O Mágico e o Eu



O Encantamento

Cara de palhaço, boca de palhaço, pinta de palhaço... Daí quando o olho vai pro lado e acabamos por ver uns tantos pares de olhos esbugalhados fixos em uma mesma direção. Vemosisso num ano, depois em outro, e em tantas outrasvezes que debaixo do fantasioso espaço da lona, o mágico e o eu se misturavam. Não eram só os palhaços ou malabaristas, eram os colegas de classe, os amigos da rua, ou os recém conquistados, que vinham de outras regiões. Mas naquele momento, não importava muito. Era ele na figura do outro que estava no picadeiro. Então o show era possível, realizável. Nas ruas cada carinha pintada traz em si uma alegria interna, que foge ao controle, quando começa a cantoria : " Jogue o lixo no lixo, não jogue o lixo no chão..." então o poético, o mágico, transforma-se no prático, no educacional.

O fazer popularé parte da própria infância.É nela que se aprende como ser adulto, e é essa educação que se reflete durante toda a vida. Ela deve ser mágica como nos contos de fada. Cada lição vem com a vivência e com o entendimento desta. No mundo sem o circo o aprendizado está centrado no outro, que é esse adulto, que há muito esqueceu-se da rua e de seus prazeres.

A figura do palhaço, grande amigo e professor, lembra o inocente que aprende testando e que pergunta sem medo de errar. O Louco do tarô, que inicia sua jornada partindo do nada. Se comunicar é trocar informações, as crianças são os grandes comunicadores e o circo, o grande desaguador dessa comunicação. Por que? Não existe espaço mais democrático e diversoque a lona circense. Um lugar que abriga cada sonho, cada forma de relação, cada jeito de dizer o que se quer.Não há barreiras quando se está no picadeiro.Ali a bailarina sempre será bonita e o palhaço sempre engraçado. Um jeito bom de driblar os altos e baixos da vida.No circo o menino da rua, o literalmente "filho da puta", é o astro na perna de pau ou do malabarismo. Ele não tem que se esconder, pelo contrário ele vai se mostrar e será aplaudido. No picadeiro não interessa quem ele é socialmente e sim o que ele faz.

O Miolo da teia da Aranha

O circo é a foz da comunicação infantil. Quando se pensa nesse modelo, que vem do circo, acaba-se visualizando redes de comunicação. Ela existe em função dos pequenos (crianças), que através da brincadeira, do jogo, se relacionam de uma forma tão eficiente que suas informações ultrapassam os anos, as fronteiras ou mesmo o velho muro que separa os vizinhos, e de repente, passam a fazer parte do imaginário coletivo. Se Strauss estudou a comunicação das mulheres, deveria ter olhado a comunicação das crianças. A infância consegue uma eficácia, tão própria e tão precisa, que além de socializar o conhecimento ela atravessa o tempo; e com essas crianças já adultas, é possível lembrar de velhas histórias da infância, que passam de geração a geração, povoando o imaginário e se espalhando por outras regiões. Quantas coisas aprendemos na infância, nas trocas íntimas, nos segredos de cuspe e dedinho. Quantas verdades negadas em casa ou na escola (espaços que deviam educar e não adestrar), aprende-se na convivência, na experimentação das ruas.

As crianças são articuladores natos. Se elas tivessem a oportunidade de apropriar-se das novas tecnologias de comunicação, elas apenas gerenciariam toda a gama de informação que já possuem. Basta observar o dia a dia. São elas que dominam a linguagem da internet. O novo, passa a ser o grande impulsionador dessa busca incansável de informação. Cercada por um mundo elétrico e eletrônico, sua mente pulsaconforme o ritmo alucinante dos BIT´S. Maso contato humano é fundamental e não pode ser deixado de lado. As experiências humanas não poderão ser passadas apenas pelas teclas do computador. A comunicação é exigente, ela pede contato, pois se alimentado que vê, ouve , fala e sente.

A formação de uma rede infantil de comunicação, parte do princípio simples, que comunicar é uma grande brincadeira. A comunicação deve ser prazerosa tanto a quem recebe, quanto a quem emite. A criança, não pode ser deixada de fora desse processo de mundialização, porque elas participam do mundo adulto. Estão presentes. Ela deve perceber que às vezes suas dúvidas são as mesmas que uma criança japonesa, ou mesmo que a discriminação que uma criança negra sofre nos EUA não difere muito da que recebe a criança africana ou brasileira.

