AS IMPLICAÇÕES DA SEXUALIDADE INFANTIL E A ORIENTAÇÃO SEXUAL NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES



RESUMO

A sexualidade é extremamente importante em todas as fases do desenvolvimento humano. É uma necessidade básica do ser humano, que não pode ser dissociada de sua vida, pois envolve sentimentos, pensamentos e ações. Por ser história e cultura, a compreensão da sexualidade humana é dinâmica e mutável. Portanto, não só no mundo adulto, como também no infantil, o tema sexualidade tem singular importância. Estudos apontam que, mesmo ciente da responsabilidade que tem no processo de desenvolvimento da sexualidade das crianças, juntamente com outras instâncias da sociedade, a escola nem sempre se envolve com o tema na intensidade necessária, e, muitas vezes, quando o faz é de modo reducionista, atendo-se as questões biológicas da reprodução. Nesse sentido, o presente estudo procurou averiguar como as séries iniciais do ensino fundamental se relacionam com a temática sexualidade, se a mesma é abordada neste espaço escolar, como é abordada, se não é abordada, identificar os motivos que justificam a sua exclusão. Para alcançar o objetivo de identificar como se encontra a Orientação Sexual nas séries iniciais do Ensino Fundamental, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o tema e pesquisa de campo, com aplicação de questionários aos educadores de duas escolas públicas de Coromandel: Escola Municipal Antônio Matias Pereira e Escola Estadual Osório de Morais, além de uma pesquisa com os alunos das escolas acima citadas, onde depositaram em uma caixa lacrada perguntas sobre sexualidade, sem identificarem-se. A pesquisa aponta a inexistência de uma proposta de orientação sexual na escola, a carência de materiais adequados para a abordagem do tema e uma elevada angústia dos professores, que se sentem despreparados para assumir tal desafio, devido à falta de conhecimento teórico e também, por carregarem muitos preconceitos, mitos e tabus que a própria sociedade reforça. Enquanto os professores sentem-se despreparados para educar sexualmente, as crianças internalizam informações que nem sempre tratam do assunto de forma clara e significativa ao seu desenvolvimento e também possuem várias dúvidas, que ocasionam angústia e tensão às mesmas, podendo influenciar até mesmo no aprendizado escolar. O estudo sinaliza para a importância do psicopedagogo no trabalho de Orientação Sexual na escola de Ensino Fundamental, realizando uma ação psicopedagógica de auxílio aos professores e orientação aos alunos e pais. Palavras–chave: sexualidade, orientação sexual, escolas, psicopedagogo, professor.

INTRODUÇÃO

A sexualidade infantil ganha cada vez mais espaço nas discussões e estudos científicos. Ela é fundamental na formação da personalidade, pois é uma necessidade básica do ser humano, estritamente relacionada aos pensamentos e ações.Preocupada com a forma de como a sexualidade vem sendo trabalhada nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ou até mesmo silenciada pelos educadores que criam artifícios e desculpas para não trabalhá-la, foi que surgiu o interesse em conhecer a concepção dos educadores acerca das questões relacionadas à sexualidade infantil, bem como a prática pedagógica destes naquilo que se refere às manifestações e implicações desse tema.

Nesse sentido, o presente estudo procurou averiguar se duas das escolas públicas de Coromandel: Escola Municipal Antônio Matias Pereira e Escola Estadual Osório de Morais, têm exercido seu papel de Orientação Sexual, concedendo aos alunos o subsídio para o desenvolvimento de uma consciência crítica e a tomada de decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade.Esse trabalho teve como alvo levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimentos acerca de como as séries iniciais do ensino fundamental se relacionam com a temática sexualidade, se a mesma é abordada neste espaço escolar, como é abordada, se não é abordada, identificar os motivos apontados pelas professoras que justificam sua exclusão e refletir como o psicopedagogo pode intervir nessa realidade.

Os resultados apontados são o resultado de uma pesquisa de cunho qualitativo, na qual foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o tema e pesquisa de campo, nas escolas acima citadas, junto a sete professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, através da aplicação de questionário, além de uma pesquisa com os alunos daqueles educandários, os quais depositaram em uma caixa lacrada perguntas sobre sexualidade.

A Orientação Sexual é um dos temas transversais1 proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, do MEC, visandoa compreensão e reflexão da realidade social, construindo assim a cidadania. A proposta da inclusão da Orientação Sexual nas séries iniciais do Ensino Fundamental data hoje dez anos, haja vista foi lançada em 1996. Evidenciar se a as escolas, nessa década, têm aderido essa proposta a seus currículos, se os professores têm incorporado seu papel de educadores sexuais, se os cursos de formação de professores têm incluído programas de formação do educador sexual, é uma questão a se verificar e refletir.

Orientar sexualmente não significa informar. A simples passagem de informações, embora muito relevante e de fundamental importância para o processo educativo, não se constitui, em si mesma, nesse processo. Fornecer informações sobre determinados fatos não é, isoladamente, um processo de orientação ou educação, embora possa fazer parte do processo. Informar é uma atividade de ensino, de instrução, e não de orientação, ao menos enquanto a informação for passada isoladamente, pois a informação não muda comportamentos.

A orientação sexual implica num mecanismo mais elaborado, segundo o qual,baseando-se em sua experiência e em seus conhecimentos, o orientador ajuda o orientando a analisar as diferentes opções disponíveis, tornando-o, assim, apto a descobrir novos caminhos. Orientar, no sentido mais amplo, significa educar, formar, não na acepção de que o educando seja uma cópia do educador, mas sim, na de que o educador dá ao educando condições e meios para que ele cresça interiormente. O conceito de Orientação Sexual aqui explicitado é a preparação, o ato de levara criança aviver sua sexualidade de forma natural, saudável, prazerosa e consciente, sabendo tomar decisões, se posicionar e reconhecer até onde vai sua liberdade e também limites.

A escola, considerada como um lugar adequado para a Orientação Sexual, tem a missão de colaborar com a família na educação das crianças. Aos pais cabe o direito e o dever da Orientação Sexual dos filhos. Este direito/dever existe independentemente da missão da escola e até a precede. Uma vez reconhecido seu direito, compete aos pais tomar plena consciência de sua missão nesse campo da Orientação Sexual, o que supõe preparar-se adequadamente para isto, esforçar-se por vencer as resistências e conservadorismo, buscar permanentemente o equilíbrio psicossexual.A família e escola são dois lugares com missões específicas para cada um embora estejam integrados na unidade de projeto comum. Vale lembrar que a sociedade também executa um papel decisivo da Orientação Sexual de todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos.

O presente trabalho é dividido em três capítulos, os quais enfocam as implicações da sexualidade infantil, o trabalho de Orientação Sexual nas instituições escolares e o papel do psicopedagogo frente à essa realidade.

No primeiro capítulo é abordado o conceito de sexualidade e levantado um breve histórico sobre a mesma, além de elucidar as fases do desenvolvimento sexual infantil e as manifestações da sexualidade da criança.

O segundo capítulo enfoca a questão da Orientação Sexual na escola, discorrendo sobre a importância da mesma ser tratada no ambiente escolar, a postura do educador frente a esse trabalho e a análise dos resultados da pesquisa científica.

O terceiro capítulo enfatiza o papel do psicopedagogo na Orientação Sexual realizada na escola, ressaltando o trabalho psicopedagógico junto ao aluno, ao professor e à família.

Por fim, têm-se as considerações finais. Nelas, serão enfocadas as questões que mais se destacaram no presente trabalho.

CAPÍTULO I

CONCEITO E BREVE HISTÓRICO

SOBRE A SEXUALIDADE

Atualmente, têm-se realizado muitos estudos a respeito da sexualidade humana, pois essa é extremamente importante em todas as fases do nosso desenvolvimento. A sexualidade tem grande relevância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois relaciona-se com a busca do prazer, necessidade fundamental dos seres humanos. Segundo Freud (1856-1939), "é algo inerente, que se manifesta desde o momento do nascimento até a morte, de formas diferentes a cada etapa do desenvolvimento." (FREUD apud GUIA DE ORIENTAÇÃO, 1994, p.22). Freud foi o primeiro a descrever o impacto das experiências da infância sobre o caráter do adulto, reconhecendo a atividade e o aprendizado sexual das crianças.

A dimensão da sexualidade não está vinculada apenas ao aspecto corporal. Ela tem a ver com o mais profundo do nosso ser, com a nossa razão e com os sentimentos. A sexualidade não se refere apenas à questão biológica, ao conjunto de características funcionais e anatômicas do corpo humano, ao ato sexual. A concepção de sexualidade é, porém, muito mais ampla, pois refere-se às questões da razão e dos sentimentos, sendo também uma questão cultural. Cada sociedade cria parâmetros e padrões para o comportamento sexual dos indivíduos.

Na Idade Média, acreditava-se que as crianças eram seres "puros" e "inocentes" que não tinham sexualidade a expressar; e as manifestações da sexualidade infantil possuíam a conotação de algo feio, sujo, pecaminoso, cuja existência se devia à má influência de adultos. As formulações conceituais sobre sexualidade infantil ainda hoje não são conhecidas ou aceitas por toda a sociedade e até mesmo por parte dos profissionais que se ocupam de crianças, inclusive educadores, que se recusam a tratá-la como um tema a ser trabalhado em sala de aula.

