A lição do Peloponeso



Apenas uma nota em reacção à leitura, acabada de fazer, do artigo de Joe Klein sobre os candidatos à nomeação democrata nos EUA, "Inspiration vs. substance", Time, vol. 171 (Feb. 18, 2008) no. 7: 16, 17:
Ao longo de passagens como "Obama campaign all too often is about how wonderful the Obama campaign is", e sobre Hilary Clinton "she simply knows more than Obama does", confesso que à medida que fui encontrando os nomes de um e de outra me foi crescendo a tentação de ali ler, respectivamente, "Alcibíades" e "Tucídides". Espero que a memória da cadeira de opção sobre cultura clássica, que em boa hora me inscrevi nos tempos de faculdade, me não esteja a pregar uma rasteira sobre o ponto de viragem da Guerra do Peloponeso (entre as coligações lideradas respectivamente por Atenas e Esparta, no último terço do séc. V a.C)!
Além de todas as diferenças, relativamente ao contexto notarei apenas que i) os EUA se constituem hoje como o estado líder de uns quantos outros, nomeadamente na NATO, em alguma medida tal como Atenas esteve para o seu império marítimo; coligações estas ii) apesar de tudo caracterizadas por uma liberdade individual, desvalorizada tanto por Esparta quanto por actuais potências emergentes, desde logo a China.
Quanto às personagens, não tenho aqui meio de o confirmar (e a passagem pela internet não foi proveitosa) mas tenho ideia que quando o general, e historiador, Tucídides propôs na Assembleia uma retirada das forças terrestres atenienses durante o Inverno para posições mais seguras o carismático Alcibíades propôs, ao contrário, uma ofensiva marítima sobre a Sicília, nas costas de Esparta. O primeiro simply knew more than este último. Mas, aos cidadãos atenienses, o discurso de Alcibíades about how wonderful the Alcibiades' speech was foi irresistível. De modo que retiraram a Tucídides o comando que lhe haviam confiado, e, entusiasticamente, se precipitaram não apenas na derrota perante os espartanos, mas mesmo na consequente perda de posições gregas na Ásia Menor para os arqui-inimigos persas.
Sombrias se tornam as perspectivas dos povos que substituem a frieza da razão, a humildade da sensatez, por arroubos colectivos na esteira de belos discursos… A nós[portugueses], por exemplo, levaram-nos estes a Alcácer-Quibir, ou à "descolonização exemplar", que implementámos na sequência daquela ideia peregrina de que um dos países menos poderosos da Europa poderia manter um Império económica e geo-estrategicamente apetecível, mesmo após a retirada britânica e as derrotas francesas nas respectivas possessões ultramarinas!
Com certeza que a interpretação de Klein pode estar errada – e Obama ter também substance. Com certeza que ainda não é seguro que seja ele o nomeado às presidenciais. E com certeza que McCain também pode vencer estas eleições. Mas se, por azar, nada disto se verificar, então em Portugal [e em qualquer outro aliado dos EUA, como o Brasil] bem faremos em recordar os pequenos Estados aliados da Atenas de há 2500 anos. Concretamente, identificando a nossa Esparta e a nossa Pérsia, e preparando-nos para o momento certo de intervir de modo a nos submetermos à primeira e não à segunda. A alternativa será a intervenção numa, e por uma Europa que recupere a liderança num Ocidente de novo pujante, [ou até que esta civilização se firme noutras latitudes, como a sul-americana] – mas alguém vislumbra isso hoje?

in: O Primeiro de Janeiro, Porto, 03/03/2008


Autor: Miguel S. Albergaria


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