvolvimento da produção e toda mudança econômica, e por óbvio mais todas as demais resultantes destes processos, tais como multiplicação de riquezas e desenvolvimento demográfico, deram resultado a necessária passagem da criminalidade cruenta para uma criminalidade sagaz, totalmente fraudulenta.

Todavia, todos estes acontecimentos deflagraram uma constante perseguição pela segurança jurídica, que ocasionou uma significativa elevação da severidade punitiva. A visão da sociedade capitalista volta-se para proteção da propriedade, desta forma, houve uma reestruturação, jurídica, visando maior rigor punitivo.

A ilegalidade dos direitos[6] que era basicamente delito reservado às classes de menor poder aquisitivo, é separada da ilegalidade dos bens[7].

Neste momento, os papéis se alteram a ilegalidade dos bens passa a ser praticada com freqüência pelos menos abastados, já que não possuíam nenhum tipo de propriedade; assim, à classe burguesa reserva-se a prática das ilegalidades dos direitos, proprietários que são praticavam crimes cruentos a pretexto de preservação da propriedade.

A partir desta separação surge também uma vigilância incessante por parte dos detentores das propriedades que se vêem precisados de proteção para manutenção de suas posses. É, portanto, necessário uma codificação a fim de assegurar a aplicação de formas cada vez mais severas de punir.

Enfim, é forçoso concluir que o chamado sentimento humanitário às penas, surge basicamente da repulsa em relação ao poder soberano e também do infra-poder conquistado sob a ilegalidade.
                       Na verdade a relação de poder e saber penal é resultado da mudança radical da sociedade em relação aos delitos; que agora além de excluir, necessita observar.

Assim, é uma exigência do capitalismo, que produz em escalas e precisa dos excluídos e marginalizados para se manter. É uma espécie de instituição que massifica, prende e modela o indivíduo. Na verdade todo este sistema é formado por instituições iguais, todas retiram parte do indivíduo. Confira FOUCAULT, 2005.

"A prisão emite dois discursos. Ela diz: "Eis o que é a sociedade; vocês não podem me criticar na medida em que eu faço unicamente aquilo lhes fazem diariamente na fábrica, na escola, etc. Eu sou, pois, inocente; eu sou apenas a expressão de um consenso social". É isso que se encontra na teoria da penalidade ou da criminologia; a prisão não é uma ruptura com o que se passa todos os dias. Mas ao mesmo tempo a prisão emite um outro (sic) discurso: "A melhor prova de que vocês não estão na prisão é que eu existo como instituição particular, separada das outras, destinada apenas àqueles que cometeram uma falta contra a lei". Assim, a prisão ao mesmo tempo se inocenta de ser prisão pelo fato de se assemelhar a todo o resto, e inocenta todas as outras instituições de serem prisões, já que ela se apresenta como sendo válida unicamente para aqueles que cometeram uma falta." (p. 123,).

Há uma infinita necessidade de demonstração por parte de todas as instituições, de que seu único escopo é efetuar o exercício do indivíduo para sua verdadeira vocação, que é o trabalho. Todavia, a essência do homem, apesar de assim Marx considerar (1982), não pode ser o trabalho. Simplesmente, porque o homem é conduta, não é instinto. Antes de estar no exercício do trabalho, é preciso que tenha havido toda uma prepararão, para o recebimento do indivíduo como ser sociável e passível de escolhas.

CRÍTICA AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

 

A sociedade moderna elegeu a prisão como meio mais eficaz no combate à criminalidade. Não há como falar em sistema de repressão e prevenção da violência sem passar pela questão prisional.

A liberdade é um direito natural do ser humano, a prisão por essencial que possa ser para manutenção da ordem social, deve constituir a exceção. Por ter este caráter excepcional, para ser legítima, tem que atender aos princípios da dignidade humana.

Modernamente o Estado é a expressão de um povo, já não tem como considerar a pena com o arcaico fundamento do Estado como divino; o Estado é o povo.

Assim que o monopólio da chamada violência legítima passou a ser exercido pelo Estado, a pena não tem mais caráter de vingança, é conceituada apenas como punição. Todavia para aqueles que acreditam que o Estado é o resultado de um contrato entre os indivíduos, a pena pode e deve se necessário ser ilimitada, haja vista que resulta da necessidade de punir e retribuir ao indivíduo que andou em sentido contrário às regras. É a leitura de AYDOS, 1992.

