De Hóspede a Anfitrião: Algumas Considerações Sobre a Trajetória Israelense na Palestina



POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS*.

Após 22 dias de intensa ofensiva das tropas israelenses, o Governo de Israel aprovou, noúltimo dia 17 de janeiro, o cessar-fogo unilateral na Faixa de Gaza. A decisão de interromper os ataques vieram, no entanto, depois que Israel, com todo o seu aparato bélico, tenha praticado um verdadeiro holocausto em solo palestino. Nos últimos dias, milhares de civis palestinos, inclusive, algumas centenas de crianças, foram vitimados com a morte, com a mutilação de partes do corpo, ou ainda, com ferimentos graves.

No entanto, a determinação do cessar-fogo de Israel não foi aceita pelo Hamas. De acordo com o exército israelense, a ofensiva reiniciou um dia após a suspensão dos ataques em Gaza. O motivo, conforme israelenses se justifica pela ação dos militantes do Hamas, que abriram fogo contra as tropas israelenses, perto do campo de refugiados de Jabalya. A condição que o movimento palestino coloca para uma trégua é a de que Israel encerre todas as agressões, retire as suas tropas de Gaza e permita a abertura das fronteiras.

O curioso, contudo, é que, além parcialidade norte-americana ao empreender esforços diplomáticos para impedir ou atenuar o conflito, como aconteceu em situações anteriores, outras grandes potências mundiais, tem se eximido demanifestar em uma posição mais convincente que possibilite a pressão sobre Israel para que facilite, imediatamente, pelo menos, o refúgio, a ajuda humanitária e o socorro médico aos civis palestinos no conflito.

Não se pode negar que é uma situação delicada, a intervenção direta no epicentro do conflito, visto que países como EUA e França, acolhem uma grande população de imigrantes árabes e judeus. Isso poderia trazer grande desconforto no clima interno dos países, contribuindo para o surgimento de hostilidades a árabes ou a judeus residentes nessas nações. Embora, os EUA expressem publicamente o interesse pelo fim do conflito, analisam com restrições qualquer iniciativa da ONU no local.

Na tentativa de encontrar um fimpara as hostilidades entre representantes do povo palestino e de Israel, ao longo dos últimos 50 anos, algumas propostas de divisão do território para a criação de dois Estados independentes foram lançadas, uma delas antes da criação do Estado de Israel, as outras, em anos posteriores. A primeira, foi rejeitada pelos representantes árabes-palestinos, em três outras oportunidades, foram rejeitadas pela OLP, quando ainda estava sob a liderança de Arafat. E, existem poucas perspectivas de mudar esse quadro, atualmente, o Hamas, grupo mais a esquerda em defesa da palestina, seguindo a tendência tradicional na região, não aceita sequer a existência do Estado de Israel.

Embora, a diplomacia Israelense tenha conquistado, ultimamente, alguns avanços, através da liberação de alguns territórios por Israel para o povoamento Palestino, esses territórios permanecem sob o controle do exército israelense. Com isso, a iniciativa não conseguiu atenuar as ofensivas do Hamas, visto que, até a entrada de suprimentos alimentícios advindos da ajudas humanitárias está sob o controle do governo de Israel. O trânsito de palestinos da Faixa de Gaza para a Cisjordânia também tem que passar pela avaliação do Exército de Israel.

Entre 1992 e 2000, concessões israelenses significativas obtidas pelos palestinos, tais como volumosas retiradas territoriais, autogoverno local, patrulhas de segurança e ajuda econômica,deram-se não através de atos terroristas, mas pela negociação. Não há dúvida de que, com a continuação do processo de paz, poderiam ter ganhado muito mais.

(NOVOS ESTUDOS, dezembro de 2006, Peter Demant, p.86)

Pelo vagar com que estão sendo conduzidas as deliberações sobre o assunto, parece cada vez mais distante uma solução permanente para o conflito. Alguns, no entanto, demonstram-se mais interessados em que o problema persista. Esses, podem ser chamados de oportunistas. Antes, durante e depois da guerra, está última quando só restam os escombros, eles estão ali, oferecendo os seus serviços. Não se pode negar que de início são serviços humanitários, mas, acabado o conflito, alguns favores tem que ser retribuídos. Dessa forma, aproveitam-se da condição degradante proporcionada pela guerra para adquirir benesses, sugando o escasso sangue dos derrotados. É assim, em uma guerra, enquanto os envolvidos perdem em vidas e em recursos, alguns países lucram muito com o conflito alheio, fornecendo suprimentos bélicos, alimentícios e hospitalares.

Ao imergir no mérito da discussão sobre os aspectos da política externa norte-americana, na perspectiva do mundo árabe, a conclusão provável a ser constatada será a de que os Estados Unidos são especialistas em provocar a desarmonia global. No caso do referido conflito, a atitude de permissividade dos americanos a respeito da carnificina propiciada pelos israelenses na Faixa de Gaza, faz aumentar, ainda mais, o ódio do mundo árabe para com o povo americano.

