VÍNCULO



Tenho um vinco entre as sobrancelhas, quase uma cicatriz, que poderia perfeitamente ser preenchida com botox, e me deixaria com a fisionomia mais leve. Mas eu tenho relutado muito em preenchê-lo. Esta marca faz parte da minha história. Ela demonstra as tantas vezes que contorci meu rosto de dor, medo e preocupação. Gosto de ser vaidosa. Quero envelhecer com elegância. Mas preciso deixar certas marcas, pois são a minha identidade. Sem elas vou me tornar apenas mais uma. Uma mulher sem passado, cujo rosto não tem nada a dizer. Deixo minhas rugas de expressão para que falem por mim sobre aqueles assuntos delicados que não quero relembrar. Nem sempre estou disposta a falar de tudo, então elas são a minha salvação.

Para um bom observador, é mais fácil conhecer uma pessoa pelos gestos, rugas, manchas e movimentos dos olhos, do que pela história que lhe é atribuída com palavras. Muitas pessoas que se submetem a tratamentos de beleza e cirurgias plásticas, a pretexto de permanecerem jovens, estão, na verdade, tentando esconder parte de sua história, por não gostarem dela.

Eu não acho que minha história de vida seja a mais triste, a mais bonita, ou a mais engraçada. Também não acho que deva ser escondida ou mostrada em filme. É apenas uma história, como tantas outras. Mas é a minha. A transposição de tantos obstáculos me fez assim. Quando me olho no espelho, percebo que aquela marca entre as sobrancelhas é meu maior vínculo com a realidade e, ao mesmo tempo, é o que me faz  sonhar.


Autor: Zu Fortes


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