"Aos "proprietários" é assegurada uma espontaneidade quase natural (menos Estado, mais liberdade, para os excludentes = menos Estado menos liberdade, para os excluído: a lógica neoliberal)." (p. 31).

É um resultado quase que matemático, pois o monopólio da violência regido pelo Estado atua em defesa das classes privilegiada, assim, o resultado é por óbvio desfavorável à minoria desprovida. Se a tranqüilidade é oferecida pelo Estado, e existem aqueles que desrespeitam esta ordem, é justo que as eles seja aplicada a lei; e aplicar a lei é proteger os excludentes, assim, a pena entra em ação, em se tratando de sistema punitivo no Brasil, tem-se a prisão como eliminação do desrespeito à tranqüilidade.

A Constituição brasileira prima pela liberdade, direitos e garantias fundamentais, sendo a prisão exceção à supressão desta liberdade. Assim, jamais poderá haver prisão que resulte em degradação do ser.

Todavia, no que tange às pesquisas e os ditos progressos científicos penais, os resultados não traduzem o verdadeiro significado dos valores da sociedade. Toda qualificação dos atos ilícitos, ou comportamento desvirtuado do ser humano, não conseguiu atingir o verdadeiro propósito da pena de prisão, que é ressocializar punindo exemplificativamente, enquanto propicia a ressocialização.

Tem-se a nítida impressão de que a pena como prisão nada mais é senão a tentativa de reproduzir o grande duelo entre o bem e o mal. Nada mais que uma resposta, em muitas vezes exagerada e desnecessária, ao pedido de justiça daqueles que se vêem lesados.

Mas quem pode dizer o que é o bem e o que é o mal? Temos uma sociedade de condições discrepantes, os indivíduos que engrossam as classes desprovidas (que é a maioria dos apenados) não têm total domínio de sua conduta, não podem ser considerados ativos dentro deste contrato social.

As ações do delinqüente são sempre repudiadas, visto que são considerados indignos, no entanto, muitas vezes tudo não passa do resultado do meio que este indivíduo se encontra.

É comum a ação violenta do marginal (aqui como conceito do indivíduo que vive à margem) ser considerada como crime. Conclusão pertinente do ilustre AYDOS, apud ENGELS, 1992.

"Se um indivíduo desfere a outro uma lesão corporal que provoca a morte da pessoa atacada, falamos de homicídio sem premeditação, por outra parte, se o atacante sabe de antemão que o golpe será fatal, falamos de assassinato. Também se tem cometido assassinato se a sociedade coloca centenas de operários numa situação tal que inevitavelmente os faça chegar a um fim prematuro e antinatural. Sua morte é tão violenta quanto se os tivesse apunhalado ou tiroteado" (...) (p. 37).

No que tange humanidade e dignidade, existe justiça em fazer alguém (ou muitos) se sujeitar à permanência em uma cela imunda e sem infra-estrutura, se as oportunidades são desiguais?

Não estaria também o Estado cometendo crime ao reduzir o tempo natural de vida do indivíduo que é esquecido nas prisões?

A prisão é meio de justiça? É mesmo o único meio possível de se prevenir o mal?

Com o pensamento centrado nas revoluções que trouxeram à luz as questões sobre a preservação da dignidade do homem, a prisão representa mais o conceito de um momento histórico.

Toda história do Brasil aponta para a certeza de que em desconformidade com as penas de morte, banimento, suplícios, e outras tantas formas abomináveis de execução de castigos, a sociedade elegeu a prisão como forma de redenção.

Desta forma, a prisão não deve ser lida como o único e imutável meio de se combater a criminalidade, pelo contrário, há muito não consegue cumprir esta expectativa.

O sistema punitivo brasileiro tem bases, nos modelos europeus, no que tange o combate aos delitos, elegeu a pena privativa de liberdade como meio mais eficaz.

O Brasil, como os outros países da América Latina, sofreu a influência do pensamento fascista italiano[8] (1910), no entanto, atualmente, tem-se pensado a respeito da eficácia das sanções penais resultantes de tal pensamento, o que vem ocasionando o rompimento com a oposição existente entre o Direito Penal e as outras ciências humanísticas.

