Onerosidade Excessiva



INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta as origens do instituto da onerosidade excessiva, de forma a passar pelo surgimento da cláusula rebus sic stantibuse, pela teoria da imprevisão e ir até a onerosidade excessiva e a resolução e revisão dos contratos.

ONEROSIDADE EXCESSIVA E A TEORIA DA IMPREVISÃO

Os contratos, negócios jurídicos que são, apresentam um caminho, que vai de sua celebração (formação), passando pela produção de efeitos, até a extinção. Esta pode se dar, entre outros motivos, por execução da obrigação estipulada ou por inexecução da obrigação estipulada, devido a uma causa contemporânea ou a uma causa superveniente à formação do contrato [01].

No direito privado sempre imperou o princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato firmado entre as partes é imutável, de sorte que suas estipulações são de caráter obrigatório. A regra geral de intangibilidade era inerente aos contratos, tendo em vista que nosso antigo Código Civil sofreu forte influência da codificação francesa, a qual se baseava na autonomia privada. Havia também disposições expressas nesse sentido, como os artigos 1.246 e 1.453 do Código Civil de 1.916. O reconhecimento da imprevisão ou da onerosidade excessiva autorizaria apenas a rescisão do contrato.

Em 1.990, a Lei 8.078 passou a disciplinar as relações de consumo, retirando da incidência do Direito Civil e é inegável a inovação trazida ao sistema jurídico vigente, já que tal regra autorizou, nos contratos de consumo, a alteração de cláusulas abusivas ou a revisão do contrato pelo juiz, Foi o que se resolveu denominar "poder de integração do contrato pelo juiz".

Nesse quadro, ao reconhecer a nulidade de uma cláusula abusiva, o juiz deve solicitar a composição das partes no sentido de modificar ou rever o contrato para restabelecer o equilíbrio perdido. Não havendo acordo, deve o magistrado, conforme os princípios da boa fé e da eqüidade, definir a nova cláusula ou revisar o contrato, balanceando a relação de consumo para trazer-lhe novamente a igualdade suprimida pelas prestações desproporcionais ou pelo fato superveniente que gerou a onerosidade.

O novo Código Civil, publicado em janeiro de 2.002, dentre as disposições válidas para os contratos em geral, passou a tratar das formas de extinção dos contratos, o que não ocorria no antigo diploma estipulando de modo didático, quatro formas da extinção dos contratos por evento posterior à sua formação, que pode ser promovida, dentre outras causas: (a) pela resolução por inexecução voluntária do contrato; (b) pela resolução por inexecução contratual involuntária; (c) pela resolução por onerosidade excessiva; (d) pela resilição bilateral ou distrato; (e) pela resilição unilateral; (f) pela prescrição; (g) pela decadência; (h) pela rescisão; (i) pela morte de um dos contratantes (se o contrato for personalíssimo); (j) pela falência.

Vale ressaltar que o Novo Código ao regular a matéria de resolução por onerosidade excessiva consagrou a Teoria da Imprevisão, segundo a qual, havendo fato superveniente que traga vantagem excessiva para uma das partes, o contrato poderá ser rescindido, desde que tal fato fosse extraordinário e de difícil ou impossível previsão. É a também chamada cláusula "rebus sic stantibus", pela qual a relação jurídica deve ser mantida enquanto perdurar a situação fática que originalmente a ensejou.

A força obrigatória dos contratos, denominada, também, pacta sunt servanda, decorre do princípio da autonomia das partes, pelo qual as pessoas possuem liberdades contratuais. Se um contrato não tivesse força obrigatória entre as partes, a segurança jurídica dos negócios jurídicos encontrar-se-ia ameaçada, podendo, assim, qualquer um dos contratantes, a seu bel-prazer, desvincular-se do pacto estabelecido. Portanto, o princípio da obrigatoriedade dos contratos baseia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes.

É certo que quem assume uma obrigação a ser cumprida em tempo futuro sujeita-se à alta dos valores, que podem variar em seu proveito ou prejuízo; mas, no caso de uma profunda e inopinada mutação, subversiva do equilíbrio econômico das partes, a razão jurídica não pode ater-se ao rigor literal do contrato, e o juiz deve pronunciar a rescisão deste. A aplicação da cláusula rebus sic stantibus tem sido mesmo admitida como um corolário da teoria do erro contratual.

A adoção da teoria da imprevisão e o abrandamento do princípio da obrigatoriedade não toleram a obrigatoriedade do contrato quando uma das partes obtém benefício exagerado enquanto a outra arca com uma excessiva onerosidade. Aliás, a teoria da imprevisão, a qual impõe restrições à regra dos pacta sunt servanda, permite ao juiz, além da efetuação da dissolução do contrato – ação que é de sua diligência normal –, a possibilidade, excepcional, de realizar uma revisão sobre o mesmo.

De acordo com o mesmo princípio da razoabilidade, apesar de existir previsão contratual, se as circunstâncias previstas estiverem aquém da nova situação instaurada, é imprescindível, principalmente em respeito ao princípio do equilíbrio contratual, a aplicação da teoria da imprevisão, uma vez que, apesar da previsão de evento futuro, o contrato se constituiu como oneroso além das expectativas das partes; logo, excessivamente oneroso, de forma a gerar sacrifício econômico desarrazoado e exagerado para uma das partes.