O psicanalista Freud, fez um amplo estudo a respeito da sexualidade humana e foi o primeiro a descrever sobre a sexualidade infantil. Para ele, "todos os impulsos e atividades prazerosas são sexuais." (Freud apud KUPFER, 1989, p.47) Acredita que fatores sexuais podem ter sua parte na etiologia das neuroses, sendo muito freqüente a descoberta de fatores patogênicos na vida sexual de pacientes com transtornos mentais.Freud tinha formação humanista muito forte, tinha uma produção intelectual intensa e por sua erudição, conseguia pensar em metáforas para as referidas explicações. Através da mitologia, da arqueologia, foi buscando vestígios do passado na história das pessoas. Freud mostra que "a sexualidade humana não se liga à genitalidade e que se organiza a partir de operações psíquicas." (FREUD apud GUIA DE ORIENTAÇÃO, 1994, p.14) Propôs que as crianças já apresentam uma sexualidade muito diferente das outras espécies e que, na infância, não está comprometida ao órgão sexual, mas a sensações ligadas à sexualidade. Isso foi revolucionário para a época, quando se achava que a sexualidade ficava adormecida. A sexualidade humana tem basicamente uma questão que a torna diferente; é a questão da pulsão, pois nós não somos, tal como os animais, movidos por instinto, mas por pulsão, termo proposto por Freud para dar a idéia de algo que fica exatamente no limite entre o orgânico e o psíquico.

Atualmente,sabe-se que os contatos de uma mãe com seu filho despertam nele as primeiras vivências de prazer. Essas primeiras experiências sensuais de vida e de prazer não são essencialmente biológicas, mas se constituirão no acervo psíquico do indivíduo; serão o embrião da vida mental no bebê. A sexualidade infantil se desenvolve desde os primeiros dias de vida e segue se manifestando de forma diferente em cada momento da infância. A sua vivência saudável é fundamental na medida em que é um dos aspectos essenciais de desenvolvimento global dos seres humanos.

A sexualidade, assim como a inteligência, será construída a partir das possibilidades individuais e de sua interação com o meio e a cultura. Os adultos reagem de uma forma ou de outra, aos primeiros movimentos exploratórios que a criança faz em seu corpo e aos jogos sexuais com outras crianças. As crianças recebem então, desde muito cedo, uma qualificação ou "julgamento" do mundo adulto em que está imersa, permeado de valores e crenças que são atribuídos à sua busca de prazer, o que comporá a sua vida psíquica.

Nessa exploração do próprio corpo, na observação do corpo de outros, e a partir das relações familiares é que a criança se descobre num corpo sexuado de menino ou menina. Preocupa-se então mais intensamente com as diferenças entre os sexos, não só as anatômicas, mas também com todas as expressões que caracterizam o homem e a mulher. A construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à sexualidade, e pelos padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino. Esses padrões são oriundos das representações sociais e culturais construídas a partir das diferenças biológicas dos sexos e transmitidas através da educação, o que atualmente recebe a denominação de relações de gênero. Essas representações absorvidas são referências fundamentais para a constituição da identidade da criança.

Através de um estudo historiográfico, Foucault (1997, p. 30-32) demonstra que a sexualidade das crianças e particularmente dos adolescentes, é preocupação escolar desde o século XVIII, quando esta questão tornou-se um problema público. Assim, a instituição pedagógica da época não impôs um silêncio geral ao sexo das crianças e dos adolescentes. Pelo contrário, concentrou as formas de discurso neste tema, estabeleceu pontos de implantação diferentes, codificou os conteúdos e qualificou os locutores. Tudo isso permitiu vincular a intensificação dos poderes à multiplicação do discurso.

Em estudo sobre a Orientação Sexual na escola, Vidal (1998, p. 108-109), ressalta que no Brasil, a inserção da educação sexual na escola operou-se a partir de um deslocamento no campo discursivo sobre a sexualidade de crianças e adolescentes. Nos anos 1920 e 1930, os problemas de "desvios sexuais" deixaram de ser percebidos como crime para serem concebidos como doenças. A escola passou a ser tida como um espaço de intervenção preventiva da medicina higiênica, devendo cuidar da sexualidade de crianças e adolescentes a fim de produzir comportamentos normais.

Durante as décadas de 1960 e 1970, a penetração da educação sexual formal na escola enfrentou fluxos e refluxos, como mostraFúlvia Rosemberg:

Na segunda metade dos anos 60, algumas escolas públicas desenvolveram experiências de educação sexual. Todavia, elas deixam de existir em 1970, após um pronunciamento da Comissão Nacional de Moral e Civismo dando parecer contrário a um projeto de lei de 1968 que propunha a inclusão obrigatória da Educação Sexual nos currículos escolares. Em 1976, a posição oficial brasileira afirmou ser a família a principal responsável pela educação sexual, podendo as escolas, porém, inserir ou não a educação sexual em programas de saúde.(Rosemberg, 1985, p. 11).

Durante os anos 1980, a polêmica continuou. A preocupaçãodos educadores intensificou-se, devido ao elevado índice de contaminação dos jovens com doenças sexualmente transmissíveis e gravidezes indesejadas. Todavia, as modificações ocorreram quase que exclusivamente em nível de discurso.

Já na década de 1990, a preocupação dos educadores quanto à inserção de um programa de Orientação Sexual no currículo escolar se intensificou. Em 1996, é lançado pelo Ministério do Desporto e Educação, um documento sobre a Orientação Sexual, nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN´s, como tema transversal, visando ser um referencial fomentador da reflexão sobre os currículos escolares, uma proposta aberta e flexível, que pode ou não ser utilizada pelas escolas na elaboração de suas propostas escolares. De acordo com os PCN´s, o tema transversal de Orientação Sexual deve impregnar toda a área educativa do ensino fundamental e ser tratado por diversas áreas do conhecimento. O trabalho de Orientação Sexual deve, portanto, ocorrer de duas formas: dentro da programação, através de conteúdos transversalizados nas diferentes áreas do currículo, e como extraprogramação, sempre que surgirem questões relacionadas ao tema.

VIDALcita que

enquanto nos anos 30 a discussão sobre educação sexual eclodiu na escola num momento em que a sífilis fazia numerosas vítimas, atualmente a intensificação das preocupações com a orientação sexual na escola está vinculada à proliferação de casos de AIDS/DST e ao aumento de casos de gravidez entre adolescentes.(VIDAL, 1998, p. 59)

Vinte anos depois do primeiro relato público de caso de Aids, estima-se que as mortes causadas pela doença já chegam a 22 milhões. A incidência de adolescentes entre 10 e 14 anos grávidas no Brasil aumentou 7,1% entre 1980 e 1995. Atribui-se à escola a função de contribuir na prevenção dessa doença e dos casos de gravidez precoce.

Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo lê-se: "o melhor método anticoncepcional para as adolescentes é a escola: quanto maior a escolaridade, menor a fecundidade e maior a proteção contra doenças sexualmente transmissíveis." (FOLHA DE SÃO PAULO, 2001, p.07)

Sabe-se que a Orientação Sexual nas escolas é de suma importância para o bem estar das crianças e dos jovens, na vivência de sua sexualidade atual e futura.

Nunca a sexualidade esteve tão presente nos meios de comunicação. Atualmente, a geração que fez a revolução sexual nas décadas de 1960 e 1970, está pasma com a precocidade e a liberalidade da vida sexual dos jovens. Esses, muitas vezes ingressam-se na mesma, expondo-se a uma gravidez indesejada, ao abuso sexual, àcontaminação por doenças sexualmente transmissíveis, por falta de uma devida orientação. O que ocorre em nossos dias é o domínio da fala da sexualidade, mas esta ainda é reprimida, preconceituosa, repassada à nova geração de maneira fragmentada, como nas décadas passadas. A mídia, que veicula programas extremamente erotizados e campanhas preventivas, quanto a DST/AIDS, muitas vezes gera ansiedade e tensão nas crianças e jovens. Os mesmos não podem compreender por completo o significado das mensagens transmitidas e muitas vezes constroem conceitos e explicações errôneas e fantasiosas sobre a sexualidade. Assim, percebe-se a relevância de esclarecimento do tema, através da orientação da infância e da juventude, que deve ser realizada pela família, escola e sociedade.

A família possui o direito e o dever de educar sexualmente os filhos.A sexualidade é primeiramente abordada no espaço privado, através das relações familiares. Assim, de forma explícita ou implícita, são transmitidos os valores que cada família adota como seus e espera que as crianças assumam. Mas o conservadorismo, ainda existente no espaço privado, impede o estabelecimento de diálogos e esclarecimento de dúvidas no âmbito familiar.

Assim, as crianças e jovens levam consigo todos os anseios e curiosidades para a escola, onde são manifestados através de atitudes ou questionamentos. Cabe a ela desenvolver uma ação crítica, reflexiva e educativa. Sendo assim, os educadores vêem-se no dever de orientar seus alunos. Devem contribuir para que eles sejam melhor informados. Devem orientá-los, complementando a educação oferecida pela família.

O trabalho sistematizado de Orientação Sexual dentro da escola articula-se, portanto, com a promoção da saúde das crianças e dos adolescentes. A existência desse trabalho possibilita também a realização de ações preventivas das doenças sexualmente transmissíveis, de forma mais eficaz, além de contribuir para a prevenção de problemas graves como o abuso sexual e a gravidez indesejada. As informações corretas, aliadas ao trabalho de auto-conhecimento e de reflexão sobre a própria sexualidade ampliam a consciência sobre os cuidados necessários para a prevenção desses problemas.

1.1 - As fases do desenvolvimento da sexualidade infantil

Até o século XVII a infância não era sequer reconhecida como um período bem individualizado da vida humana. Nesse enfoque, a criança era vista apenas como um pequeno adulto, não recebendo uma educação específica e tendo que, muito precocemente, conviver com o trabalho e com as preocupações próprias dos adultos.

Com o empobrecimento da nobreza e com a ascensão da burguesia, ocorreram movimentos de valorização da cultura, passando a ser exaltada a pureza infantil, dentro de todo um contexto social de revalorização de alguns movimentos religiosos. Compreendia-se, então, a prática do sexo como uma atividade pecaminosa e não merecedora da aceitação divina e social. As crianças, por não terem os genitais externos ainda desenvolvidos e por não praticarem atividades sexuais, estavam em estado de pureza, isentas assim de qualquer "culpa". Acreditava-se ser essa "inocência" proveniente da ignorância sobre o sexo, sendo, então, defendida a postura da conservação dessa inocência pela manutenção da ingenuidade infantil. A partir desses conceitos, foi valorizado um tipo de educação que ao mesmo tempo mantinha as crianças desinformadas e impunha-lhes um padrão repressor de comportamento, visando-se mantê-las afastadas da curiosidade e dos conhecimentos sobre a sexualidade.