Até então, havia um dogma imutável, envolvendo o Direito Penal e a criminologia. O estudo aprofundado dos institutos penais, em relação à execução da pena privativa de liberdade restou abalado, tudo que se acreditava acerca da evolução de seus métodos e meios.

A pena de prisão não é tradução de modernidade. Diariamente, até mesmo em relação às medidas, que levam em conta o interesse do infrator, a prisão consegue demonstrar seu declínio.

A propósito um comentário que sem dúvida consegue expor eficazmente este entendimento.

"Infelizmente o nosso sistema de medida de segurança não passou ainda (...) de legislação de fachada. À parte dos superlotados manicômios judiciários, na sua maioria, instalados no tempo do código anterior, inexiste qualquer dos estabelecimentos reclamados pela nova diretriz de prevenção contra a delinqüência." (HUNGRIA, p. 117e118, 1958).

Grande parte da população carcerária se encontra em locais impróprios, não se vislumbra a preocupação com a separação dos condenados. Presos de alta periculosidade confinados juntamente com presos que não ostentam esta característica é uma das muitas certezas da não aceitabilidade da prisão como pena.

Isto sem falar nos presos provisórios, que aguardam julgamento, nas mesmas condições infectas, firmando de vez a quebra com o princípio da inocência presumida, pois já se encontram cumprindo pena tal quais aqueles que já foram condenados.

Penas desautorizadas pela Constituição brasileira são comumente aplicadas de maneira colateral. Até mesmo a pena de morte pode ser considerada, se levado em conta a falta de infra-estrutura, e condições de higiene como um todo, já que tal realidade dissemina facilmente doenças como AIDS, hepatite e outras tantas que condena o criminoso a pena capital. Confira-se o entendimento abaixo:

(...) "Hoje em dia, aparentemente, continua sendo esta privação da liberdade, a única pena que se impõe aos delinqüentes, mas de fato não é assim. Ao enviá-los às nossas prisões, na realidade se lhes está submetendo a penas corporais tão duras e adjetas como as medievais." (GOMES, 2000, p. 488).

O indivíduo condenado à pena de prisão, não obstante em cumpri-la; paralelamente cumpri também outras formas de pena; pois dentro de uma penitenciária brasileira, é exposto a tanta violência e degeneração física, que equivale a uma pena paralela. Ainda tem o agravante, que involuntariamente, se não é um viciado em substâncias tóxicas, fatalmente aprenderá a ser.

Por toda parte a ociosidade desenha um cenário, que obriga uma cumplicidade, ensejando assim o aprendizado e aperfeiçoamento do saber criminoso. Em meados da década de 70 o Deputado Ibraim Abi - Ackel sabiamente definiu o sistema prisional brasileiro, quando o qualificou como sementeiras da reincidência.

Não há o planejamento almejando o retorno do delinqüente à sociedade, aliás, não há planejamento algum; os condenados são lançados à sua própria sorte em estabelecimentos sem o mínimo de condições de infra-estrutura, caracterizando a falta de cumprimento do mínimo exigido para manutenção da dignidade do indivíduo.

Há uma incrível discrepância entre a previsão jurídica e a realidade prisional brasileira. No entanto, a partir do momento em que o apenado é entregue ao Estado, sua segurança e bem estar passam a ser de sua inteira responsabilidade; sendo que a quebra desse dever, é verdadeira omissão; gerando responsabilidade administrativa, cível e criminal; e disto não se pode olvidar, já que o resultado acarretará grande perda para toda sociedade.

 

A NECESSIDADE DE REFORMA DO SISTEMA

 

O sistema penal como um todo tem se mostrado em conflito. Um sistema formado por vários subsistemas; que operam em etapas; cominação, aplicação, execução. Portanto, quando esse conjunto se encontra abalado por antinomias existentes entre os seus setores, todo o sistema se resulta abalado.

Mesmo não tendo sido executada uma reforma completa no Código Penal brasileiro, mantendo-se em geral as normas editadas desde 1940, algumas Leis esparsas se fizeram presentes, emoldurando um sistema penal tendente a embrutecer as penas cominadas nos seus tipos penais.