Podemos firmar que o fundamento específico da teoria da imprevisão é o justo limite consciente que mantém a noção econômica de segurança, a fim de impedir a iniqüidade a que poderia permitir a aplicação do princípio da irretratabilidade das convenções [24]. Assim, procura-se uma mesma finalidade: atenuar a responsabilidade do devedor, devido a uma superveniência de circunstância imprevisível que altere a base econômica objetiva do contrato, gerando, para uma das partes, uma onerosidade excessiva, e, para a outra, um benefício exagerado

Temos, assim, três elementos para que se verifique a aplicabilidade da teoria da imprevisão: a superveniência de circunstância imprevisível e imprevista (pelas partes); a onerosidade excessiva que provoque alteração da base econômica sobre a qual foi celebrado o contrato; o nexo causal entre o evento superveniente e a onerosidade excessiva.

Em suma, a teoria da imprevisão permite uma revisão das cláusulas contratuais, quando deflagrada superveniência imprevisível e imprevista (pelo homem médio) que altere a situação anterior, existente entre as partes contratantes, provocando, para uma delas onerosidade excessiva.

A questão da onerosidade excessiva é inversamente proporcional ao princípio do equilíbrio contratual, ou seja, quando há onerosidade excessiva há desequilíbrio contratual, e quando há equilíbrio contratual, não há onerosidade excessiva. Desse modo, o princípio do equilíbrio contratual, também denominado princípio da justiça contratual [31], procura garantir a equivalência entre a prestação e a contraprestação, isto é, uma proporcionalidade entre uma e outra.

Ao conceituar a onerosidade excessiva podemos sucintamente dizer que é um estado contratual provocado por circunstância extraordinária, imprevista e imprevisível, superveniente à celebração do contrato, de modo a tornar a prestação de uma das partes extremamente onerosa, com exacerbada vantagem para a outra.

No Código Civil de 2002, o instituto está previsto nos artigos 478, 479 e 480, 'in verbis':

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Tratado diferentemente no Código de Defesa do Consumidor, a resolução por onerosidade excessiva ou teoria da imprevisão se acha insculpida no artigo 6º inciso V parte final do CDC, 'verbis':

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

.....................................................................;

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas(o grifo é nosso);

Nessa seara, a primeira grande característica do instituto é o fato de ser aplicávelàs relações de consumo, entendida estas segundo os critérios da vulnerabilidade de um dos contratantes e do lucro em caráter permanente do outro, o que faz distinguir, em apertada síntese, as relações consumeristas das relações civilísticas.

A teoria, em comentário, oriunda da velha cláusula rebus sic stantibus e da teoria da imprevisão, tem o intuito de transformar o contrato de instrumento, estritamente, patrimonial e de circulação de riquezas para um instrumento de cooperação social, em consonância, desta forma, com os princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé constantes da nova ordem contratual. Tal regra tem o âmbito de aplicação limitado aos contratos a prazo, ou seja, aqueles em que existe um lapso temporal entre o momento da celebração e da execução da prestação contratual e enseja, segundo o dispositivo legal, a resolução do contrato, ou, a revisão contratual tão-somente na hipótese de comum acordo. Enfim, trata-se de um tema ainda bastante recente, em nível de legislação pátria, na medida em que não era tratada pela Legislação Civil de 1916, porém, revela a paulatina extinção por qual passou o paradigma contratual clássico, dando origem a nova ordem contratual no direito obrigacional.

Não há medida padrão para se concluir que uma obrigação se tornou "excessivamente onerosa", nos termos do artigo 478 do Código Civil. Isso porque o critério para se determinar onerosidade excessiva é relativo, e não absoluto. Vale dizer, a onerosidade excessiva deve ser aferida pelo julgador, casuisticamente, de acordo com os aspectos específicos do caso concreto. Nessa avaliação deverá ser considerada, como ponto de partida, a equação econômico-financeira inicial do contrato – ou seja, quais eram as obrigações inicialmente contraídas pelas partes e os objetivos comuns que elas almejavam, considerando-se, ainda, as condições econômicas e as premissas contratuais.

Após a verificação desses elementos, o julgador avaliará se houve de fato, o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e sopesar a posição relativa das partes. Trata-se de um exercício de razoabilidade, na qual o julgador deve investigar se a estrutura econômica se modificou de tal forma que uma das partes incorre em ônus demasiado para cumprir prestação que gera benefício para a outra parte.

Não há, pois, como estabelecer um critério fixo para avaliar quão oneroso um contrato deve se tornar para que a parte prejudicada possa invocar em seu favor o disposto no art. 478 do Código Civil Brasileiro. Deve-se, portanto, perquirir cada caso isoladamente, dentro de sua fórmula inicial e de suas peculiaridades. Nesse mister, é necessária a avaliação prudente e eqüitativa do julgador, característica que deveria ser apregoada por todo o universo jurídico.

CONCLUSÃO

Conclui-se que não há medida padrão para se quantificar se uma obrigação se tornou excessivamente onerosa. O julgador deve analisar criteriosamente a prova trazida aos autos para, aí sim, aplicar a regra objetiva do 478, qual seja, identificar se a prestação de uma das partes se tornou excessivamente onerosa, em razão de fatos imprevisíveis e extraordinários, os benefícios indiretos, estranhos à equação econômico financeira inicial do contrato, não devem ser considerados para excluir as conseqüências da onerosidade excessiva, inclusive a resolução da avença, e por fim, não há um limite máximo ou mínimo, no transcurso do tempo contratual, necessário para que se aplique o art. 478. O julgador, mais uma vez, deve ater-se à prova constante dos autos para identificar o momento em que a onerosidade excessiva de uma parte ocorreu conferindo vantagem considerável para a outra.

Bibliografia

jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5132 - 33k –

jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9052 - 62k

www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/joaohora_resolucao.doc -

www.jurisway.org.br/v2/dropsjornal.asp?pagina=&idarea=&iddrops=221 - 10k –

www.fiesp.com.br/download/assessoria_juridica/artigo_sydnei_sanches.pdf -


Autor: Alianna Caroline Sousa Cardoso


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