Os resquícios sociais de tais padrões educacionais podem ficar bem evidenciados na angústia que grande parte dos adultos atuais sofre frente às manifestações da sexualidade infantil, como, por exemplo, a masturbação ou indagações sobre questões sexuais. Infelizmente, pode-se notar que atualmente, em pleno século XXI, em algumas instituições familiares e escolares, ainda vigora esse tipo de educação, que reprime, ao mesmo tempo em que nega a sexualidade do ser humano durante a infância.

Uma conseqüência interessante que esse enfoque ainda conserva é o freqüente uso de crianças nas mais diversificadas mensagens e propagandas publicitárias, mesmo aquelas não dirigidas a um público infantil. Parte-se do princípio que, como é inocente, a criança diz apenas a verdade, não mente; assim, se recomenda um determinado produto é porque ele é realmente bom.

No início do século XX asexualidade infantil ganha novas concepções. Em 1905 Sigmund Freud publica seu trabalho sobre a sexualidade infantil, que será revisto até 1920.

As idéias básicas desse trabalho, e aparentemente óbvias para nós, atualmente, causaram um espanto e um repúdio tão grande, que Freud foi considerado por muitos como um perverso, neurótico e inconseqüente. Foi necessário que o tempo passasse e a humanidade tornasse-se um pouco mais flexível em relação à sua sexualidade e seus modelos afetivos, para que muito da hipocrisia da sociedade em que Freud vivia fosse desmascarada, e o seu trabalho encarado como uma contribuição fundamental para a compreensão da psique humana.

Freud observa, no decorrer de suas análises, que as fases do desenvolvimento individual se organizam de acordo com a parte do corpo em que a libido está momentaneamente concentrada, em conseqüência das necessidades fisiológicas e dos cuidados de higiene porque passa a criança em seus primeiros anos de vida, estabelecendo, assim, a primazia de uma zona erógena do corpo. As fases pré-genitais são nomeadas pela parte do corpo onde está concentrada a libido (fase oral, anal e fálica) que, por hipótese, num transcurso normal do desenvolvimento, deve alcançar um período de latência, que se situa entre os sete e treze anos de idade, até, finalmente, chegar à fase genital, onde alcança sua plenitude por volta dos dezoito anos de idade.

A primeira fase do desenvolvimento da sexualidade é denominada por Freud de Fase Oral. Vai desde o nascimento até o desmame, estando sob a primazia da zona erógena bucal. É pela boca que a criança começará a provar e a conhecer o mundo externo. O seio e a mamadeira são os primeiros objetos de prazer que a criança tem contato, àmedida que saciam a fome que causa tensão no organismo. A criança procurará repetir a sensação prazerosa de satisfação que ocorre com a alimentação, tentando reproduzi-la, independentemente da necessidade fisiológica, levando à boca todos os objetos que estiverem disponíveis: dedo, chupeta, chocalho, fraldas, etc.

A mãe passa a ser, então, uma figura ligada à satisfação, ao prazer do ato de mamar, a quem a criança está identificada. A mãe constitui-se, primitivamente, no primeiro objeto de amor a quem a pulsão se liga fora do corpo da criança. Ela incorpora o leite através do seio e sente a mãe dentro dela como um só ser. A esse primeiro momento narcíseo, tem-se uma forma passiva de manifestação da Fase Oral. Tudo que a criança encontra é levado à boca, visando a apreensão em si mesma, numa relação incorporativa do mundo que a cerca.

Num segundo momento, paralelo aos sofrimentos da dentição, a criança manifesta uma pulsão agressiva, destrutiva, mordendo tudo que vier à boca. É desse momento de agressividade, frente ao objeto amoroso, que a criança extrairá subsídios afetivos para futura combatividade social. Para a criança, amar significa incorporação oral e o mastigar atualiza fantasias destrutivas.

Um bom desenvolvimento dessa fase resulta num modelo afetivo saudável. De acordo com Freud, uma frustração na Fase Oral estabelecerá a preponderância da agressividade e da destrutividade do objeto amoroso e de determinadas características da personalidade do indivíduo. Adultos que, por alguma razão, foram privados quando crianças da Fase Oral, poderão ter o hábito de chupar o dedo, levar objetos à boca, serem fumantes, bebedores, comilões, toxicômanos etc.

A segunda fase do desenvolvimento da sexualidade recebe o nome de Fase Anal. A libido passa da organização oral, gradativamente, sem evidentemente abandoná-la de todo, para a Fase Anal, aproximadamente entre um a três anos de idade. Esta zona passa a ter uma importância significativa, paralelamente ao aprendizado do asseio esfincteriano. A mãe passa de nutridora incondicional da Fase Oral à exigente disciplinadora dos hábitos de higiene, criando um sentimento de ambivalência da criança em relação a ela. Segundo SUPLICY,

as fezes passam a ter então um valor simbólico, constituindo-se no primeiro produto que a criança oferece ao mundo - que efetivamente lhe pertence - é uma produção própria. É através desse produto que a criança cria uma fantasia de valor simbólico das fezes. No ambiente seguro para a criança, as fezes passam a representar um presente a ser ofertado aos pais; quando, ao contrário, o ambiente é hostil e exige uma disciplina rígida quanto aos hábitos de higiene, a criança se recusa a oferecer as fezes ao mundo externo, ou seja, sua produção, seu presente. Doar seu produto no momento em que é solicitado torna-se uma maneira de presentear à mãe, ao contrário, a recusa é uma resposta negativa frente ao desejo materno. (SUPLICY, 1993, p.29)

Ao atingir o controle esfincteriano, a criança descobre a noção de seu poder, da sua propriedade privada - as fezes que ela oferece ou não quando ela quer. Esse símbolo se desdobrará ao longo da vida no dinheiro, nos objetos preciosos, no controle, na posse, etc. Segundo Freud, uma vivência negativa nessa fase tornará o sujeito exigente, manipulador, controlador, obsessivo por limpeza e arrumação, mesquinho em relação à suas posses.

A terceira fase do desenvolvimento da sexualidade infantil, a Fase Fálica, ocorre dos quatro aos sete anos aproximadamente, e é marcada pelo interesse sobre a diferença anatômica, isto é, sobre os genitais. É marcada também por um momento decisivo para a formação do sujeito - "O Complexo de Édipo". As curiosidades sobre as diferenças entre os meninos e as meninas se voltam para o órgão sexual masculino. O pênis, por ser visualmente destacado, passa a ter um significado de referência. O menino, que possui o pênis, encara a falta na menina como uma ameaça à sua integridade física. A fantasia de que todos são iguais e que, por algum motivo, as meninas foram punidas e castradas, leva o menino a temer a castração. Já a menina, a priori, encara a diferença como uma perda irreparável. O clitóris representa para ela o pênis não desenvolvido, que foi castrado. Surge, nessa fase,o "Complexo de Castração".

O Complexo de Castração está ligado ao núcleo do Complexo de Édipo e surge como uma ameaça real ou fantasmática de castração. O menino teme ser castrado pelo pai a quem ele ama e odeia. O ódio está diretamente ligado ao relacionamento especial que a figura paterna mantém com seu objeto de amor - a mãe. A autoridade do pai interpõe-se na relação amorosa do menino com a mãe – na angústia de ser castrado pelo pai, como castigo do seu desejo pelo objeto amoroso proibido. O caminho da menina é diferente, pois ela entra no Complexo de Édipo, ou seja, no triângulo amoroso mãe-pai-filho, não com o temor da castração, pelo desejo do objeto proibido (a mãe), como acontece com o menino, e, sim, já castrada, procurando o pênis do pai, o falo, que é o representante do poder, onde reside em última instância o desejo da mãe. A menina, sentindo-se castrada desse poder,vai em busca na direção do pai. A menina, então, introjeta os valores femininos imitando a mãe para seduzir o pai. Em busca do que falta a ela e à mãe, acaba por identificar-se com a figura feminina. O declínio do Complexo de Édipo na menina é mais complicado.

A Fase de Latência é a quarta fase do desenvolvimento da sexualidade infantil. Com a resolução dos conflitos edipianos, pela repressão ou recalcamento do interesse sexual pelos seus pais, por volta dos sete aos treze anos, surgem as faculdades de sublimação, que permitem ao indivíduo a conquista do mundo exterior - a socialização efetiva da pessoa. É nessa fase que surge a competência e a disposição para um desenvolvimento intelectual abrangente.

A última fase, a Fase Genital, ocorrida aproximadamente dos treze aos dezoito anos, coincide com a adolescência, caracterizando-se por mudanças corporais e psicológicas. Nessa fase, o indivíduo apresenta um corpo em desenvolvimento e uma mente se descobrindo. Descobrindo o pensamento, os desejos e até mesmo o próprio corpo. Nessa idade, o espaço psíquico é tomado por fantasias que englobam a capacidade de pensar e a sexualidade centrada nos órgãos genitais. O corpo infantil cede lugar ao corpo adulto.

Assim, observa-se que a sexualidade toma diversos rumos no desenvolvimento sexual humano. Durante o desenvolvimento, a criança passa por várias situações de auto- conhecimento, a princípio do próprio corpo, a seguir do corpo das outras pessoas e por fim, da descoberta do prazer ligado aos seus órgãos sexuais. Ao longo de sua existência, toma consciência de sentimentos e sensações que não estavam ligados ao seu universo infantil e, então, começa a busca do outro para com ele fazer-se completo.