Ocorre ainda, que muitas destas leis foi resultado do poder Executivo, não obstante aprovação do Legislativo, mas tão somente como vetor da vontade política que não guarda nada de democrático, pois abstrai o real querer do povo.

Por várias vezes, doutrinadores atribuem este descompasso do sistema penal ao também descompasso da sociedade, por meio de várias revoluções sofridas por esta.

O pensamento moderno rejeitando a pena privativa de liberdade da maneira em que se apresenta hoje, se volta para necessidade de uma reforma em todo o sistema penal brasileiro.

O alvo maior do sistema tem sido a execução penal, na forma mais comumente adotada, atualmente, no Brasil: A pena privativa de liberdade. No entanto este é somente um dos vários problemas e desacertos de um sistema que deveria ser a espinha dorsal do combate à criminalidade.

Neste momento o que mais se tem almejado é a alternativa à pena privativa de liberdade. Um imenso esforço para reduzir os defeitos e aumentar as vantagens, pois a pena privativa de liberdade ainda é imprescindível ao combate à criminalidade.

Em Portugal existe uma proposta de Lei 221/I, visando alternativas à prisão, na pretensão de acabar com os problemas advindos deste sistema.

O passo inicial é unificar as espécies de pena privativa de liberdade, detenção, prisão simples, reclusão, agora será apenas: prisão.

A redução do uso da pena privativa de liberdade é uma necessidade, visando assegurar a proporcionalidade, a individualização e a função social da pena.

Toda esta reforma deve ter um olhar especial no que tange a execução da pena, já que é nesta fase que se encontram os maiores problemas. Para tanto as reformas devem atingir a natureza dos regimes, os direitos dos presos, as estruturas dos locais prisionais, bem como o pessoal atuante ali, como guia desta reforma, as regras mínimas para tratamento do preso, prescritas pela ONU, deverão ser obedecidas.

"Finalmente pode-se concluir afirmando que as alternativas propostas e outras mais que a experiência e o pensamento revisionista submeterem à consideração do legislador, traduzem os esforços e os ideais na busca de novos rumos para tratar o dilema criminal. Nem sempre fáceis e simplificados, mas de qualquer forma libertos da servidão de passagem e do hermetismo a que conduz o raciocínio ancorado na prisão, como o corpo e alma de um sistema agonizante." (DOTTI, 1998, p. 518).

Esta reforma deve abranger de forma geral a comunidade, o próprio delinqüente, a vítima, enfim, deve satisfazer a todos os seguimentos; promovendo a verdadeira defesa social.

Esta concepção de defesa social deve estar ligada a formas de prevenção de condutas anti-sociais, todavia, tais condutas só podem ser consideradas como anti-sociais, se houver por parte do Estado meio para realização de condutas sociais.

Dizendo de uma forma mais simplista, o Estado só poderá tipificar condutas como anti-sociais ou antijurídicas, se propiciar aos cidadãos opção para outro caminho que não o inverso à sociedade.

O sistema prisional não pode ficar preso a um dogma intangível que não estabelece soluções nem mesmo paliativas, quiçá definitivas.

 

O APENADO COMO SUJEITO DE AÇÕES REFLEXIVAS

 

Modernamente o modelo prisional, que confere com os Direitos Humanos, é aquele em que o apenado não é peça acessória do sistema, mas sim sujeito de ações reflexivas.

Doutrinadores modernos vêm denominando este novo sistema de diálogo entre o preso e o Estado. O apenado é sujeito de políticas programadas destinadas a propiciar sua reinserção social por sua livre adesão.

Tais projetos, como bem asseverou Renè Ariel Dotti, "não só ensejam um direito penal social, como também um direito penal democrático."

Este diálogo deverá ser mantido em relação às necessidades de reforma do sistema prisional e ainda nas alternativas para a aplicação da pena privativa de liberdade.

Este sistema de diálogo está relacionado com a ciência penitenciária, que se dirige à reintegração social do delinqüente, no intuito de evitar a reincidência, o que menos deverá importar é a transformação moral do criminoso.

A comunicação entre apenado e Estado deverá ser livre e ainda contar com a atuação da comunidade. Porém este diálogo deverá ser mantido mesmo depois da pena cumprida, ou interrompida por alguns dos direitos subjetivos do apenado[9].                     Deste entendimento devem resultar alternativas à pena restritiva de liberdade; o uso de institutos como o sursis, a suspensão condicional do processo, trabalhos executados em prol da sociedade, reparação do dano causado, e outras tantas possíveis soluções que permitam alternar o uso da pena de prisão.

