A avaliação da aprendizagem e sua relação com o fracasso escolar por meio da violência simbólica.



É fato que a evasão e a repetência escolar têm sido um dos grandes problemas da educação, já que no Brasil cerca de 31,4 jovens tem abandonando a escola a cada hora (FUTEMA in FIDELIS, FURTADO E SOUZA, 2006), chegando a ponto de se concluir em pesquisas que a cada 100 crianças inseridas no contexto educacional do ensino básico, apenas 20 delas concluíramesta etapa (OLIVEIRA, 2003) . Partimos do pressuposto que este fenômeno deve ser associado às práticas de avaliação de aprendizagem, estratégia esta embutida de valores culturais.

A relevância desta discussão se faz vital no momento em que ao analisarmos os paradigmas de nossa educação, poderemos refletir em sua prática a realidade que vai muito além dos muros das escolas, encontrando-se verdadeiramente no seio de nossa sociedade.

Assim, nos detemos na busca de compreender as relações existentes da avaliação da aprendizagem, do fracasso escolar e da violência simbólica, trazendo para estes debates conceitos de Hoffmann, Bordieu, Arroyo, Vasconcellos, Cordié, partindo então desta análise a reflexão da realidade educacional.

I. A interseção dos temas propostos

Quando refletimos sobre o papel decisivo que a avaliação da aprendizagem tem na vida de dos educandos, enxergamos que é através dela, avaliação, que será definido o fracasso ou o sucesso escolar, segundo Cordié (1996) no caso do fracasso suas conseqüências podem vir a definir trajetórias de fracasso de vida. Logo, começa-se a repensar as estratégias avaliativas a serem usadas, porém vale ir mais a fundo nesta situação problema e, procurando então, não apenas fórmulas de averiguação da aprendizagem que venham a ser positivas quantitativamente, camuflando o real problema, mas repensando o significado da avaliação na educação.

Ao se pensar em verificação da aprendizagem, não podemos nos deter apenas aos instrumentos que nos darão resultados deste processo, seja em forma de números ou conceitos, pois aspectos da avaliação qualitativa seriam esquecidos, e é a partir da conscientização de que a avaliação escolar deve levar em conta aspectos como os quantitativos e avaliativos, assim como prevê a LDB artigo 9396/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que devemos buscar razões pelo qual mensuramos a quantidade e a qualidade da aprendizagem dos alunos.

Entende-se que nossas referencias de quantidade e qualidade, estão atreladas aos valores existentes da sociedade, como podemos refletir nesta citação sobre a instituição escola:

O que essa instituição representa e cobra dos alunos são, basicamente, os gestos, as crenças as posturas e os valores dos grupos dominantes, dissimuladamente apresentados como cultura universal. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p.19)

Na busca de atingirmos o que há de mais ideal dentro desses valores, que em muitas vezes não são genuinamente nossos, que legitimamos uma violência que não é marcada por debates, agressões ou confrontos, mas uma violação de características culturais diversificadas, abafada por uma cultura dominante, na qual no meio cientifico ficou conhecida como violência simbólica.

II. A escola e seu caráter excludente

Como defendemos anteriormente, fruto de uma má avaliação de seus alunos, já que os mesmos são classificados mediante a uma cultura dominante, o fracasso escolar caracteriza o caráter excludente da escola. Segundo Hoffmann (1992): "(...) A imprecisão e a injustiça ocorrem justamente devido ao uso equivocado da medida em educação (...)" (p.30) , e assim a escola produz cada vez mais o fracasso escolar com sua avaliação imprecisa, justificando preconceitos em fatores como os econômicos, sociais e étnicos para o desenvolvimento da aprendizagem.

O fato de ser a escola um lugar onde etnias, classes sociais se encontram deveria ser o local propicio para a soma das diferenças sócio-culturais, mas segundo Nidelcoff (1987), apesar de toda a sua defesa sobre a psicologia da carência cultural, afirma algo interessante, que a escola além de não ter o poder de modificar a estrutura social, tem confirmado e sustentado a estrutura existente, ou seja a de exclusão, talvez seja uma visão pessimista, mas é fato que aos moldes como temos a escola hoje, não poderíamos mudar a realidade discriminatória e excludente na qual fazemos parte.