Conforme as fases de desenvolvimento da sexualidade infantil, a curiosidade das crianças é distinta em cada faixa etária. Determinados acontecimentos ocorrem especificamente em determinada época, porém, vale salientar que estes deixam marcas nos períodos subseqüentes. Primeiramente, o bebê vive uma autodescoberta de seu próprio corpo. Descobrir-se um ser único, diferenciado dos outros seres e superfícies exteriores no plano corporal é algo bastante significante. A primeira curiosidade da criança está voltada para o seu próprio corpo, percebendo as partes que o compõem e estabelecendo relações entre sensações e experimentações vivenciadas através do contato com o ambiente externo. Segundo Kaplan (1983), assim que um bebê, seja menino ou menina, consegue controlar suas mãos, vai procurar os órgãos genitais. Ele aprende a fazer isso porque estes órgãos estão diretamente ligados ao centro de prazer no cérebro.

Em seguida, a curiosidade sexual infantil está centrada na eliminação das fezes e urina. A criança tem curiosidade em descobrir como é capaz de produzir e eliminar as fezes e urina. Observar e manipular estas matérias são motivos de curiosidade e prazer para os pequeninos. Porém, é nessa etapa do desenvolvimento sexual que a criança sofre maioresinterferências da educação repressora. A família comunica à criança que o prazer advindo desta região não é aceito pelos adultos. A vergonha que o adulto demonstra em relação aos seus órgãos genitais é assim transferida para a criança. Vitiello e Conceição dizem que

nesta fase, é novamente exercida a repressão através da demonstração de nojo e desagrado às fezes e urina. As regras sociais vigentes para as funções fisiológicas de evacuar e urinar são rigorosas, sendo intolerável qualquer transgressão. Aliás, importa lembrar que a comunicação de desamor por parte da mãe [função materna] é o mais eficiente dos recursos de repressão aos sentimentos de prazer e liberdade em relação ao controle dos esfíncteres. Essa repressão foi, em tempos passados, realizados através da comunicação oral. Hoje, com as constatações científicas de que este comportamento repressivo não é benéfico para a criança, a comunicação oral vem sendo substituída pela comunicação corporal (VITIELLO; CONCEIÇÃO apud AQUINO, p. 63).

Após, a criança começa a perceber a diferenciação de gênero. A sua curiosidade a respeito da sexualidade volta-se para a diferenciação dos sexos. É comum a essa etapa do desenvolvimento que as crianças manifestem sua curiosidade através da exibição de seus órgãos genitais a outras crianças da mesma idade ou até mesmo aos adultos ou queiram ver os órgãos genitais das crianças do sexo oposto ao seu. O porquê as meninas são diferentes dos meninos, porque têm genitálias distintas, são indagações que a criança procura respostas.

Depois de perceber a diferenciação dos sexos, a criança começa a questionar sobre o seu nascimento. Sua curiosidade reside na questão de como nasceu, como foi parar na "barriga de sua mãe", como saiu de lá. As indagações e dúvidas da criança giram em torno da concepção, gestação e parto. É importante salientar que quando a criança pergunta sobre estas questões, deve-se dar a ela respostas verdadeiras e objetivas. Responder que "nasceu dentro de um repolho", "foi trazida pela cegonha", ou qualquer outra resposta aberrante e absurda como estas, pode gerar confusão à criança. Deve-se considerar que a criança é capaz de compreender respostas tanto quanto é capaz de elaborar perguntas.

Mais adiante, as curiosidades das crianças dizem respeito às questões ligadas à puberdade e adolescência. Curiosidades sobre as transformações ocorridas no corpo, sobre os aparelhos reprodutores masculino e feminino, sobre o namoro, a relação sexual, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis.

No cenário atual, onde a mídia faz constantes apelos à sexualidade, exibindo propagandas, programas, filmes e novelas televisivas intensamente erotizados, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, as instituições sociais reprimem e colocam tabus, mitos e preconceitos à sexualidade, as crianças são atordoadas por dúvidas e curiosidades a respeito das questões que não podem compreender por completo.

É necessário que a escola reconheça que desempenha um papel importante na educação para uma sexualidade ligada à vida, à saúde, ao prazer e ao bem-estar, garantindo às crianças o desenvolvimento de sua sexualidade de maneira saudável e prazerosa.

CAPÍTULO II

A ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA

Por que tratar da sexualidade no espaço escolar? Que relação há entre sexualidade e educação? Não seria a Orientação Sexual algo inerente exclusivamente à família?

Esses são alguns questionamentos levantados ao discutir-se a temática da Orientação Sexual nas instituições escolares. Questionamentos, que muitas vezes são utilizados até mesmo por educadores, como artifícios e desculpas para a não abordagem do tema em sala de aula, silenciando-o. Estudos apontam que, mesmo ciente da responsabilidade que tem no processo de desenvolvimento da sexualidade das crianças, juntamente com outras instâncias da sociedade, a escola nem sempre se envolve com o tema na intensidade necessária, e, muitas vezes, quando o faz, é de modo reducionista, atendo-se às questões biológicas da reprodução.

Nesse sentido, o presente estudo visa esclarecer a importância da Orientação Sexual na escola e apontar a relação existente entre sexualidade e educação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo segundo, referente aos Princípios e Fins da Educação Nacional, declara:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) (grifo meu)

 

Cita também, no artigo vinte e nove, referente à Educação Infantil:

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) (grifo meu)

Se a lei que rege a educação escolar brasileira tem por finalidade o desenvolvimento integral do educando, a escola, para assegurar o alcance desse objetivo, há de educar sexualmente as crianças. A sexualidade humana é parte integral do desenvolvimento e da personalidade. É uma necessidade básica do ser humano que não pode ser separada de sua vida, nem mesmo dos outros aspectos que o integram. Envolve sentimentos, pensamentos e ações. Portanto, não só no mundo adulto, como também no infantil, o tema sexualidade tem singular importância no desenvolvimento pleno do indivíduo.Se a escola, ao educar, não educa nem capacita a criança a lidar com sua própria sexualidade, não está educando-a integralmente.

Os argumentos que sustentam a posição de neutralidade da escola no que se refere à sexualidade são derribados, ao se observar as manifestações sexuais ocorridas no âmbito escolar. As crianças, ao adentrarem os portões escolares, não deixam de fora suas dúvidas, conflitos, desejos, angústias ou fantasias, relacionadas à sexualidade. Ao contrário, todas estas inquietações as acompanham e manifestam-se, de forma verbalizada ou não, nas atitudes e comportamentos escolares. As manifestações mais freqüentes nas séries iniciais são: a manipulação curiosa dos genitais e as brincadeiras que envolvem contato corporal. É comum nessas séries a curiosidade sobre concepção, parto, relacionamento sexual, camisinha, homossexualismo e AIDS. Muitas vezes a curiosidade se expressa de forma direta. Outras vezes, surge encoberta em brincadeiras erotizadas, piadas, expressões verbais, músicas, etc. Observa-se também que as crianças reproduzem manifestações de sexualidade adulta vistas na TV ou presenciadas, as quais não compreendem plenamente.

Faz-se necessário que a escola, como instituição educacional, se posicione clara e conscientemente sobre referências e limites com os quais irá trabalhar as expressões de sexualidade dos alunos. Sendo pertinente ao espaço da escola o esclarecimento de dúvidas e curiosidades sobre a sexualidade, é importante que a mesma contribua para que a criança discrimine as manifestações que fazem parte da sua intimidade e privacidade das expressões que são acessíveis ao convívio social.

O trabalho de Orientação Sexual na escola pode, ainda, contribuir para a eficácia do processo ensino-aprendizagem. A sexualidade relaciona-se ao aspecto emocional, que está intimamente relacionado aos desenvolvimentos intelectual e social. Ela interfere diretamente no desempenho escolar. Quando a criança possui curiosidades e angústias a respeito da sexualidade, o aspecto emocional da mesma fica abalado. As emoções manifestam-se na maneira de agir. Emoções negativas podem resultar em comportamentos hostis, passivos, indiferentes, presenciados no espaço escolar, ou mesmo em dificuldades de aprendizagem. Segundo Goleman,

emoções são sentimentos a se expressarem em impulsos e numa vasta gama de intensidade, gerando idéias, condutas, ações e reações. Quando burilados, equilibrados e bem-conduzidos transformam-se em sentimentos elevados, sublimados, tornando-se, aí sim – virtudes. (GOLEMAN, 1994, p. 63)

Quando as questões que angustiam os alunos são esclarecidas com informações corretas, aliviam-se as ansiedades e tensões que interferem no aprendizado e diminui-se a agitação ocasionada por essa situação de ansiedade.

A escola é um lugar privilegiado para discutir-se a temática da sexualidade. Ela, sendo uma instituição social, atende crianças de todas as faixas-etárias, classes sociais e etnias. É na escola que as crianças passam um bom período de tempo diário. Assim, a escola constitui-se uma parceira da família na educação sexual das crianças.

A Orientação Sexual nas séries iniciais do Ensino Fundamental pode contribuir na prevenção de problemas graves, como o abuso sexual, uma possível gravidez indesejada na adolescência ou a aquisição de doenças sexualmente transmissíveis. Quando a pessoa aprende a lidar com a sexualidade de maneira saudável e natural, desde a infância, quando adolescente, terá condições de tomar atitudes pautadas na reflexão consciente. Para a prevenção do abuso sexual éimportante o esclarecimento de que brincadeiras em grupo que remetem à sexualidade são prejudiciais quando envolvem crianças/jovens de idades diferentes ou quando são realizadas entre adultos e crianças.

Finalmente, pode-se afirmar que a implantação de Orientação Sexual nas escolas contribui para o bem-estar das crianças e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.

2.1 - A postura do educador

Em que medida os professores podem ajudar e orientar sexualmente os alunos, se são portadores de atitudes e preconceitos, de conhecimentos insuficientes e fragmentados e não dominam as técnicas e capacidades pedagógicas para o trabalho neste domínio? Até que ponto estão habilitados a enfrentar com êxito o desafio de educar para uma sexualidade sã, feliz e responsável?

