O despertador e o respeitável senhor



Um respeitável e nobre senhor muito trabalhador e esforçado, ganhava sempre seu dinheiro e nunca chegava atrasado. Mas também, pudera, tinha ele um despertador que nunca falhava. O despertador era também muito esforçado: não atrasava um segundo sequer! Todos os dias às 05:00 ele dava seus primeiros gritinhos. O respeitável senhor, não muito contente, dava-lhe um tapa e dizia: “Dê-me mais 10 minutinhos de descanso!”. O despertador fazia conforme a vontade de seu senhor. Esperava os tão desejados e merecidos dez minutos e pontualmente às 05:10 tocava de novo. Dessa vez usava toda sua força, para que o senhor não perdesse a hora. Assim o senhor acordava e ia para sua costumeira rotina. Trabalhava o dia inteiro, até chegar em casa e poder se ajeitar para dormir e descansar para o próximo dia de trabalho. Durante anos a vida correu dessa forma, tanto para o despertador como para o respeitável senhor. Até que um dia, o impensável aconteceu: o despertador não fez a sua parte! Não foi por má vontade, não foi por preguiça, nem mesmo por raiva dos tapas que recebia às 05:00 da manhã. Ele não teve forças! Esteve lutando durante a noite inteira para se manter funcionando, no horário certo, mas não agüentou! Na verdade, ele já estava cansado há muito tempo, mas não podia parar. Estava também preocupado com seu senhor que também demonstrava muito cansaço. Por isso se entregou: parou os ponteiros e dormiu. “É para o bem de nós dois”, pensou ele. O respeitável senhor só foi despertar às 09:00 da manhã. Ficou totalmente desnorteado, levantou de um pulo e não sabia mais o que fazer. Havia perdido um vôo que faria naquele dia para resolver coisas de seu serviço. Sentiu raiva do despertador, mas já não havia o que fazer. Resolveu tirar o dia de folga, já que não teria mais como cumprir suas tarefas daquele dia. Tomou um bom banho, um longo e delicioso café da manhã e foi dar um passeio pelas redondezas. Era outono e as folhas amareladas caíam pelas ruas de sua vizinhança. O céu estava azul como há muito tempo ele não via (talvez porque não olhava mais para cima), o vento gelado no rosto o agradava muito. Lembrou-se de sua adolescência e de como gostava dos passeios com seus amigos quando o clima estava desse jeito. Continuou a andar. Reparou como era bonito o lugar onde morava. Fazia tempo que não olhava as casas ao redor, não sentia o cheiro das árvores (ele morava numa rua com muitas árvores), não reparava nos seus vizinhos. Parou junto ao cercado de um dos vizinhos, bateu um papo desinteressado: nada sobre dinheiro, trabalho ou coisa que o valha, apenas um papo sobre o clima. Para aquele respeitável senhor, essa conversa foi edificante! Há tempos ele não sabia o que era conversar sem ter um assunto específico e sério a tratar. Ele havia decidido que só conversaria com quem realmente valesse a pena, quem poderia fechar um negócio com ele e já tinha se esquecido como era conversar com outra pessoa sem nenhum interesse. Assim passou o seu dia: andando por aí, olhando o seu redor, comeu alguma coisinha aqui, comprou outra ali, conheceu novas pessoas no bairro, jogou conversa pro ar, suspirou, cochilou e finalmente chegou a noite e deitou-se em sua cama. O velho despertador não se continha de tanta alegria (a essa hora ele já tinha recuperado suas energias e seus ponteiros voltaram a rodar). Ver seu senhor tão feliz e em paz como estava deixou-o muito alegre. “Realmente fiz o melhor para nós dois!”, pensou ele. O respeitável senhor deitou-se na cama e ao ouvir o alegre tic-tac de seu velho despertador disse: “É amigo, com certeza esse foi um dos melhores dias da minha vida. Há tempos não me divertia tanto!”. Então, tirou do bolso um outro despertador, um mais moderno, e disse: “Você já deu o que tinha que dar, não posso mais deixar que atrase meus compromissos como fez hoje. Adeus”, e colocou o despertador novo em seu lugar, fazendo o velho despertador cair direto no cesto do lixo, onde ficou sozinho com seus tiques e taques.


Autor: Renato Malkov


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