Jeh, Em Busca Das Cores



CAPÍTULO I

Jeh

'... as cores são frutos dos arco-íris, você deve...'

Subitamente, algo começou a incomodá-lo. Sentiu que suas pernas estavam sendo atacadas como que por uma britadeira, contínua e progressivamente. Começou a ouvir seu nome repetidas vezes, ecoando, ganhando intensidade, entrando em sua cabecinha confusa e tocando seus frágeis tímpanos. Abriu os olhos lentamente tentando entender o que acontecia. Um rosto embaçado e familiar começou a surgir.

- Jeh... Jeeeh... Acorda Jeh! Vamos, você vai se atrasar! Não vou falar duas vezes, hem?! Ponha sua roupa e arruma essa cama, temos quinze minutos.

- Mãe? - perguntou para certificar-se.

- Levanta, vai! Não temos o dia todo.

'Não temos o dia todo' disse ela. Jeh pensava diferente. Pulou da cama às pressas mirando o armário onde, dentro de segundos, pegaria seu uniforme escolar, lamentando desde cedo mais um dia inteiro pela frente. Sempre se perguntava se gostava ou não de sonhar; alguns sonhos eram tristes e desses decididamente não gostava, porém os felizes e esperançosos lhe pareciam pinturas em exposição, obras de arte com uma pequena placa ao lado: Não toque. Se perguntava também onde estariam suas meias que, a essa altura, já bagunçavam todas as suas gavetas. Arrumou sua cama em tempo recorde, pensando que se houvesse um campeonato mundial de arrumação de camas, ele seria o vencedor. Correu para o banheiro, girou a torneira da pia e começou a lavar seu rostinho amassado pelo travesseiro. 'Será que existe algo pior que acordar?'

- Três minutos! - alertou sua mãe que o esperava ansiosamente na sala.

- Já sei! - gritou irritado enquanto se enxugava.

Escovou os dentes como se só tivesse cinco ou seis; gostava de guardar um ou um minuto e meio para se pentear. Por fim, mirou o espelho a distância para se auto-avaliar, como fazia todas as manhãs. 'Preto e branco'. Sentia-se culpado por não ter cores, apesar de não lembrar quando as perdeu. A esta hora só se lembrava das gozações dos colegas de classe, pelas quais teria que passar hoje.

- Está na hora! Vamos!

- Já sei! Tô indo! - disse Jeh, enquanto ouvia o barulho do molho de chaves de sua mãe, que parecia fazer questão de chacoalhá-las com a intenção de pressioná-lo a se apressar.

- Pode ir. - murmurou ele - Não faria falta a ninguém se ficasse em casa mesmo.

No caminho da escola, sentado no banco de trás do carro, ouvia sua mãe discursar sobre os mais diversos temas, política, cinema, festas, novelas, esportes, aos quais sempre respondia com um 'Aham', ou um tímido aceno de cabeça fingindo estar prestando atenção. Olhando janela à fora, sentia o ar fresco da manhã bagunçando seu penteado de um minuto e meio, deixando-o levemente decepcionado. Via árvores, carros, pessoas, cachorros, flores, viadutos, um todo que em movimento compunha um quadro à la Van Gogh. Com inveja de todas essas cores e um pouco de tristeza nos olhos, deixou-se escorregar pelo banco traseiro a fim de poder tirar uma soneca longe dos olhos de sua mãe, refletidos no retrovisor.

- O que você achou do filme de ontem, Jeh? Todos aqueles piratas e navios, tiros pra tudo quanto é lado. É por isso que o mundo anda tão  violento. No meu temp...        

- Aham. - respondeu balançando a cabeça, quase adormecido.

Autor: Guilherme Costa


Artigos Relacionados


"amo Você."

No Vale Terá Tura

País De Duas Faces

Pensando Em VocÊ

SolidÃo...

Faces

"fera Ferida"