Certamente não são poucos os educadores que, em algumas ocasiões, sentiram nervosismo e constrangimento ao surgir, dentro ou fora da sala de aula, o tema da sexualidade, desviando as perguntas que provocam bloqueios emocionais e para as quais não têm respostas objetivas e oportunas. Uma palavra, um gesto, um silêncio, um comentário ou uma conversa repercutem indubitavelmente na psique das crianças.

No contexto educacional, sabe-se a dificuldade da escola e dos profissionais da educação em abordar o tema Orientação Sexual. Ambos são desprovidos de preparaçãoe capacitação para o realizarem eficazmente. Não possuem auxílio de políticas governamentais, as quais pouco têm feito, relativo à capacitaçãodo corpo docente. Os educadores possuem dificuldades, enquanto os alunos, curiosidades e dúvidas.

Os professores atuais, em sua grande maioria, são frutos de uma geração onde a sexualidade não era abordada no espaço escolar. Reprimida e repudiada pelos valores morais, culturais e religiosos como sendo algo pecaminoso e subversivo, as manifestações da sexualidade na escola eram motivos de escândalo. Muitos desses professores não receberam uma devida orientação ou mesmo informação sexual adequada. Ao longo da construção de suas identidades sexuais, foram aglomerando consigo mitos, tabus e valores constituídos e reforçados pela sociedade.Assim, incluir em sua prática educacional a Orientação Sexual é um desafio. Sentem-se despreparados e desencorajados para lidar com o tema.

Outra situação que dificulta aos professores a inserção da Orientação Sexual na escola de ensino fundamental é a desaprovação e resistência familiar. Ainda hoje, existem famílias que acreditam que o trabalho da sexualidade com crianças é desnecessário, podendo o mesmo causar uma incitação precoce ao sexo.Tabus, preconceitos e valores estão fortemente presentes no cotidiano familiar, tornando-o conservador e não permitindo discussões a respeito do assunto.

A carência de materiais adequados para a abordagem do tema é mais um fator gerador deelevada angústia dos professores, que se sentem despreparados para assumir tal desafio. Apesar da descoberta da sexualidade infantil e do conhecimento de sua importância, a literatura sobre essa temática ainda é restrita, sendo limitado aos professores o conhecimento teórico.

A partir da conceituação da sexualidade e do reconhecimento de sua importância no desenvolvimento global, serão apontados as possibilidades e os limites da atuação nesse campo para os educadores. Percebe-se a importância dos cursos de formação de professores, seja inicial ou continuada, dar mais atenção para esta demanda, incluindo em seus programas aspectos da formação do educador sexual para as séries iniciais do ensino fundamental.

O professor deve reconhecer como legítimo e lícito, por parte das crianças e dos jovens, a busca do prazer e as curiosidades manifestas acerca da sexualidade, uma vez que fazem parte de seu processo de desenvolvimento. Tais manifestações não devem ser vistas pelo professor como aberrações, que devem resultar em condenação e punições. Deve-se ter o cuidado para não humilhar ou expor o aluno a uma situação constrangedora. Ao mesmo tempo em que oferece referências e limites, o professor deve manifestar a compreensão de que as manifestações da sexualidade infantil são prazerosas e fazem parte do desenvolvimento saudável de todo ser humano. Dessa forma, o professor contribui para que o aluno reconheça como lícitas e legítimas suas necessidades e desejos de obtenção de prazer, ao mesmo tempo em que processa as normas de comportamento próprias ao convívio social.

O professor deve estar atento às diferentes formas de expressão dos alunos. Muitas vezes a repetição de brincadeiras, apelidos ou paródias de músicas alusivas à sexualidade podem significar uma necessidade não verbalizada de discussão e de compreensão de algum tema. Deve-se então atender a esse pedido. É essencial que o professor tenha jogo de cintura para lidar com estas formas de expressão e supostas provocações das crianças, aproveitando a oportunidade e dando início a uma conversa sobre sexualidade. Não deve levar comentários dos alunos para o lado pessoal, nem se sentir agredido por eles. As crianças não agem assim para agredir. Na verdade, elas apenas manifestam seu desejo de saber mais sobre o tema ou conhecer a posição do adulto.

Ao atuar como um profissional a quem compete conduzir o processo de reflexão, que possibilitará ao aluno autonomia para eleger seus valores, tomar posições e ampliar seu universo de conhecimentos, o professor deve ter discernimento para não transmitir seus valores, crenças e opiniões como sendo princípios ou verdades absolutas. O professor, assim como o aluno, possui expressão própria de sua sexualidade, que se traduz em valores, crenças, opiniões e sentimentos particulares.

Uma das barreiras à Orientação Sexual na escola é o distanciamento professor-aluno.Para haver um trabalho significativo, é imprescindível que se estabeleça entre alunos e professores uma relação de confiança e amizade. As crianças dificilmente expressarão suas dúvidas e curiosidades de forma clara e objetiva, ao temerem a reação do professor. Para isso, o professor deve se mostrar disponível para conversar a respeito das questões apresentadas, não emitir juízo de valor sobre as colocações feitas pelos alunos e responder as perguntas de forma direta e esclarecedora. Informações corretas, do ponto de vista científico ou esclarecimentos sobre as questões trazidas pelos alunos são fundamentais para seu bem-estar e tranqüilidade, para uma maior consciência de seu próprio corpo.

A sexualidade infantil é inerente a qualquer criança e sua demonstração será particular a cada uma, sendo que aos educadores cabe conhecê-la, respeitá-la, conduzi-la de forma adequada, sem estimulação nem repressão e tendo sempre em mente uma auto-reflexão de sua própria sexualidade.

2.2 - Os resultados do Projeto de Pesquisa sobre Orientação Afetiva Sexual nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Através de uma pesquisa realizada com alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental - faixa etária de sete a dez anos, de uma instituição pública de ensino de Coromandel, pôde-se verificar quais são os principais questionamentos, dúvidas e curiosidades das crianças no tocante à sexualidade, nessa faixa etária. Os alunos redigiram perguntas que gostariam de obter respostas e depositaram-nas em uma caixa lacrada, dispensando-se identificação. Foram realizadas 302 perguntas, o que constata que as crianças desejam ter suas dúvidas sanadas. Alguns alunos não quiseram redigir nenhuma pergunta; outros as redigiram mais depois preferiram não deposita-las na caixa de perguntas. Percebe-se a conseqüência da repressão sexual no comportamento infantil. Alguns alunos fizeram não apenas uma pergunta, mas várias. A satisfação dessas curiosidades contribui para que o desejo de saber seja impulsionado ao longo da vida, enquanto a não satisfação gera ansiedade e tensão. A oferta, por parte da escola, de um espaço em que as crianças possam esclarecer suas dúvidas e continuar formulando novas questões contribui para o alívio das ansiedades que muitas vezes interferem no aprendizado dos conteúdos escolares, possibilitando ainda informações corretas e uma formação coerente.

As indagações das crianças foram analisadas de forma quantitativa, constatando-se: 20% das perguntas são referentes à camisinha. As crianças questionaram sobre o que é, qual a sua utilidade, como colocar, se existe também a feminina. 19% das perguntas dizem respeito ao sexo. Foram realizadas perguntas sobre o que é, como é realizado, qual o momento certo para começar a vida sexual, também perguntas sobre sexo anal. Sobre menstruação, as perguntas realizadas perfizeram o total de 14%. Perguntas sobre o que é, quando e porque começa, qual o período de duração.12% das dúvidas referem-se à puberdade e adolescência, com questionamentos sobre o que são, quando começam, quais são as transformações ocorridas. As perguntas sobre concepção, gravidez e parto somam o total de 10%. Perguntas tais como os bebês nascem, como acontece a gravidez, como evita-la, com que idade a menina pode engravidar, como o bebê é formado e como se alimenta no útero, como é realizada a inseminação artificial.8% das perguntas dizem respeito aos sistemas reprodutores feminino e masculino, desejando-se saber o nome correto e a função dos órgãos.Perguntas sobre Aids e doenças sexualmente transmissíveis correspondem a 6% do total. São indagações sobre o que são e como prevenir.11% das perguntas referem-se a assuntos diversos, tais como abuso sexual, virgindade, impotência sexual, homossexualismo, namoro, vestuário feminino, orgasmo, posições sexuais, ginecologia etc.

Através dessa pesquisa, constata-se que as dúvidas e curiosidades infantis perpassam por todas as áreas da sexualidade humana. Observa-se que a maioria das perguntas das crianças de sete e oito anos refere-se às diferenças sexuais, ao nascimento, gravidez, parto, ao passo que as crianças maiores, de nove e dez anos geralmente têm dúvidas sobreos sistemas reprodutores, os métodos contraceptivos, a relação sexual etc. Na grande maioria das perguntas os órgãos genitais, tanto femininos como masculinos, foram denominados por apelidos, percebendo-se que há desinformação sobre a nomenclatura correta.

Sabe-se que a visão e posição tomadas a respeito da sexualidade são ocasionadas pela educação que é ministrada à criança. Ela vê o adulto como modelo ideal de comportamento sexual e desejada a aprovação do mesmo. Se for passado a ela o conceito de que a sexualidade é algo natural a todo ser humano, a criança irá sentir-se segura para expressar sua curiosidade e posicionar-se positivamente frente a essa questão. Se for expresso a ela, através da fala ou atitudes que a sexualidade é algo perverso, não digna de aprovação social, a criança passará a reprimir suas próprias manifestações sexuais.