Prova disso é a argumentação de Arroyo (1997) afirmando que o direito a educação básica universal progrediu, mas por outro lado, a sociedade não conseguiu fazer com que a escola se estruturasse para assegurar direitos igualitários a todos, se tornando seletiva. Não seria a avaliação escolar a mais legitimada seleção dentro do âmbito escolar? Vale ressaltar que em muitas das facetas do caráter excludente da escola, o mesmo autor defende que os setores populares já chegam à escola 'reprováveis', por considerarem esses educandos com o capital intelectual baixo, o que atrapalharia no ritmo de aprendizagem do restante dos alunos. Podemos refletir sobre este aspecto o seguinte:

Tratando formalmente de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente a escola privilegiaria, dissimuladamente, quem por sua bagagem familiar já é privilegiado. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002,p.29).

Com isso podemos relembrar o que afirma Arroyo (1997) quando diz que muitas escolas, optam por fazer salas especiais para alunos oriundos de classes populares, aonde formalmente tudo é igual às outras escolas, mas na prática percebe-se que se exige menos na transmissão dos conteúdos, do currículo, das avaliações, das estratégias, enfim, eximem a culpa da escola no caso de uma evasão por parte dos alunos, quase que abolindo a repetência, mais uma vez a avaliação escolar é usada de forma erronia, pois ao supor que os alunos não possuem muitas chances de ascensão social a escola acaba por optar 'facilitar' a vida de pessoas que não irão muito longe dentro dos padrões culturais, que acaba por criticar a exclusão da seguinte maneira:

A função da escola é adaptar as novas gerações à sociedade que aí está, permitindo-lhes, em menor ou maior grau, conforme seu esforço e aptidão pessoal – ou de acordo com a sua origem de classe, como diriam os críticos dessa visão – adquirir o 'saber erudito' . (ARROYO, 1997, p.75)

Nesse viés de função da educação que se faz válido a critica sobre a avaliação classificatória, que segundo Fidellis, Furtado e Souza (2006) pois tão envolvidos estamos na mensuração de quantidade dos conteúdos aprendidos, que esquecemos de explorar nossas potencialidades, podemos também lembrar Hoffmann (1992) com a defesa de que a avaliação deve ser dinâmica e de caráter diagnóstico, afinal o que as escolas têm aprendido com os altos índices de notas baixas ou pior, com o fracasso escolar? O que enxergamos por trás deste caráter de exclusão? Toda a discussão sobre o caráter excludente da escola faz reforça o pensamento que a avaliação da aprendizagem gera o fracasso escolar, legitimando com isso a violência simbólica, pois num cenário tão excludente poderia ser a avaliação escolar de outra maneira?

III. Como enfrentar esse dilema?

Apresentado os problemas das conseqüências práticas de uma má avaliação escolar, podemos também direcionar práticas melhores, ou seja apontamentos para uma ação mais justa. Segundo Hoffmann (1992), apesar do equívoco encontrado na ação da avaliação para cumprir exigências burocráticas do sistema educacional, pode sim ser a avaliação uma prática positiva, pois é fundamental a educação, quando usa dos meios de averiguação da aprendizagem a todo instante, num processo gradativo, não vendo sua docência como uma verdade absoluta, e procurando na coleta de dados da avaliação, retomar novos rumos ao processo de ensino e aprendizagem. Assim, no conceito de Hoffmann (1992) faz da avaliação a reflexão transformada em ação.

Podemos apontar para escola novas perspectivas, como as de Macedo (2002), que diz ser a escola um espaço para aprender, justificando sua existência por configurar um ambiente de manifestação cultural e de criação e produção de conhecimento, fazendo da avaliação um processo que venha exigir de todos, alunos e professores, contribuição, fazendo com que as relações escolares sejam aprimoradas. Proporcionando a todos conhecer seu mundo, favorecendo uma auto-descoberta, por fim Macedo (2002), aponta o seguinte sobre a avaliação: "(...) Ela não se justifica na Educação para punir, selecionar, sustentar a idéia do 'Darwinismo' Social (...)" (p.19) . Com, isso podemos dizer que a avaliação necessita de seu caráter diagnóstico, a avaliação deve ser tomada como método de conhecimento de ambos os lados, tanto do discente quanto do docente.