A ótica infantil é especial, portanto deve ser respeitada e fomentada. Olhar e ouvir como uma criança é estar aberto a esse processo de criação do cidadão do mundo. Alimentar hoje uma rede infantil de comunicação, é viabilizar para o futuro um processo comunicacional democrático, que terá bases para se auto-sustentar. A diversidade é fundamental para o engrandecimento dos povos. A vivência é dinâmica e a cultura não pode ser diferente. Um novo modelo de educação, passa essencialmente por esta comunicação. O poder perceber e entender e assim comunicar.

Mais sonhado que o real

Seria confuso pensar o circo, não como projeto concreto, mas como processo interno de transformação? Falo isso pois trabalhei em uma escola de circo e pude ver de perto sua eficiência. Talvez se o indivíduo teima em entender a comunicação e a educação como algo cartesiano e funcionalista jamais entenderá a magia circense.O circo na realidade estaria interno a cada um.Visualize o circo; primeiramente seu espaço físico. Agora visualize o espetáculo. Toda a sua diversidade de linguagens, todos os signos e significados presentes em cada movimento, nas cores, nos sons... agora olhe a platéia, o que se vê não é uma diversidade de pessoas nas arquibancadas ou nas cadeiras? É ou não possível ver o circo dentro de cada um? Chame memória genética ou seja lá o que for, mais cada um já nasce com um saber próprio, e apreende muito mais com o contado social. Isso gera a diversidade que nos faz tão belos.

O circo interno é formado por esta pessoa que se vê no espelho e todas as outras que o cercam. Quantos espetáculos não podem ser formados a partir daí. Modificar o interior é subir o mastro principal a partir do sentir. Quando bebês, os homens tocam e sentem, assim conhecem o mundo. O picadeiro é formado pelo ato de comunicar, e a formação desse circo interno depende das piruetas que se está disposto a dar nas suas certezas e nos pré-conceitos.

Comunicar e educar, são palavras diferentes que levam para um mesmo caminho. Não se educa sem comunicar, não há educação sem troca de experiências, sem composição de realidades, sem sonhos.Sair do cinzento mundo da sala de aula, não vai resolver os dramas internos. A responsabilidade da criação dos adultos de amanhã, recai hoje, toda sobre esta instituição linear e atrasada que a escola se tornou.Não serve apenas sair para um encontro com o circo. Isso é pouco, talvez quase nada. Deve-se estimular a criação do circo interno, que no coletivo, modificará, as instituições e os processos. No entanto, o nosso foco tem sido até o momento as crianças e jovens. E os adultos? O circo interno seria uma utopia para eles ou é possível modificar o pensamento cristalizado das pessoas que não acreditam em mudanças.Fomentar essa crença impede que as elas comecem. È no ensino fundamental que toda essa base pode ser constituída, mas hoje precisa-se do adulto consciente e disposto para preparar os homens e mulheres de amanhã.

HOMO LUDENS

Desde o início o homem brinca. Brinca para aprender, brinca para se sentir feliz, brinca para se relacionar. Toda e qualquer atividade humana pode ser um jogo. O jogo se baseia na manipulação de certas imagens, numa certa " imaginação" (huizinga,07).O brincar é acima de tudo o experimentar. Como suprimir o imaginário com tarefinhas mimeografadas aonde a criança se vê limitada a um desenho no papel e que para ser considerado bonito, deve seguir regras e padrões que ela não criou ou mesmo foi consultada se gostava ou não. Onde fica a participação, o gostoso do processo de aprender, o testar? O Homem além de ser sábio é lúdico.

Mas as formalidades dos processos educacionais devem ser mantidas. Então aonde cabe a Anarquia?Segundo Althusser1, a escola é uma das formas de controle do governo. Um controle mantido através da educação precária, aonde se finge que ensina e o aluno que aprende. A escola diferenciada, humanista, não teria espaço dentro de um sistema capitalista de produção, que não cria homens e sim engrenagens para manter a máquina, pois esta criaria livres pensadores. Como destaca Gutierrez2 o princípio de Descartes " Penso logo existo" , que cederia a vez a " Existo, logo Penso".

