Aspectos da Gestão em Vigilância Sanitária a partir de um Plano de Ação



ULLANNES PASSOS RIOS[1]

ASPECTOS DA GESTÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA A PARTIR DE UM PLANO DE AÇÃO

Palmas, janeiro de 2009

RESUMO

A vigilância sanitária, como parte integrante do SUS, é uma competência de caráter prioritário por sua natureza preventiva, devendo atuar na melhoria de qualidade de vida da população. Suas ações estão voltadas para a prevenção, diminuição e eliminação dos riscos à saúde da população decorrentes do meio ambiente, da produção, da circulação de bens e da prestação de serviços. Como política pública, não difere das outras e deve buscar o aperfeiçoamento através de uma atuação eficaz, planejada, evitando a sobreposição de ações ou ausência delas. O processo de planejamento adotado na Diretoria de Vigilância Sanitária do Tocantins baseia-se nas características regionais, hábitos da população, e ainda, os meios de produção e seus fatores de risco. Desta forma, a realização deste estudo possibilitou averiguar e analisar o quão transformador foi o plano de ação para a gestão da vigilância sanitária em 2008.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema Único de Saúde; Vigilância Sanitária; Plano de Ação; Gestão Pública; Planejamento em Saúde.



1.INTRODUÇÃO

A reforma sanitária produzida na Constituição de 1988, com a criação do Sistema Único de Saúde, trouxe grandes transformações para o campo da saúde pública brasileira, dentre elas, destaco a vigilância sanitária. De acordo com a redação na Lei Nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, em seu artigo 6º, § 1º, a vigilância sanitária é assim definida: um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde.

Apesar da lei acima datar de 1990, no entanto, a Vigilância Sanitária existe e atua no Brasil há pelo menos duzentos anos, a partir da chegada da Família Real Portuguesa, conforme demonstra Eduardo Bueno[2]. Para Lucchesi[3], embora a regulamentação sanitária tenha origens remotas, pode-se afirmar que a vigilância sanitária é filha da Revolução Industrial e assume diferentes conformações em cada lugar, em função dos valores culturais, políticos e econômicos.

A prática de vigilância sanitária, inegavelmente, é remota, mas foi a partir da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através da Lei Nº 9.782 de 26 de janeiro de 1999, e conseqüentemente do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que os rumos desta prática começaram a mudar no Brasil. A criação de uma agência de regulação para atuar no campo de vigilância sanitária proporcionada através da definição de um marco legal, veio conferir uma profissionalização do setor, com ganho de autonomia, estabilidade dos dirigentes e "blindado" contra interferências políticas.

Para os estados e municípios, no entanto, o advento da ANVISA não seria sintomático não fosse a elaboração de um sistema de financiamento que contemplasse essas duas esferas de governo.

O financiamento federal para ações de vigilância sanitária repassados na modalidade fundo-a-fundo, trouxe benefícios concretos aos Estados, proporcionando a aquisição de bens e equipamentos, bem como o financiamento das ações. Definido a partir da lógica populacional, o Estado do Tocantins foi contemplado com o piso mínimo de 420 mil reais por ano.

Com o financiamento garantido, restava então um trabalho de articulação política que concedesse à vigilância sanitária uma atuação autônoma, profissionalizada e planejada sistematicamente conforme os aspectos geofísicos regionais, os fatores de risco envolvidos, além, é claro, do modo de vida da população.

Surge então, a partir da realização da I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária (I CONAVISA), realizada em novembro de 2001, a necessidade de elaboração de um Plano Diretor de Vigilância Sanitária nas três esferas de governo, a partir de uma ampla discussão, garantindo a participação de setores e segmentos da sociedade, conselhos de saúde, setor regulado e trabalhadores do SUS. Um plano que considerasse o perfil epidemiológico da população e a diversidade dos problemas existentes no território.[4]

Na esteira do avanço, após uma longa discussão de quase um ano e meio, envolvendo uma grande quantidade de pessoas e instituições, surge o Plano Diretor de Vigilância Sanitária (PDVISA), publicado no Diário Oficial da União do dia 08 de maio de 2007 sob a forma de uma Portaria GM/MS Nº 1.052.