Desde que foi criado, no ano de 1948, o Estado de Israel, edificado em pleno território palestino, curiosamente, os papéis de hóspede e de anfitrião da região vem sendo invertidos com o passar dos tempos. Nesse período, foram muitos os conflitos envolvendo a causa da Palestina. Israel, no entanto, tem saído vitorioso e se afirmado como a maior potência militar da região. Na tentativa de harmonizar o conflito, em várias ocasiões, a ONU editou um grande número de resoluções, prevendo a retirada dos israelenses dos territórios palestinos ocupados, assim como, o estabelecimento de fronteiras permanentes. Até o presente momento, no entanto, as propostas da ONU não foram aceitas por Israel, apesar de, como dito antes, ultimamente, alguns territórios terem sido "liberados" por Israel para o povoamento palestino, mas, sem autonomia dos palestinos sobre a terra.

Nos dias atuais, em pleno início do ano de 2009, O território de Gaza, além de ter sido cercado com um enorme muro em toda a sua extensão pelo Governo de Israel, nessa região, ainda existem – e persistem – comunidades israelitas mantidas pela garantia da presença imponente das forças militares do Estado de Israel. E todo esse poderio militar israelense advém da cooperação logística, tecnológica e financeira dos americanos. O governo de Israel conta também com a ajuda de judeus espalhados por todo o mundo, que contribuem para os israelenses comprando títulos do governo.

[...] Desde 1967, o vínculo dos EUA com Israel é forte e vem se fortalecendo. Desde os anos 1980,é uma quase-aliança informal e nos últimos anos eles têm sido os parceiros mais fiéis...A situação privilegiada de Israel na política externa dos EUA não está em dúvida. Recebendo perto de US$ 3 bilhões por ano, Israel é o destinatário da maior ajuda estrangeira oferecida pelos EUA, apesar de seu tamanho e população minúsculos (21.000 km2,6 milhões de habitantes, PIB de US$ 154 bilhões) [...]

(NOVOS ESTUDOS, dezembro de 2006, Peter Demant, p.76)

Os Estados Unidos, em recente votação no Conselho de Segurança da ONU, absteve-se do direito de votar contra ou a favor de qualquer intervenção que viesse a por fim ao conflito. Os americanos alegam que preferem esperar o resultado da mediação egípcia no conflito. A verdade, é que Israel, além de ser um tradicional aliado dos americanos no Oriente, ainda serve, de forma estratégica, como uma possível base militar americana em uma investida bélica em conflito contra países da região.

Por outro lado, ao contrário de toda a lama em que estão envolvidas as grandes potências, alguém, na América Latina, resolveu tomar uma atitude diplomática no mínimo corajosa em relação a Israel. Hugo Chavez, atual Presidente da Venezuela, assim que foi deflagrada a guerra de Israel contra os palestinos em Gaza, expulsou o embaixador de Israel na Venezuela, Shlomo Cohen, do país. A justificativa, de acordo com Chavez, se funda na constatação de que Israel está praticando terrorismo de Estado.

Apesar de ter sido acusado de violação da Convenção de Genebra pelo relator especial da ONU, Richard Falk, os Israelenses se defendem alegando que os ataques à Palestina são uma medida de proteção da segurança dos cidadãos de Israel. Entre outros atos, as tropas israelenses impedem a saída dos civis do território palestino, além de privá-los do acesso à alimentação e ao atendimento médico dos feridos.

Ainda de acordo com Falk, não é adequado classificar a militância do Hamas como um grupo terrorista. Nem de chamar Israel de um Estado terrorista, apesar dos atos ilegais. Isso significaria deixar em segundo plano a política e a diplomacia, priorizando unicamente o uso da força. Para Falk, as nações unidas só podem cumprir de forma relevante o seu papel se os principais países membros reunir os esforços para que isso aconteça.

O Hamas, cujo significado da sigla em árabe que dizer Movimento Islâmico de Libertação, foi criado a partir de dissidências surgidas na OLP (Organização para a Libertação da Palestina), chegouao poder na Palestina vencendo as eleições de 2006, por maioria de votos e de deputados. A instabilidade interna em Gaza, entre o Hamas e o Fatah, no entanto, fez com que os principais inimigos dos palestinos, Israel e Estados Unidos, respirassem aliviados com a cisão pela disputa da autoridade Palestina.

Com o enfraquecimento dos líderes locais, devido às disputas internas pela autoridade palestina, o solo palestino tornou-se ainda mais vulnerável às investidas das tropas israelenses. Além disso, a força militar de que é dotado Israel é muito desproporcional se comparada com a frágil resistência dos grupos de guerrilheiros palestinos. Pode-se considerar uma covardia o confronto entre essas duas forças, visto as disparidades entre o poder bélico de cada um. O massacre que Israel promoveu nos últimos dias com o povo palestino é, de acordo com o posicionamento do relator especial da ONU, Richard Falk, uma violação aos direitos humanos.