Na pesquisa realizada, dentre todas as perguntas, foram redigidas duas afirmações, uma realizada por uma criança de uma turma da Fase II do Ciclo Inicial de Alfabetização e outra, por um aluno da Fase III, do Ciclo Complementar, que chamam a atenção, sendo a primeira: "Eu não gosto de falar de sexo. Sexo é ruim."; e a segunda: "Eu não quero crescer. Não gosto de sexo." Essas duas afirmações refletem a necessidade do trabalho de Orientação Sexual nas instituições escolares. A causa das crianças assim se expressarem pode ser uma grande carga de repressão sexual a elas imposta ou até mesmo a vivência de um abuso sexual. Durante a pesquisa, pôde-se observar também que grande parte das crianças, fruto de uma educação conservadora, vê o sexo como algo pecaminoso e perverso e a sexualidade como uma questão que deve ser discutida apenas com alguém muito íntimo, e de forma reservada. Perceberam-se algumas falas das crianças, que são embasadas em tabus e mitos culturais e religiosos, como: "Sexo é pecado. É coisa do diabo"; "Criança não pode falar em sexo. Isso é só para os adultos"; "A gente, quando é criança, não tem sexo."

Também foram entrevistadas 7 profissionais das escolas Municipal Antônio Matias Pereira e Estadual Osório de Morais, através de um questionário, contendo 14 perguntas. Todas as entrevistadas são do sexo feminino, pertencentes à religião católica, atuam como regentes de turma. 20% trabalham no 1º ano do Ciclo Básico, 20 % no 2º ano do Ciclo Básico, 20% no 3º ano do Ciclo Básico e 40% no 1º ano do Ciclo Intermediário. No que diz respeito à formação acadêmica, 40% das entrevistadas possuem o 3º grau completo, 20% estão cursando, 20% o tem, incompleto e 20% não prestaram informações. 40% das profissionais entrevistadas se encontram na faixa etária de 20 a 29 anos e 60% , de 30 a 39 anos.

Questionadas sobre Projetos de Orientação Sexual nas escolas, 100% das entrevistadasafirmaram não existir o mesmo, mas também afirmaram que já se depararam com situações ligadas à Sexualidade e que esclarecem as dúvidas que os alunos possuem acerca do tema.

Percebemos então, que apesar da escola não possuir projetos sobre Orientação Sexual, os professores estão preocupados em estar esclarecendo as possíveis dúvidas dos alunos. Ao definir o trabalho com Orientação Sexual, como uma de suas competências, a escola deve estar incluindo-o no seu projeto educativo, pois freqüentemente os professores se deparam com situações em sala de aula, ligadas à sexualidade. Pode-se observar que as manifestações da sexualidade infantil mais freqüentes acontecem na realização de carícias no próprio corpo, na curiosidade sobre o corpo do outro, nas brincadeiras com colegas, nas piadas e músicas jocosas que se referem ao sexo, nas perguntas, ou ainda, na reprodução de gestos e atitudes típicos da manifestação da sexualidade adulta.

Em sua totalidade, 100% das entrevistadas afirmaram que a sexualidade deve ser tratada naturalmente, com clareza e transparência. Estão cientes de que manifestações da sexualidade infantil não se tratam de aberrações, que se justifiquem em repreensões, mas sim, de um trabalho de conscientização, que envolva discussão e esclarecimento de dúvidas.

Dentre as entrevistadas, 80% afirmaram que se sentem preparadas para orientar seus alunos sobre Sexualidade e 20% afirmaram que se sentem inseguras ao abordar o tema. Esse mesmo percentual se aplica à indagação quanto à necessidade de um professor específico para trabalhar Orientação Sexual: 80% acha necessário e 20% não vê necessidade. Percebemos, então, que ainda existem algumas dificuldades ao lidar com o tema na sala de aula, que devem ser suprimidas. É necessário que o educador tenha acesso à formação específica, para tratar de sexualidade com crianças e jovens na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema. O professor deve então entrar em contato com questões teóricas, leituras e discussões sobre as temáticas específicas de sexualidade e suas diferentes abordagens e preparar-se para a intervenção prática junto aos alunos. Também é necessário que se estabeleça uma relação de confiança entre alunos e professores. Para isso, o professor deve se mostrar disponível para conversar a respeito das questões apresentadas, não emitir juízo de valor sobre as colocações feitas pelos alunos e responder as perguntas de forma direta e esclarecedora.

Uma das dificuldades encontradas pelos educadores no trabalho de Orientação Sexual fundamenta-se na resistência dos familiares, no que diz respeito a iniciativas que incluem o tema. 60% das professoras entrevistadas disseram que encontram dificuldades com os familiares. Pode-se perceber que o fato de a família ter valores conservadores, liberais ou progressistas, professar alguma crença religiosa ou não, e a forma como o faz, determina, em grande parte, a educação das crianças. Toda família realiza a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo aquelas que nunca falam abertamente sobre isso. O comportamento dos pais entre si, na relação com os filhos, no tipo de "cuidados" recomendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem são carregados de determinados valores associados à sexualidade, que a criança apreende. Ela também recebe informações através da televisão, do cinema, dos livros e revistas, de pessoas não pertencentes à sua família. Mas muitas vezes, não podem compreender por completo o significado dessas mensagens e constroem conceitos e explicações errôneas e fantasiosas sobre a sexualidade. Isso, devido ao fato de algumas famílias ainda manterem um certo conservadorismo, o que impede que tenham informações adequadas no espaço privado. Todas essas questões são levadas pelos alunos para dentro da sala de aula. Dentre as profissionais entrevistadas, apenas 20% afirmaram que os alunos trazem informações adequadas de casa sobre sexualidade. Diante desse fato, cabe à escola desenvolver uma orientação crítica, reflexiva e educativa, como complementar à educação dada pela família.

Em sua totalidade, 100% das profissionais entrevistadas afirmaram que a Orientação Sexual deve ser realizada pela família, pela escola e pelos órgãos de saúde. Todos esses segmentos devem contribuir, realizando o papel que lhes cabe, sem se omitirem. Mesmo sem se sentirem preparadas para abordar o tema, as professoras têm consciência de que também lhes cabe o papel de orientar sobre a sexualidade. Todas as entrevistadas foram unânimes em afirmar que é de grande relevância esse trabalho na escola. Do mesmo modo, 100% das entrevistadas, ao serem questionadas acerca da Orientação Sexual poder causar umdespertamento à vida sexual precoce, as mesmas afirmaram que isso não ocorre. Na mesma proporção, ou seja, 100% disseram que esse trabalho torna os jovens mais conscientes quanto à sua própria sexualidade. Felizmente, os educadores estão cientes da importância de tratar o tema. Cabe então, colocá-lo em prática.

Questionadas sobre quando se deve iniciar o trabalho de Orientação Sexual nas escolas, 40% afirmaram que deve ser realizado a partir do pré-escolar e 60% disseram que deve ser a partir do 1º ano do Ciclo Intermediário. 40% das entrevistadas acham que o tema deve ser abordado pelo professor das disciplinas de Ciências e Biologia e 60% acha que cabe a todos os professores a abordagem do mesmo. O trabalho de Orientação Sexual deve iniciar-se desde a Educação Infantil, pois sabe-se que "a sexualidade é inerente ao ser humano, em todas as suas fases e é fundamental na vida psíquica do indivíduo" (Guia de Orientação Sexual, 1994). Percebemos que todas as professoras entrevistadas, que trabalham com diferentes anos e ciclos, já se depararam com situações ligadas à sexualidade. Isso mostra que as manifestações ocorrem em todas as fases do desenvolvimento. Muitas escolas, atentas para a necessidade de trabalhar com essa temática em seus conteúdos formais, incluem Aparelho Reprodutivo no currículo de Ciências Naturais, no 1º ano do Ciclo Intermediário. Geralmente o fazem através da discussão sobre a reprodução humana, com informações ou noções relativas à anatomia e fisiologia do corpo humano. Essa abordagem, normalmente não abarca as ansiedades e curiosidades das crianças, pois enfoca apenas o corpo biológico e não inclui as dimensões culturais, afetivas e sociais contidas nesse mesmo corpo. Todos os professores, de todas as disciplinas, devem estar aptos a lidar com o assunto, pois, querendo ou não, todos estão sujeitos a deparar-se com situações que envolvem sexualidade, onde têm que intervir. Daí, surge a necessidade de uma preparação adequada aos docentes.

Foi realizada uma pergunta referente à própria informação sobre sexualidade que as entrevistadas receberam. Constatou-se o seguinte: 20% obteve informação na escola, 20% na família, 20% em livros e revistas, 20% na escola, na família, em livros e revistas, e 20% na escola, na família, em livros e revistas e amigos. Através desses dados, percebemos que as duas principais instituições que devem orientar sobre a sexualidade não têm exercido de maneira integral a sua função. Isso vem ocorrendo há décadas e não é diferente em nossa sociedade contemporânea. É um fato emergente, que deve ser repensado e modificado. 60% das professoras entrevistadas se consideram liberais, ao tratar de Orientação Sexual, enquanto 40% se sentem inseguras, diante da própria educação que obtiveram, demonstrando que a preparação desses profissionais é de grande relevância.