Hoje a escola já perde espaço para os meios de comunicação como a televisão, que educa muito mais que ela.O aparelho ideológico, como assim é chamada a escola por Althusser, então muda de foco; mas continua presa as mesmas formalidades e os professores continuam sendo senhores feudais em suas salas de aula.

Path Adamns, médico, levou para o hospital a terapia do riso. Nada novo se analisarmos o riso como forma de catarse social. Mas, o riso liberta!Segundo Batkhtin3o riso não impõe nenhuma interdição, nenhuma restrição. O riso passa a ser a grande descarga da população que leva toda a coisa mal cheirosa, porque nunca poderá ser usado para oprimir.O lúdico levará fatalmente ao riso, então não estará aprendendo a criança que ri daquilo que cria ou participa? As pessoas riem de si, dos acertos e erros, porque brincar é projetar a realidade sob outro ângulo.

O Riso impõe outro diálogo social. O deboche arrebenta com o formalismo do conviver, com as hierarquias, com os discursos formatados. Através do riso falam-se as verdades que travam a garganta. A charge critica ferinamente os políticos, enquanto o palhaço encarna o malandro que pode até se dar bem, mas não será pra sempre.A verdadeira cortina popular abre-se a convivência dos iguais e a beleza do cotidiano. Talvez uma grande anarquia a olhos despreparados, assim como a partitura o é para quem não estuda música. No entanto quando bem regida, a sociedade pode apresentar belíssimos discursos como uma bela sinfonia .

O circo é caótico. Mas, existe ordem no caos. No entanto a variedade do picadeiro é harmônica. A anarquia não implica na ausência de disciplina e sim na quebra de hierarquias despóticas e não assumidas. O mundo dos sonhos sob a lona é o mundo das diversas possibilidades de se comunicar algo da forma que lhe convier.O Sonho também é lúdico, porque possibilita o mágico e quebra fronteiras. O Sonho é particular e ao mesmo tempo coletivo, porque a mágica do circo está na igualdade de oportunidades dadas a todos aqueles que se abrigam sob sua cobertura.

Comunicar pela vara de condão

Chegamos então ao objetivo do circo. Comunicar por todos os sentidos. A experiência e o contato humano são os maiores pontos de formação de mensagens. Não é só a boca que fala.O sentido da comunicação está em emitir a mensagem e o sentimento de comunicar em entendê-la. No circo esse processo é lento, no entanto mágico, porque integra as pessoas pelas suas múltiplas inteligências.Em cada ponta da lona podemos encontrar uma habilidade a ser desenvolvida, e lógica, alguém que se encaixe e que reproduza esse conhecimento está apto a promover mudanças.

A grande vara de condão, que transforma o mágico, pode estar nas mãos de um professor que não se acomoda, de um aluno que se inquieta, ou das pessoas que repousam em seus sofás vendo a vida passar por elas e acreditando que nada tem a ver com isso. Um dia quando a paternidade ou a maternidade bater-lhes a porta, cada qual terá de entender as mudanças do mundo, e educar não é uma tarefa fácil. Educar verdadeiramente é mais difícil ainda. A mudança exige paciência.

A lógica do Circo permite que crianças e jovens sejam os gestores do espetáculo. Talvez por isso ele pareça tão mágico, porque dá vez a fala de cada um. Eles podem dirigir-lo para aonde eles querem. Porque ser diferente no seu dia a dia, seria tão mais fácil se o adulto não temesse o embate com a criança. Sempre que saímos com o circo para mais uma oficina, a palavra que mais ouvimos ou falamos é que tudo faz parte do processo. Mas o que sabemos, e que ele pode até ser iniciado através das oficinas, palestras e ações comunitárias, mas é sua continuidade, se dará pela manutenção do circo interno. Esse sim pode provocar mudanças que perpetuaram a magia.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis . Aparelhos Ideológicos de Estado. Editora graal, 10ª, 2007

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. 6ª ediçãoBrasília: UCITEC, 2008.

CERTEAU, Michel. Artes de Fazer. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: ed. Vozes, 1994.

GUITIERREZ, Francisco. Linguagem Total – Uma pedagogia dos meios de comunicação. 4ª edição, São Paulo, Summus editorial, 1978.




Autor: Minéia Gomes


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