[...] na realidade, armas externas foram fundamentais à sobrevivência do nascente Estado judeu, e difíceis de conseguir. Se a imagem "Davi contra Golias" da propaganda sionista exagerou na desigualdade das forças e recursos, proclamar o lado árabe como um novo Davi não é menos absurdo. Ainda que mal treinados e dirigidos,os exércitos árabes tiveram à disposição uma quantidade muito maior de equipamento; o número de soldados nas batalhas era aproximadamente igual, mas o lado árabe tinha amplas reservas (não usadas); os judeus não. [...] p.7

(NOVOS ESTUDOS, dezembro de 2006, Peter Demant, p.81)

Diante da atual conjuntura, o recente cessar-fogo unilateral aprovado por Israel (2009) não contribui muito para instauração da paz na região. A paz não pode ser obtida pela força, ainda mais, quando se trata de incluir no contexto a presença de grupos radicais. Além disso, o cessar-fogo de Israel não inclui a retirada imediata das tropas da região de Gaza, na Palestina, que não é reconhecida como país nem como território anexado. A presença militar israelense no território palestino é um convite à perpetuação do ódio e ao surgimento de novos conflitos. Infelizmente, a região se tornou, por influências externas e internas, em um verdadeiro barril de pólvora, (retro)alimentada por questões que perpassam pelas vias religiosas, políticas, culturais e ideológicas.

[...] Nem Hamas, Al-Qaeda, Hizbollah ou Irã consideram desejável a paz com Israel: todos dizem abertamente que querem sua destruição e aceitam a violência maciça, inclusive massas de vítimas árabes e muçulmanas, como um preço aceitável.[...]

(NOVOS ESTUDOS, dezembro de 2006, Peter Demant, p.101)

Para que se possa por um fim a esses ódios, a fim de encontrar um consenso para essas relações complexas entre etnias árabes e israelenses, que além das divergências sobre as linhas territoriais como um todo, lutam pela legitimidade da posse dos lugares venerados religiosamente tanto pelos judeus, como também, pelos cristãos e pelos árabes mulçumanos. Entre esses lugares, a denominada Terra Santa de Jerusalém, ocupa um lugar de destaque nas ambições de árabes e judeus. Assim, um esforço político-diplomático, envolvendo os países do eixo do conflito, sob a mediação da ONU, pode contribuir muito para que o consenso um dia possa prevalecer na região.

As ambições do sionismo, movimento em prol do retorno dos judeus a Jerusalém (Síon), fundado formalmente por Theodor Herzl, em 1897, estão consolidadas. Os judeus retornaram à Terra Santa e o Estado de Israel já é constituído faz pouco mais de meio século, graças às primeiras formações de kibutz e ao apoio dos Estados Unidos, como também, em função da incompetência dos ingleses em governar o território palestino, em que mantinha na região uma espécie de colonialismo, interessado no Petróleo da região árabe.

No entanto, qualquer um que analise a história Israel-Palestina, irá perceber que, sem dúvida, o que vem sendo praticado por Israel, aos olhos da ONU, constituem-se em uma das ações mais perversas da humanidade. Em primeiro lugar, o sionismo ganhou força à partir da idéia que o anti-semitismo na Europa só encontraria uma solução quando fosse criado um Estado para os judeus, que viria a ser na Palestina. Em segundo, mais trágico ainda, foi a ONU ter deliberado sobre a validade de formação de um Estado dentro dos limites de território ocupado, sem levar em consideração o impacto na organização social que lá vivia. Hoje, centenas de milhares de palestinos, expulsos de suas casas, vivem refugiados em acampamentos precários na Faixa de Gaza. Após tantos conflitos, a imigração de civis palestinos para essa região foi tão intensa que a sua densidade demográfica se tornou a maior do planeta.

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* Graduando em Pedagogia, escreve sobre assuntos diversos. Outros textos podem ser encontrados no sítio:< http://pauloandrdossantos.blogspot.com/> .

Referências:

ONU exige cessar-fogo, mas Israel mantém ataques. Disponível no site:< http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090109_gazaisrael_tp.shtml> Acessado no dia 17 de janeiro de 2009.

Chávez expulsa embaixador israelense. Disponível no site:<http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2009/01/06/ult34u216553.jhtm> Acessado no dia 17 de janeiro de 2009.

Relator da ONU acusa Israel de violar Convenção de Genebra. Disponível no site :<http://jbonline.terra.com.br/nextra/2009/01/07/e070117315.asp> Acessado no dia 17 de janeiro de 2009.

A questão da Palestina. Disponível no site:< http://www.ljib.hpg.ig.com.br/a_questão_da_palestina.htm> Acessado no dia 17 de janeiro de 2009.

Divide et Impera. Disponível no site: <http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20119>Acessado no dia 17 de janeiro de 2009.

Com amigos assim, quem precisa de inimigos?Dois neo-realistas reduzem a amizade entre os EUA e Israel ao tráfico de influência. Disponível no site: <http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/> Acessado no dia 17 de Janeiro de 2009.

O lobby de Israel. Disponível no site:<http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/o_lobby_de_israel.pdf> Acessado no dia 18 de janeiro de 2009.


Autor: PAULO SANTOS


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