Uma solução que se faz necessária é o uso do Conselho da Comunidade, órgão já previsto na Lei de Execução Penal, que funcionará como ligação direta entre a vida na prisão e a vida livre. É a sociedade participando ativamente como meio de prevenção da reincidência.

A participação ativa da comunidade se revela como verdadeira democracia. Estes indivíduos deixam de ser testemunhas passivas da violência e degradação no sistema prisional, vindo a exercer ativamente o papel de parte integrante de uma sociedade.

O escopo da pena restritiva de liberdade tem que ser entendido como a obrigação de trazer o apenado de volta ao convívio social, não se importando realmente com aspectos ligados ao seu possível arrependimento.

Para tanto há a necessidade de se romper com o modelo original do sistema prisional, pois não se pode optar pela segregação total do apenado. A este deverá ser dispensado a possibilidade de comunicação com a sociedade; seja por intermédio de atividades laborais extra prisão, ou mesmo por programas que permitam a entrada de pessoas da comunidade, que efetivarão ações destinadas a não permitir a ruptura entre o apenado e a sociedade; para que nem o preso e nem a comunidade desconheçam a realidade um do outro.

A participação da comunidade também é necessária após a execução penal. O preso egresso deverá contar com um sistema que lhe propicie meios de se inserir na sociedade. Enfim a participação da sociedade deve ser de adesão livre, consciente de que muitos dos delinqüentes é o resultado de uma história de exclusão social.Além da colaboração da comunidade o sistema deverá sempre propiciar meios de efetivação da justiça, de forma humana e digna.

A abertura do sistema penal deve ser completa, ensejando a participação de outros profissionais fora da área jurídica, tais como psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, no entanto a participação destes profissionais não deverá ter importância excessiva, o peso maior deverá ser da comunidade.

Todavia esta abertura deverá ser mitigada, ao passo que não se pretende de forma alguma jogar por terra toda construção de bases fundamentais que guiam a ética e a moral, que são necessárias para manutenção da ordem e proteção de bens e valores indispensáveis. Esta revisão deverá obedecer às características do local onde será aplicada, sob pena de romper com conceitos dogmatizados e desestruturar toda uma sociedade de maneira indelével.

 

DESCRIMINALIZAÇÃO

 

A revisão do rol das infrações é sem dúvida, hoje, uma das maiores e necessárias atitudes às alternativas à substituição da pena privativa de liberdade no Brasil.

" O repertório dos ilícitos penais estabelecido pelo código de 1.940 e as leis posteriores - notadamente na década de 60 - não mais reflete adequadamente todos os interesses e os anseios da comunidade. Abstração feita aos crimes fundamentais (contra a pessoa, o patrimônio, os costumes, a família, a incolumidade e a paz pública, a fé pública e a administração) previstos pelo código penal e leis especiais (definindo ilícitos eleitorais, econômicos, tributários, políticos etc.), existe uma vasta gama de infrações meramente formais. Há necessidade de promover um processo de descriminalização, isto é, abandonar a incriminação de certas condutas ou fazer com que uma infração perca o seu caráter criminal." (HULSMAN apud DOTTI, 1998, p. 246).

Os penalistas modernos vêm pregando a revisão dos tipos penais do código pátrio. As propostas de revisão se concentravam na parte geral.

Idéias renovadoras acerca de princípios de aplicação da lei penal, a relação de causalidade, a tentativa, a culpabilidade, o concurso de infrações, contribuíram para o enriquecimento da doutrina nacional.

O termo descriminalização é tido como um neologismo, no entanto, há anotações, datadas de 1736, dando conta de que o verbete já teria sido usado em defesa das lendárias bruxas na França[10].

"A expressão é um neologismo para idiomas como o espanhol, o francês, o italiano e o português. Em sentido mais freqüente, descriminalizar significa abandonar a incriminação de certos fatos ou fazer com que uma infração perca o seu caráter criminal." (CANESTRI, apud DOTTI, 1998, p. 251).