CAPÍTULO III

O PSICOPEDAGOGO E A ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA

Conforme o já exposto no capítulo anterior, constata-se que grande parte dos profissionais educacionais incumbidos de realizar a Orientação Sexual de seus alunos, por não dizer a maioria, estão despreparados e apresentam dificuldades em cumprir essa tarefa, tanto por questões pessoais, quanto pela falta de informações sobre o tema. Porém, existe um outro profissional que atua na área educacional, o qual pode auxiliar no trabalho de Orientação Sexual na escola: o psicopedagogo. A intervenção psicopedagógica ganha, atualmente, cada vez mais espaço nas instituições de ensino. Apesar de ser uma profissão nova, e ainda não regulamentada, tendo apenas amparo legal no Código Brasileiro de Ocupação, a profissão de psicopedagogo tem sido muito requisitada nas instituições escolares, clínicas e empresariais, haja visto sua grande importância na compreensão dos processos de desenvolvimento e das aprendizagens humanas.
Segundo BOSSA (1994, p.18), os primeiros esboços de Psicopedagogia aconteceram na França, no início do século XIX, com contribuições da Medicina, Psicologia e Psicanálise, para ação terapêutica em crianças que tinham lentidão ou dificuldades para aprender. Os estudos franceses influenciaram a iniciação psicopedagógica na Argentina e esta, no Brasil.
Aproximadamente há 37 anos, surgiram os primeiros grupos de estudos sobre a aprendizagem e o sistema educacional brasileiro. Os cursos na área de Psicopedagogia começam a surgir nos anos 70, mas é na década de 90 que se multiplicam. Em 1996 foi aprovado em Assembléia Geral, no III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, o Código de Ética que assinala dentre outras coisas, que a Psicopedagogia é um campo de atuação em saúde e educação, que lida com o processo de aprendizagem humana, é de natureza interdisciplinar e o trabalho pode se dar na clínica ou instituição, de caráter preventivo e/ou remediativo.
A psicopedagogia constitui-se em uma justaposição de dois saberes - psicologia e pedagogia - que vai muito além da simples junção dessas duas palavras. Isto significa que é muito mais complexa do que a simples aglomeração de duas palavras, visto que visaidentificar a complexidade inerente ao que produz o saber e o não saber. É uma ciência que estuda o processo de aprendizagem humana, sendo o seu objeto de estudo o ser em processo de construção do conhecimento. O psicopedagogo pode atuar em diversas áreas, de forma preventiva e terapêutica, para compreender os processos de desenvolvimento das aprendizagens humanas, recorrendo a várias estratégias, objetivando se ocupar dos problemas que podem surgir.
Na área educacional, o psicopedagogo é imprescindível na implantação e no desenvolvimento do trabalho de Orientação Sexual. Mas qual a importância do psicopedagogo na Orientação Sexual na escola?
O psicopedagogo é um profissional que tem uma formação que lhe possibilita compreender o desenvolvimento humano e o desenvolvimento da sexualidade, que é uma parte do desenvolvimento da pessoa. Além disso, o psicopedagogo tem potencialmente os conhecimentos teóricos sobre como facilitar para que as crianças e jovens adquiram conhecimentos sobre este tema.A psicopedagogia teve grande contribuição da Psicanálise, ciência que teve como seu fundador Freud, e trata da questão da sexualidade infantil. Assim, o psicopedagogo possui bases teóricas para que a Orientação Sexual seja realizada de forma correta, conforme as peculiaridades e características de cada fase do desenvolvimento da sexualidade humana.
A psicopedagogia, no seu âmbito institucional, tem uma preocupação especial com o tratamento e prevenção das dificuldades de aprendizagem. Mas o que tem haver aprendizagem e Orientação Sexual? Até que ponto uma sexualidade mal resolvida, mal direcionada ou equivocada atrapalha na aprendizagem?
A sexualidade interfere muito na questão da identidade, principalmente da criança edo adolescente, e assim, interfere no processo de aprendizagem. A criança e adolescente que podem ter um pouco mais de conhecimento de si, de sua sexualidade, passam a ter um maior desenvolvimento escolar, um desenvolvimento da aprendizagem melhor, na medida em que a relação entre auto-conhecimento, sexualidade e aprendizagem é muito grande.
Outra questão essencial para que alguém aprenda ou que se disponha a aprender é a curiosidade. Se não existe curiosidade,não há aprendizado. E a primeira curiosidade é a "de onde é que eu vim?", "para onde é que eu vou?", "quem sou eu?". Parte dessa curiosidade tem a ver com a sexualidade; então, se abre-se o caminho para a curiosidade acerca da sexualidade, abre-se também caminho para a curiosidade sobre o mundo, curiosidade científica, curiosidade filosófica, curiosidade à cata de conhecimento. Na nossa cultura, uma das portas mais fechadas para a curiosidade é a que diz respeito à sexualidade A sexualidade  é um dos mais importantes aspectos da personalidade, mas acaba ficando confinada a um saber que muito raramente pode ser confirmado por fontes confiáveis. O começo da repressão, da formação do tabu da sexualidade é a repressão da curiosidade.
Inúmeras experiências têm mostrado que, quando as dúvidas das crianças são acolhidas, menor é a agitação em sala de aula e melhor é o desenvolvimento escolar. Segundo FERNANDES,

Impedir o conhecimento, seja por valores rígidos ou em nome da 'moral' e dos bons costumes em nada beneficia a criança; ao contrário, podeprovocar sérios bloqueios de aprendizagem, porque impede o desenvolvimento da curiosidade pelo saber e a espontaneidade. FERNANDES ( apud Ribeiro, 1990, p. 37)

O não esclarecimento das curiosidades das crianças e jovens pode gerar angústias e tensões, influenciando assim, a aprendizagem.
O psicopedagogo realiza um trabalho de diagnóstico e compreensão das causas que originam um problema ou dificuldade de aprendizagem. Uma das causas pode referir-se à uma sexualidade mal resolvida, à uma curiosidade e anseio a respeito da sexualidade ainda não respondidos, ou a uma intensa repressão sexual. Após diagnosticada a causa, a formação do psicopedagogo lhe proporciona subsídios para que intervenha no problema e realize um trabalho de Orientação Sexual, de modo a solucionar o problema que interfere na aprendizagem.
Uma questão relevante no trabalho de Orientação Sexual feito pelo psicopedagogo é a possibilidade da realização de orientações e atendimentos individualizados. Por ser carregada de preconceitos, tabus e repressão, a sexualidade é vista por muitos como algo que deve ser tratado apenas em particularidade. Assim, a intervenção do psicopedagogo na área de Orientação Sexual abre espaço para que todos os alunos participem, sem sentirem-se expostos, tímidos ou receosos.
É importante é que o psicopedagogo tenha abertura e receptividade para os alunos e interesse pelo tema. É necessário portanto, que o psicopedagogo, ao trabalhar a Orientação Sexual na escola, tenha capacidade de rever sua postura e seus conhecimentos constantemente.

O orientador sexual é, acima de tudo, um educador que observa e reflete para o aluno as diversas opiniões para que cada indivíduo se torne capaz de ser sujeito de seu desenvolvimento emocional e sexual.
Nesse sentido, o psicopedagogo orientador sexual "ideal" é aquele que está aberto para questionamentos e predisposto a mudanças, a escutar o aluno, reconhecendo seus limites, pois estes deverão ser encorajados a expressar suas idéias e opiniões sem ter que dar depoimentos pessoais.

Tal visão assemelha-se à de RIBEIRO (1990), quando faz o seguinte comentário:

O orientador sexual, por sua vez, deverá ter uma formação específica e distinta, de maior duração, envolvendo aspectos desde conhecimentos teóricos a serem transmitidos, até a aquisição de atitudes positivas e sadias em relação à sexualidade, sua própria e de outrem, e da capacidade de tratar com naturalidade as questões que serão abordadas. E o critério de seleção indispensável é que o 'candidato' esteja interessado na temática e se sinta à vontade para falar de sexo. (Ribeiro, 1990, p.33)

Desse modo, as principais características do psicopedagogo facilitador do trabalho de Orientação Sexual são: disponibilidade em lidar com o assunto e o compromisso de estar atualizado com as informações referentes à sexualidade, bem como sobre os recursos a serem usados pelos alunos. O psicopedagogo deve garantir o respeito às diferenças, que é condição fundamental na viabilização do trabalho de Orientação Sexual. Além disso, é preciso garantir a ética no trabalho, por parte dos alunos e do professor; bom senso; facilidade em dirigir dinâmica de grupo; desejo por conhecimento do assunto; bom relacionamento com os alunos e tranqüilidade em relação à sexualidade são algumas das condições necessárias ao psicopedagogo orientador sexual.

Vale ressaltar que o psicopedagogo, apesar de imprescindível no trabalho de Orientação Sexual na escola, não é o único responsável por executar essa tarefa, que é de toda a comunidade escolar.


3.1- Psicopedagogo e professor: juntos por uma Orientação Sexual de qualidade

O trabalho de Orientação Sexual constitui um processo formal e sistemático, o que envolve um espaço no currículo escolar. Não se trata de um fenômeno episódico, como uma palestra realizada por médicos, psicólogos, entrem outros, ou de uma abordagem esporádica como feira da cultura, feira de Ciências, ou algo dessa natureza. Como todo e qualquer processo educativo, apresenta efeitos e resultados demorados, que muitas vezes só são observados em longo prazo.

Desta feita, cabe à escola abrir um canal para o debate permanente com crianças e jovens acerca das questões relacionadas à sexualidade. Esse tipo de trabalho exige planejamento e intervenção por parte dos profissionais de educação, pois não deve limitar-se à veiculação de informações de caráter puramente biológico, ou preventivo.

Diante da dificuldade do professor em se trabalhar com a oralidade ou diálogo referido ao tema sexualidade, pode-se estabelecer uma parceria, um trabalho a quatro mãos, em busca de maior qualidade: a parceria entre psicopedagogo e professor. 