Há que se distinguir, inicialmente, 'Avaliação e Nota'. Avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma reflexão crítica sobre a prática,no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos. A nota, seja na forma de número, conceito ou menção, é uma exigência formal do sistema educacional. Podemos imaginar um dia em que não haja mais nota na escola – ou qualquer tipo de reprovação - , mas certamente haverá necessidade de continuar existindo avaliação, para poder se acompanhar o desenvolvimento dos educandos e ajudá-los em suas eventuais dificuldades. (VASCONCELLOS, 1994, p.43)

O momento de avaliar deve estar associado também a uma redefinição das estratégias de ensino, o fracasso escolar, quando é remediado, se faz de forma tardia, exemplo disso é a repetência escolar, espera-se um ano para que o professor dê uma tomada de decisão no processo educacional do aluno, ou seja, ou o aluno 'passa' de ano, série, ou irá passar por todo o processo de repetir a mesma séria, se submetendo as mesmas estratégias e forma de ensino, sendo que pelo fato de estar reprovado, já mostra que o processo não saiu como o idealizado.

As classes dominantes não interessadas em distribuição de renda, mas defensoras de uma concentração proveniente do comércio ou da indústria, continuariam sempre dominantes porque os pobres teriam grande dificuldade de atravessar uma barreira tão bem disfarçada, onde o aluno é colocado como o grande culpado de seu fracasso, os professores cumpridores de seus deveres e a escola, instituição que fez seu papel na sociedade. (WERNECK, 2003, p.62 e 63).

Realmente é difícil entender o quanto temos arraigados em nós valores de uma cultura dominante e seletiva, porém, os números que apontam os índices educacionais mostram o quão grave está o nosso sistema educacional, por isso a necessidade de se buscar respostas para o que a cada dia tem se tornando irremediável, pois a mera compensação ou remediação dos problemas não tem adiantado para a solução dos problemas, enquanto não irmos a fundo, no âmago da situação, não se entenderá o porquê cada vez mais as nossas crianças não estão sendo vencedoras no processo educacional.

Considerações Finais

Faz-se válido sempre saber exatamente que postura tem se tomado na atitude de educar, entender a origem dos costumes e pensamento educacionais, como estamos trabalhando com os valores da sociedade, que valores seriam estes e quais nossas criticas e perspectivas diante deles, a busca de entender sempre de que forma estamos contribuindo para o fracasso ou sucesso das pessoas.O dilema da avaliação e suas conseqüências, seus agravantes, sempre iram existir, porém o que estamos defendendo é uma nova tomada de atitude diante as situações. Também, muito pouco tem melhorado o sistema educacional discursos de fundo demagógicos, defendemos posturas práticas para a retomada da ideologia de uma educação igualitária e oferecida a todos, entendemos que para isso há de se repensar em que viés estamos avaliando os nossos educando e quais valores tomamos como parâmetros para esta atitude, acima de tudo, o que estamos fazendo com os resultados obtidos nessas avaliações.

Portanto, é a partir da consciência de que temos em nossas averiguações de aprendizagem valores culturais embutidos, que poderemos começar a refazer as estratégias pedagógicas, buscando sempre fazer do momento da avaliação um momento de diagnóstico, um diálogo entre a teoria ensinada e prática , ou seja, o que realmente foi aprendido, levando sempre em conta as conseqüências da avaliação meramente quantitativa, evitando sempre alimentar o fracasso escolar entre os alunos, o que para nós profissionais da educação é também um fracasso nosso, pois o processo de ensino e aprendizagem é uma meta de nossa escolha profissional quanto educadores.

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Autor: Michelle Medeiros


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