O PDVISA trouxe em seu bojo cinco eixos de discussão, que buscam contemplar as diretrizes norteadoras necessárias à consolidação e fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, que são:[5]

·Eixo I: Organização e Gestão do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, no âmbito do SUS;

·Eixo II: Ação Regulatória: Vigilância de Produtos, de Serviços e de Ambientes;

·Eixo III: A vigilância Sanitária no Contexto da Atenção Integral à Saúde;

·Eixo IV: Produção do Conhecimento, Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico;

·Eixo V: Construção da Consciência Sanitária: Mobilização, Participação e Controle Social.

Desta forma o PDVISA é um instrumento de eleição de prioridades que busca reconhecer a diversidade do país e respeita a dinâmica das especificidades e heterogeneidades locorregionais. Seu foco é orientar mecanismos de planejamento e de integração, possibilitando a definição de responsabilidades e contemplando os instrumentos de pactuação do Sistema Único de Saúde.[6]

A concretização das diretrizes delineadas no eixo I, o da organização, parte da elaboração de Planos de Ação em cada esfera de governo como um componente do processo de planejamento e formulação dos seus Planos de Saúde, com o propósito precípuo de consolidar o SNVS no âmbito do SUS.[7]

Neste sentido, a Diretoria de Vigilância Sanitária, formulou um Plano de Ação para o ano de 2008, buscando contemplar as diretrizes traçadas no PDVISA, os fatores condicionantes da saúde da população tocantinense, os riscos advindos da produção, os costumes, o perfil epidemiológico da região, bem como a quantidade de recursos financeiros disponíveis.

Fazer vigilância sanitária no Estado do Tocantins não é muito fácil, com 139 municípios distribuídos em uma área de quase 280.000 km2, e uma grande distância entre seus extremos, são 1.105 km desde o município de Talismã, na divisa com Goiás, até Esperantina, lá no encontro dos rios Tocantins e Araguaia, na região conhecida como "Bico do Papagaio". A economia do Estado está baseada principalmente na prestação de serviços que detém um percentual de 51%, tem-se na agropecuária uma parcela também importante, 22%, e a indústria responde por 27% do valor agregado ao PIB tocantinense.[8]

Pode-se observar facilmente que as principais atividades desenvolvidas no Estado, de acordo com a definição do campo de atuação da vigilância sanitária, boa parte delas perpassam pelo seu controle, desde os serviços prestados à população, o comércio, a indústria e até o que se produz no campo.

Desta forma, a partir do crescimento destas atividades, do alcance delas à população, da necessidade de se preservar a qualidade dos serviços e produtos ofertados, dos riscos inerentes, tornar-se-á cada vez mais necessária uma intervenção eficaz, organizada e planejada. Foi centrada nesta lógica que a Diretoria de Vigilância Sanitária desenvolveu o seu Plano de Ação para o ano de 2008. Este plano e os desdobramentos de sua execução é o objeto desta discussão.

2.A Construção do Plano de Ação

Visando sempre a consolidação em curto, médio e longo prazo, inclusive de maneira a transpor o período de gestão de governo para que não haja interrupções, a gestão pública, assim como as empresas e organizações do terceiro setor, utilizam de técnicas de planejamento.

Planejamento é um processo gerencial que diz respeito à formulação de objetivos para seleção de programas de ação e para sua execução, levando-se em conta as condições internas e externas à organização e sua evolução esperada. Também considera premissas básicas que a organização deve respeitar para que todo o processo tenha coerência e sustentação.

No Brasil, o planejamento governamental ganhou formalização e institucionalidade a partir do Governo Militar[9], desde então passou por um processo de evolução e aperfeiçoamento, onde, na Constituição de 1988, foi estabelecido, no art. 165, o Plano Plurianual (PPA):

"A lei que instituir o Plano Plurianual estabelecerá de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de natureza continuada" (CF, art. 165, §1°).

Assim o PPA é concebido com um evidente caráter coordenador das ações governamentais e com o poder de subordinar a seus propósitos todas as iniciativas que não tenham sido inicialmente previstas[10].

Como parte integrante das políticas governamentais de saúde a ser desenvolvida pelo Estado, de maneira indelegável, a vigilância sanitária não poderia ficar a margem dos processos de planejamento desencadeados ao longo dos anos, assim se propôs o Plano Diretor de Vigilância Sanitária – cuja função é estabelecer as diretrizes específicas para a atuação da vigilância sanitária, visando sua consolidação e fortalecimento – que objetiva se constituir em instrumento político norteador, que possibilite uma gestão estratégica para a transformação positiva do contexto sanitário nacional. Ele representa um papel político, estratégico e pedagógico importante, na medida em que se configura como instrumento de reafirmação da vigilância sanitária no campo da Saúde Pública, devendo, portanto, ser trabalhado em consonância com os princípios e diretrizes do SUS[11].