A descriminalização consiste em negar o caráter penal de algumas condutas, fazendo assim, com que não sejam mais passíveis de penas.

Tem-se então que a descriminalização de uma conduta pode se dar de fato ou de direito, ou seja, se a conduta for simplesmente abandonada pelo
Direito Penal, que passa a não considerá-la, apesar de ainda constar no rol das infrações penais, será descriminalizada de fato. No entanto se o legislador expressamente a retirar do rol dos delitos, a descriminalização será de direito.

Atualmente atendendo às vicissitudes sociais, não há como manter tantos tipos penais, que não condizem com a realidade social do país.

A realidade em relação a esta forma sugerida vem se demonstrado contraditória, já que formalmente não se vislumbra a atitude descriminalizante, todavia, de maneira fática, o legislador a tem tolerado.

A descriminalização fática é resultado da falta de reação da sociedade, diante da não punição de algumas condutas, ou ainda das mudanças constantes na nova forma de execução penal, que vem tratando de maneira branda algumas condutas, por considerá-las de pequeno potencial ofensivo.

Não causa nenhum espanto, e nem se exige maiores entendimentos, o fato de que as condutas que tratam de lesões à honra, normas sociais, infidelidade, não terem mais status de ilícito penal, não guardam tanta importância no mundo atual.

Algumas dificuldades de caráter político e social têm se demonstrado um grande empecilho para o processo de descriminalização, são estes as reações de alguns seguimentos, que relutam em aceitar as vicissitudes da modernidade.

A preocupação com a segurança é muito grande, no entanto, o endurecimento dos tipos penais e a inflação de normas e ainda a sua manutenção no Código Penal, não constrói solução a este problema, que mais ostenta nuances sociais que penais.

Programas puramente repressivo já demonstraram não dar conta da pretensão do Estado, que almeja solucionar com o Direito Penal robusto, todos os problemas sociais. O endurecimento dos tipos penais e, por conseguinte o mesmo atributo a sua execução, só acarreta a maculação do indivíduo, que em muitas das vezes não carece de represália, mas sim de integração social.

Tanto o Direito Penal comum, como o especial deve ser alvo do processo de descriminalização. A legislação extravagante merece uma atenção maior ainda, ao passo que seu avanço tem demonstrado uma marcha de rápidos passos; atualmente esta ostenta um rol numeroso, quase que incontrolável, por esta razão deve ser alvo do processo de descriminalização.

O crime custa caro para o Estado, e a desburocratização deste setor, não terá avanço, se o Direito Penal não for usado conforme seu propósito primordial, qual seja a última alternativa.

A descriminalização deve ocupar o seu lugar merecido, ou seja, a única via capaz de solucionar os muitos problemas do sistema punitivo, que elegeu a pena privativa de liberdade a "viga mestra" desta construção chamada sistema prisional brasileiro.

O uso da prisão deverá abster-se a casos extremos, e a descriminalização deve ser o impulso neste processo, que conforme o entendimento, de DOTTI, é preciso "a eliminação dos ramos mortos para que o tronco possa ficar são e recobrar a sua capacidade em todo vigor" (1998, p. 255).

Por óbvio, a tentativa em se considerar o fenômeno da descriminalização capaz de sanar o problema em voga, não traduz a irresponsabilidade incipiente do imaturo, mas distante disto persegue a consciente conclusão de que a prisão como pena não deve refletir a única via a solucionar problemas, pois quase todos estes são resultado de uma sociedade capitalista estruturada sob o pálio do individualismo. Com efeito:

"uma dialética complexa e sutil se estabelece entre a lei, a justiça e a opinião, entre aqueles que fazem a lei, aqueles que a aplicam e aqueles a quem é dirigida" (DOTTI, 1998, p. 265).

Não tem como admitir condutas meramente morais tendo tratamento penal, e merecendo atenção especial do Estado, que poderia cumprir com o dever de reprimi-las e neutralizá-las, por outros meios senão o penal.

 

DESTIPIFICAÇÃO

 

Em razão de toda problemática que tomou conta dos assuntos concernentes ao exercício do poder punitivo, e a necessária reforma de seu modo aplicativo, meios alternativos à aplicação da pena privativa da liberdade se justificam e também possibilidades de redução da inflação legislativa.

