NA FEIRA



Na última Feira do Livro de Porto Alegre, fui com uma amiga a um sarau poético, cujo tema era a obra de Machado de Assis. Lá chegando, sentamo-nos um pouco atrás e perto da porta, pois já havia começado e não queríamos chamar a atenção. Pouco depois, vendo muitas cadeiras vazias nas duas primeiras filas, decidimos trocar de lugar discretamente. Escolhemos a segunda fila, embora a primeira estivesse totalmente vaga. Ao meu lado esquerdo havia uma cadeira com uma sacola plástica e o que parecia ser uma peça de roupa – um casaco, talvez. Mais adiante, uma senhora embevecida com o que acontecia no palco; nem notou nossa presença. Não tardou e apareceram quatro meninas alvoroçadas, arredando as cadeiras da primeira fila, para chegarem até a mãe. Deviam ter entre três e dez anos. O barulho das cadeiras e das sacolas plásticas que elas remexiam, somados aos sussurros muito audíveis, quebraram completamente minha concentração. Fiquei bastante irritada, principalmente porque elas iam e vinham. Saíam para a rua e tudo ficava em paz. Logo estavam de volta, tumultuando o ambiente. Eu não conseguia entender aquela mãe que não tomava nenhuma atitude para silenciar suas meninas. Apenas abriu a blusa e ofereceu o seio à menor, numa atitude mecânica, sem desviar os olhos sorridentes do palco.

            Minha irritação atingia seu pico, quando a menorzinha sentou-se ao meu lado. Quis fazer cara de bruxa, mas não consegui. A menina me encarou com um sorriso tão sincero e seus olhinhos pretos brilharam para mim. Me enterneci de imediato. Olhei atentamente para a mulher ao lado e fiquei tentando imaginar qual seria a sua história. Uma mãe de família, de origem simples, atraída por tantos eventos gratuitos da Feira. Vestiu a filharada com roupa domingueira e as trouxe para passear. Já cansada - final do dia - resolveu sentar-se ali e permitir-se um pequeno prazer. Uma mulher incomum, capaz de interromper seu trajeto para ouvir falar de Machado de Assis e seus personagens. Quem sabe o que a esperava em casa? Que tipo de marido teria? Se é que tinha um. Que árdua semana de trabalho pela frente? Não devia ter uma vida fácil. Ela estava ali, sem dúvida, tomando um fôlego, renovando energias. Alheia a todo o resto, naquele instante mágico só existiam Capitu e Bentinho. E aquelas meninas barulhentas não eram problema dela.


Autor: Zu Fortes


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