O PDVISA trouxe com ele a necessidade de formulação de Planos de Ação como um componente eficaz do processo de planejamento. Neste sentido, buscando consolidar a Vigilância Sanitária como atividade precípua para a melhoria da qualidade de vida da população do Estado do Tocantins, buscou-se elaborar e colocar em prática um Plano de Ação em Vigilância Sanitária.

Composto a partir de duas macro ações denominadas de Ações Para a Estruturação e o Fortalecimento da Gestão e Ações Estratégicas para o Gerenciamento do Risco Sanitário, o plano foi elaborado de acordo com o Guia de Orientações publicado pela ANVISA[12] de modo a subsidiar os Estados e Municípios neste trabalho e ainda conferir certa identidade padrão aos planos.

Planejado para ser executado ao longo do ano de 2008, o Plano de Ação da Diretoria de Vigilância Sanitária caracteriza-se pela eleição de prioridades dispostas como ações, que possuem atividades a serem realizadas dentro de um prazo determinado, com uma meta estipulada e seu meio de verificação, responsáveis pela execução, eventuais parceiros, além do recurso financeiro alocado.

Um ponto que merece destaque foi o fato de que coincidiram-se os períodos de realização tanto do Plano de ação em Vigilância Sanitária quanto do Plano Plurianual do Estado do Tocantins[13]. Isto permitiu que fizéssemos um único processo de trabalho, pois o PPA se assemelha ao Plano de Ação, possuindo três macro ações, que são: Ações estratégicas para o gerenciamento do risco sanitário, Estruturação e fortalecimento da gestão, Apoio à descentralização das ações de vigilância sanitária ao nível municipal. Esta ultima tendo sido desmembrada da segunda para conferir maior importância à prática da descentralização, que é muito incentivada no SUS.

Tanto no Plano da Ação quanto no PPA, foram feitas as devidas alocações de recursos distribuídos por ações, de acordo com o montante repassado via financiamento federal, que atualmente é de R$ 450.000,00 ao ano, que dá uma média de R$ 35.000,00 por mês para a realização das ações de vigilância sanitária, ou seja, executar o Plano de Ação. Cabe ressaltar que não é objetivo deste trabalho discutir se este valor é ou não o suficiente, e sim o que se pode realizar com ele a partir de um planejamento.

2.1Ações para a Estruturação e Fortalecimento da Gestão:

Esta macro ação tem como função primordial a realização de ações/atividades para a organização da própria Vigilância Sanitária enquanto órgão público, visto que muitas vezes ela não está sequer incluída na estrutura organizacional da Secretaria de Saúde. No Tocantins, desde janeiro de 2007, a Vigilância Sanitária consta como uma Diretoria na estrutura funcional da Secretaria de Estado da Saúde[14], pertencendo à Superintendência de Vigilância e Proteção à Saúde. Atualmente situa-se em um prédio alugado, denominado de Anexo II, conta com boa estrutura física, rede de computadores compatível com a quantidade de servidores, que são cinqüenta, possui seis veículos próprios para locomoção das equipes de inspeção.

A partir daqui o presente trabalho buscará conhecer melhor o Plano de Ação 2008 da Diretoria de Vigilância Sanitária conforme suas macro ações identificadas e definidas.

Visto que no campo da estruturação, à época da elaboração do Plano, a Diretoria já contava com um avanço nesta questão, ainda assim foram identificadas algumas necessidades, elencadas na forma de ações:

·Atualização do Código Sanitário Estadual;

·Aquisição e manutenção de equipamentos;

·Manutenção da sede da Diretoria de Vigilância Sanitária;

·Informatização do cadastro de estabelecimentos sujeitos a ações de vigilância sanitária;

·Estruturação administrativa e operacional.

Para o fortalecimento da gestão, que requer uma atuação no campo político devido aos conflitos de interesse gerados pela interferência nos modos de produção com vistas à prevenção e eliminação dos riscos à saúde do coletivo, foram feitas as seguintes proposituras:

·Gestão de pessoas;

·Propositura no aumento do número de servidores;

·Participação em instancias de discussão, negociação e pactuação;

·Participação nos fóruns e canais de gestão participativa e controle social;

·Apoio à descentralização das ações de vigilância sanitária ao nível municipal.