Apesar de o Código Penal ser de 1940, várias reformas, e também legislações esparsas dão conta da chamada inflação legislativa, que só fazem engrossar o elenco de tipos penais sem efeito concreto para a sociedade.

Somado ao processo de descriminalização, também se faz necessário um meio eficaz de tornar além de formal, também real a desconsideração da ilicitude de algumas condutas sem efeito para a justiça criminal.

Desta forma, ao lado da descriminalização a doutrina moderna prega a destipificação. Tal instituto é a síntese do Direito Penal à sua essência, ou seja, é o uso deste direito na forma indicada constitucionalmente: Em última razão.

Realmente a banalização do mal resultou nesta inflação legislativa penal, que pretende pela justiça criminal varrer todos os problemas sociais do mundo.

Todavia, longe desta pretensão, e próximo ao caos, tal caminho só terminou por banalizar a essência do Direito Criminal.

Esquecendo de princípios como o da insignificância; dasubsidiariedade; da adequação típica; da necessidade da pena, foi o legislador inovando e criando vários novos tipos penais, que hoje não correspondem mais a realidade social do Brasil.

Agora em processo inverso, a destipificação vem resolver, pelo menos em parte os problemas do uso excessivo da pena privativa de liberdade.

A justiça criminal não pode carregar tipos que a rigor não se justificam. A inibição de condutas ofensivas a bens jurídicos individuais, ou particulares de intimidade, não reproduzem tarefa do Direito Penal.

Deste modo, atendendo à mudança da sociedade, que já não traz consigo tanto a exigência em relação a várias condutas tidas anteriormente como lesivas.

A destipificação, tomando como base a lição de DOTTI, "consiste a destipificação no processo legislativo pelo qual se declaram lícitas certas condutas que anteriormente eram proibidas pelo Direito Penal" (1998, p. 266).

Portanto, destipificação é concluir que uma conduta não ostenta mais caráter criminal, sua existência não encontra previsão no tipo penal abstrato, é uma hipótese de abolitio criminis[11

DESPENALIZAÇÃO

 

Atendendo às mudanças sociais características da sociedade moderna, muitas condutas tipificadas no Código Penal brasileiro, e até mesmo em legislações esparsas, deixaram de ter relevância, não justificando assim, continuarem passíveis de penalização.

Ainda visando às soluções dos problemas carcerários atualmente tão evidentes, o fenômeno da despenalização, apresenta-se como alternativa a algumas destas questões.

Despenalizar é fazer com que certa conduta deixe de ser penalizável, todavia, sem deixar de merecer atenção do direito. O Direito não sai de cena, no entanto, a necessidade de penalizar a conduta não se verifica como essencial.

Ao tipificar uma conduta, a Lei passa a exercer sobre ela uma espécie de controle, mas nem sempre terá que exercer punição, e nem por isso deixa de tutelar o bem lesado com a referida conduta.

Na explicação de DOTTIdespenalizar "é excluir ou reduzir a incidência das penas privativas de liberdade" (1998, p. 266).

Na verdade a despenalização já vem ocorrendo no direito pátrio, o que pode ser percebido em relação ao artigo 44 CP, que traz em seu texto a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito. O que se pode chamar de despenalização substitutiva.

O condenado que faz jus ao direito da suspensão condicional da pena, também é beneficiado pela despenalização, já que invés de ser recolhido à prisão tem a chance de ver suspenso a execução de sua pena; assim, é um exemplo de despenalização condicionada ao cumprimento de alguns pressupostos, qual seja aqueles previamente exigidos no artigo 77 CP.

Existe também o caso de despenalização de que trata o artigo 89 da Lei 9099/95, ou seja, a suspensão condicional do processo, que pode ser entendida como um presente ao infrator de pouca capacidade ofensiva, configurando outro exemplo de despenalização.

Modernamente tem-se uma forma de despenalização estampada no artigo 28 da nova Lei de drogas, a 11.343/06, que só permite uma conduta ao juiz, que deverá aplicar ao infrator alguma medida de caráter educativo.

Desta maneira, há a despenalização se manifestando em exigência educativa por parte do magistrado, que não poderá levar o infrator à prisão, mas sim alternativamente lhe impor medida educativa.