O psicopedagogo institucional, como um profissional qualificado, está apto a trabalhar na área da educação, dando assistência aos professores e a outros profissionais da instituição escolar para melhoria das condições do trabalho de Orientação Sexual, bem como para prevenção dos problemas de aprendizagem ocasionados por uma sexualidade reprimida ou má resolvida.
Por meio de técnicas e métodos próprios, o psicopedagogo possibilita uma intervenção psicopedagógica, visando à solução de problemas de sexualidade nos espaços institucionais. Juntamente com toda a equipe escolar, está mobilizado na construção de um espaço adequado à uma Orientação Sexual correta e eficaz. Elege a metodologia e/ou a forma de intervenção, com o objetivo de facilitar tal trabalho.
Um trabalho psicopedagógico pode contribuir muito, auxiliando educadores a aprofundarem seus conhecimentos sobre as teorias da sexualidade infantil e sobre as bases teóricas e práticas da Orientação Sexual. Esse trabalho permite que o educador se olhe como aprendente e como ensinante.
Além do já mencionado, o psicopedagogo está preparado para auxiliar os educadores, realizando atendimentos pedagógicos individualizados, contribuindo para a compreensão das manifestações da sexualidade infantil na sala de aula, permitindo ao professor ver alternativas de ação e ver como poderá intervir, para que as curiosidades dos alunos sejam respondidas, bem como participar do diagnóstico dos problemas de aprendizagem gerados por problemas de sexualidade de seus alunos.
Os estudos e as reflexões, juntamente com o Psicopedagogo, contribuem para a qualificação da ação do professor, construindo uma prática pedagógica mais segura e, conseqüentemente, contribuindo para que os alunos construam suas relações com a sexualidade de forma tranqüila e prazerosa.
Para o psicopedagogo, a experiência de intervenção junto ao professor, num processo de parceria, possibilita uma aprendizagem muito importante e enriquecedora. Não só a sua intervenção junto ao professor é positiva. Também o é a sua participação em reuniões de pais, esclarecendo sobre a Orientação Sexual dos filhos; em conselhos de classe, avaliando como é realizada a orientação; na escola como um todo, acompanhando a relação estabelecida no trato do tema sexualidade e sugerindo atividades, buscando estratégias e apoio.
A Orientação Sexual na escola não é feita de forma isolada, onde só o psicopedagogo, ou apenas o professor assumem o papel de educar sexualmente.Ao contrário, a Orientação Sexual é realizada de forma conjunta, por todos os agentes da instituição escolar. O psicopedagogoé privilegiado, porter a oportunidade de lidar tanto com o aluno, quanto com o professor. Assim, subsidia o professor e também orienta sexualmente o aluno, de maneira direta.
O trabalho psicopedagógico atinge seus objetivos quando, ampliando a compreensão sobre as características e necessidades de esclarecimento e orientação sobre a sexualidade dos alunos, abre espaço para que a escola viabilize recursos para atender às necessidades de Orientação Sexual. Desta forma, o fazer psicopedagógico se transforma, podendo se tornar uma ferramenta poderosa no auxílio à Orientação Sexual na escola. A parceria psicopedagogo e professor constitui-se na chave para uma Orientação Sexual de qualidade.


3.2- A intervenção do psicopedagogo junto à família do educando


Como já explicitado anteriormente, uma das grandes barreiras que impedem a implantação da Orientação Sexual na escola é a aceitação da família a esse trabalho.Há pais que não aceitam que a escola assuma essa função, os quais ainda continuam pensando que podem manter seus filhos "puros", livres das manifestações da sexualidade. O trabalho é dificultado por incompreensão dos pais, pois, como alguns"não têm conhecimento" sobre o tema, acham que a escola está ensinando coisa feia, erradapara os alunos. Então o que fazer diante dessa situação? Como o psicopedagogo pode intervir, à busca de solução?

De acordo com SUPLICY (1998), a primeira providência que a escola deve tomar ao implementar o trabalho de Orientação Sexual é promover uma reunião com os que compõem a escola (o quadro funcional, a comunidade, na figura do pai, os alunos). Ospais devem tomar conhecimento do trabalho que vai ser desenvolvido, quais os objetivos, pois cabe a estes "autorizar" seus filhos a participar desse trabalho. O psicopedagogo, com sua formação, possui pressupostos teóricos para explicitar e demonstrar aos pais a importância da Orientação Sexual na escola.

A maneira como os pais lidam com a própria sexualidade interfere de maneira importante na maneira com que os filhos desenvolverão sua identidade sexual. Há muito o que o psicopedagogo pode fazer, no sentido de auxiliar os pais a lidarem melhor com a própria sexualidade e, com isso, com a sexualidade dos filhos. O psicopedagogo pode orientar os pais realizando palestras, reuniões, discussões, atendimentos individualizados, para que eles possam incrementar sua própria vivência da sexualidade. Se esses pais não buscam um maior auto-conhecimento quanto à própria sexualidade, tenderão a evitar, ainda que implicitamente, o contato com a sexualidade dos filhos. A intervenção psicopedagógica se propõe a incluir os pais no processo,possibilitando o acompanhamento do trabalho realizado junto à toda a comunidade escolar. Assegurada uma maior compreensão, os pais ocupam um novo espaço no contexto do trabalho de Orientação Sexual, abandonando o papel de meros espectadores, assumindo a posição que lhes cabe de parceiros, participando, opinando, orientando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo a escola um lugar de curiosidades, sonhos, medos, idéias, aprendizagem, conquistas, descobertas etc., esta não pode excluir as manifestações da sexualidade e, sim criar um espaço de discussão aberta e franca sobre ela, deixando de lado os próprios preconceitos, permitindo que cada um se mostre como é: com suas dúvidas, conflitos, medos. É ela, a escola,quem detém os meios pedagógicos necessários para a intervenção sistemática sobre a sexualidade, de modo a proporcionar a formação de uma opinião mais crítica sobre o assunto, permitindo, assim, a satisfação e os anseios dos alunos.

Freqüentemente os educadores deparam-se com situações ligadas à sexualidade no âmbito escolar. Qualquer atitude por eles tomada, seja silenciar o fato, ignorar, repreender ou esclarecer, repercute na visão da criança a respeito da sexualidade. O educando vê no adulto, no caso específico da escola, no professor, um modelo de comportamento em relação à sexualidade.

Por congregar assuntos delicados e vistos como íntimos, o trabalho de Orientação Sexual torna-se árduo à maioria dos educadores, que se sentem constrangidos ao abordar a temática da sexualidade. Sentem-se desprovidos de preparação, possuindo conhecimentos insuficientes e fragmentados e ao tentarem realizar a Orientação Sexual, esbarram-se em seus conceitos errôneos, seus mitos, seus tabus e preconceitos, reforçados pela educação e sociedade conservadora.

É necessário que o educador tome consciência de que as manifestações da sexualidade infantil constituem-se em aspectos naturais e integrantes do desenvolvimento humano. Os profissionais da educação também devemestar atentos às diferentes formas de expressão dos alunos, que podem significar uma necessidade não verbalizada de discussão e compreensão de algum tema condizente à sexualidade.

O psicopedagogo, um novo profissional da escola, é de grande relevância no trabalho de Orientação Sexual. Ele, com sua formação que lhe permite compreender o desenvolvimento humano e o desenvolvimento da sexualidade, que é uma parte do desenvolvimento da pessoa, aliado ao professor e à toda a comunidade escolar, pode realizar uma Orientação Sexual reflexiva e eficaz.

Certamente hoje a sexualidade é tratada de forma mais explícita do que antes e, almejamos que amanhã, seja mais que hoje. Quanto mais cedo forem derribadas as barreiras que impedem uma Orientação Sexual eficaz nas instituições escolares, mais cedo teremos a minimização de problemas como a repressão sexual, os problemas de aprendizagem ocasionados por angústias sexuais, o abuso sexual, o preconceito sexual, a gravidez na adolescência e a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids. Assim, faz-se necessário que haja a implantação de programas deOrientação Sexual nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ressaltando-se que ela deve ser iniciada desde a Educação Infantil

Portanto, na tentativa de se caminhar para uma educação coerente, a qual aspira formar cidadãos, pretende-se demonstrar que a implantação do trabalho de Orientação Sexual na escola é relevante, no sentido de informar e discutir os diferentes tabus, preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade, buscando, se não uma isenção total, o que é impossível de se conseguir, uma condição de maior distanciamento pessoal por parte dos profissionais, para empreender essa tarefa. E o psicopedagogo é o novo aliado à escola, para empreender a tarefa de educar sexualmente as crianças e jovens.

Parafraseando PINTO (1997, p. 50), entende-se que a função da escola é construir individualidades (identidades) e, se é dessa maneira indireta que se dará sua contribuição ao amadurecimento da sexualidade infantil e juvenil, uma enorme transformação precisa ser realizada no seu interior.

Sabe-se que mudar é difícil, a missão é árdua, os desafios são imensos, porém, cabe a cada um ousar e tentar mudar esse quadro, promovendo as mudanças necessárias, pois, como diz Cecília Meirelles, "o vento é o mesmo; mas sua resposta é diferente a cada folha."

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: essa nossa (dês)conhecida. São Paulo: Brasiliense, 1992.

GTPOS, ABIA, ECOS. Guia de Orientação Sexual: diretrizes e metodologia. 4a ed. São Paulo: Casa do psicólogo, 1994.

FOLHA DE S. PAULO. In: Em 20 anos, Aids já matou 22 milhões. 5 jun. 2001, p.07.

FOUCAULT, Michel.A história da sexualidade III: O cuidado de si. 12. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997.

KAPLAN. H.S. Enciclopédia Básica de Educação Sexual. Rio de Janeiro: Record, 1983.

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NOVA ESCOLA: A revista de quem educa. S. P. Editora Abril, n. 191, abr. 2006.

Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual – Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) – Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC / SEF, 1996.

RIBEIRO, P. R. M. Educação sexual além da informação. São Paulo: EPU, 1990.

ROSEMBERG, Fúlvia. A educação sexual na escola. In: Cadernos de Pesquisa, n. 53, p. 11- 19, mai. 1985.

SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. 16. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1990.

________. Sexo se aprende na escola. São Paulo: Olho d'Água, 1998.

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VIDAL, Diana G. Sexualidade e docência feminina no ensino primário do Rio de Janeiro (1930-1940). In: BRUSCHINI, Cristina; HOLLANDA, Heloísa B. (Org.). Horizontes plurais: novos estudos de gênero no Brasil. 34. ed. São Paulo, 1998.


1 Os Temas Transversais são propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e definidos como o conjunto de temas de tratamento transversal de temáticas sociais na escola, como forma de contemplá-las na sua complexidade, sem restringi-las à abordagem de uma única área. São eles: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual.


Autor: Kelly Cristina Silva


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