As necessidades identificadas acima fazem parte de um contexto já bastante debatido e localiza-se no cerne das discussões em torno da atuação legal da vigilância sanitária, senão vejamos: como parte integrante da administração pública, ela deve ser pautada segundo os princípios da legalidade, moralidade, impessoabilidade e publicidade, e ainda lhe é atribuída e aos seus agentes poderes como o discricionário, que faculta ao agente público fazer uma escolha na prática do ato administrativo, e o de polícia, ou seja, que vincula e controla o exercício de alguns direitos individuais, assegurados em lei, em benefício do coletivo[15].

Portanto, a garantia da legalidade dos atos emanados pelas autoridades sanitárias está vinculada às ações de estruturação e fortalecimento da gestão elencadas acima.

2.2Ações Estratégicas para o Gerenciamento do Risco Sanitário:

Para que se possam compreender as ações estratégicas, primeiro vamos conceituar o que significa exatamente o risco sanitário.

Inicialmente, do dicionário Silveira Bueno[16], risco quer dizer pura e simplesmente perigo, já a palavra sanitário se apresenta como relativa à saúde ou à higiene, podendo ser identificada com a palavra sanidade, que representa a idéia de salubridade; higiene; saúde. Desta forma risco sanitário pode ser facilmente interpretado "ao pé da letra" como perigo à saúde. Para Ediná Alves Costa[17] o risco sanitário é definido como a probabilidade de ocorrência de efeitos adversos relacionados a objetos submetidos a controle sanitário, (...) no uso de medicamentos, hemoderivados, vacinas, alimentos, cosméticos, saneantes, agrotóxicos, na prestação de serviços relacionados à saúde, resíduos manejados inadequadamente e insalubridades no ambientes de trabalho.

Portanto, na esteira da discussão, podemos avaliar, a partir da definição acima, que o gerenciamento do risco sanitário é um processo que abrange a identificação de pontos críticos de controle, a avaliação do risco e a adoção de medidas de contenção que objetivam sua prevenção tanto em caráter individual quanto coletivo.

Na função de gerenciamento de risco o Plano de Ação estabelece como ações estratégicas as seguintes:

·Inspeção e reinspeção sanitária em alimentos, produtos e serviços;

·Coleta de amostras para análise laboratorial;

·Implementação dos sistemas de informação disponíveis;

·Investigação de surtos e eventos adversos no âmbito estadual;

·Realização de atividades educativas para setor regulado;

·Elaboração de material educativo para a população;

·Divulgação de alerta sanitário quando necessário;

·Atendimento de denúncias e reclamações;

·Formação de parcerias com instituições de ensino e conselhos de classe;

·Realização de ações conjuntas com vigilância epidemiológica, ambiental e saúde do trabalhador;

·Participação nos processos de educação destinados a equipes de saúde da família e agentes comunitários de saúde;

·Estabelecer parcerias com órgãos afins para a realização de ações de intervenção no risco sanitário.

Este conjunto de ações, subdividido em atividades, compõem o elenco de intervenções que foram planejadas para o ano de 2008 pela Diretoria de Vigilância Sanitária com vistas ao gerenciamento do risco sanitário.

No limiar desta macro ação, percebe-se o grande campo de atuação da vigilância sanitária, transformando-o num desafio constante, que perpassa pelos atos de inspeção sanitária, com vista à redução do risco sanitário, ao trabalho de conscientização da comunidade e do setor regulado, até aos moldes empregados pela gestão, sobre o prisma da ação educativa.

3.RESULTADOS DA GESTÃO PLANEJADA

Por tratar-se, o Plano de Ação, de uma ferramenta de gestão pouco utilizada até então pela Vigilância Sanitária, foi necessária uma mudança sistemática no modo de fazer, onde a Direção precisou constantemente realizar correções de rumo no sentido de retomar ou mesmo relembrar o que estava planejado.

Antes visto como um instrumento pro forme e distante, às vezes até abstrato, o Plano de Ação se consolidou no decorrer do ano de 2008 como um instrumento gerencial e base para todas as ações e tomadas de decisão.

Os resultados obtidos ao final do exercício demonstram claramente as vantagens de uma gestão planejada, onde se obteve 77% de realização plena do que foi elencado no Plano de Ação.

Na tabela 1, abaixo, podemos observar a relação entre quantidade de ações propostas e o que foi realizado:

TABELA 1


Autor: ULLANNES PASSOS RIOS


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