Todas estas tendências, que vêm sendo amplamente, adotadas configuram mais que renovação; evidenciam a manutenção do princípio da intervenção mínima. Ao Direito Penal deve ser restrito, matérias que não tem solução por via de outros direitos.

A limitação ao poder punitivo do Estado é medida que se faz necessário, pois este poder tende a expansão. O excesso do poder punitivo sempre foi combatido, pois sempre foi tendente a ultrapassar limites, e a suplantar direitos e garantias fundamentais, com a pretensa desculpa de manutenção da ordem social.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Durante as pesquisas que permitiram o desenvolvimento deste trabalho, pode-se verificar que a pena privativa de liberdade desde a origem, foi criada para além de segregar, também dominar aqueles que não fazem parte dos que gozam de direitos básicos e vitais. Direitos estes, que são distribuídos por aqueles que detêm o poder, e dele não querem se desvincular sob qualquer hipótese, e pretensamente se julgam donos permanentes de todas as espécies de direitos, por conseguinte das oportunidades também.

Muito se discute acerca da função da pena privativa de liberdade, no entanto, qualquer que seja o resultado, dentro do Estado Democrático de Direito, não tem como manter nenhuma das que têm se apresentado até então.

A pena de prisão, como é chamada a pena privativa de liberdade é em regra, resultado do uso do Direito Penal, como expressão do "jus puniend" [12], todavia, este poder deve ser encarado como última opção no exercício do Estado Democrático de Direito, que não deve ser transformar em Estado de horror, exercido por uma segurança representativa e simbólica.

A todo tempo a única face da violência que é mostrada é a face do crime, no entanto, a maior das violências passa despercebida, (ou pelo menos, ocultada pelo brilho excessivo que o Estado dá à criminalidade), que é a violência legal, ou seja, as prisões, a falta de política administrativa em vários setores da máquina pública, como a saúde, a segurança, a educação, resultando no caos em que se encontra o sistema prisional brasileiro, por ser considerado a única instituição capaz de conter todos os problemas da sociedade moderna.

A dinâmica é clara e se demonstra cada vez mais rotineira: Toda violência estruturada por via do poder público tira as parcas oportunidades de muitos, que tem seus Direitos Fundamentais postergados, ou melhor, ainda, aniquilados; desta forma, distantes da sociedade e marginalizados, quebram o suposto contrato, surgindo assim o direito de punir do Estado.

Ao contrário de resolver os problemas causados pela falta de estruturação dos setores públicos, o Estado, com o aval da sociedade, condena os marginalizados aos efeitos de um Direito Penal representativo, aquém de sua verdadeira forma manifesta. A única resposta do Estado é a repressão em sua forma extrema: a exasperação do direito de punir, que retira de vez a possibilidade de reintegração social do indivíduo, desestimulando o exercício da cidadania.

Mesmo que de maneira isolada, ou ainda tímida, a discussão a respeito dos temas aqui tratados, serviram como caminho para despertar o interesse de outros possíveis pesquisadores, no intuito de ver senão solucionado, ao menos amenizados os vários problemas existentes no sistema prisional brasileiro.

Por óbvio, que muito ainda precisa ser estudado, visando à efetiva solução do problema, no entanto, leia-se aqui o alinhavo de idéias que servirão de amparo ao costuramento em definitivo desta proposta.

Em hipótese alguma, o tema alvo deste trabalho poderá ser considerado gasto, exaurido. Ao contrário, por ter ligação direta com o ser humano, tal assertiva não poderá ser permitida. A prioridade do Estado deve ser a pessoa humana, já que este é o seu cerne.

Sendo a prisão um meio de recuperação do indivíduo que caiu em erro,
todos os esforços nesse sentido deverão ser estimulados, mesmo que se tornem repetitivos. Assim, o desenvolvimento deste trabalho serviu para não permitir que os problemas prisionais, por serem rotineiros sejam vistos como mero efeito da modernidade, plenamente aceitáveis.

A pena de prisão foi dada como falida e incapaz de atingir a função que lhe foi atribuída, no entanto, se mais uma vez analisado o seu contexto histórico, a única conclusão possível, é a de que realmente a prisão consegue sim cumprir com o seu papel, qual seja desde o início o de segregar e deixar sob observação aqueles que são desinteressantes, de estarem no convívio social.

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Autor: marilda tregues de souza sabbatine


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