Soberania e globalização



O Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, no relatório anual da entidade /1995, fala em uma nova forma de isolacionismo - Neo - Isolacionismo - entre as Nações que resistem a ter uma visão globalizante dos problemas mundiais. Tal visão globalizante é, sem dúvida, primordial, o que não elide, porém, a manutenção do instituto de soberania. O Estado pode ( e deve ) ter essa visão globalizante, enquanto Estado-soberano, o que não impede ( mas, ao contrário, suscita ) sua presença em organismos de cooperação ou de integração.

Segundo Barbosa Lima Sobrinho, a Globalização exclui o sentimento e as condições de independência das Nações livres, constituindo-se numa nova forma de máscara para o Liberalismo Económico, uma espécie de Neo-Colonialismo de empresas multinacionais. Tais empresas vazam soberanias nacionais ( clóvis ramalhete ) mas, como funcionam como factores de integração, devem ser objecto de rigoroso controle estatal no plano economico-financeiro ( regime tributário ), empresarial ( nacionalização de sectores básicos da Economia ), intergovernamental ( transferência de tecnologia ) e juridico ( legislação eminentemente controladora ).

Boutros-Ghali cogita, em seu relatório, da ampliação das actividades da entidade ( o que impediria aquele isolacionismo e, de certa forma, a própria Globalização ), salientando entre objectivos da ONU, a gestão da tecnologia e de sua extensão a toda a Organização. Trata-se de pontos básicos, pois, conforme demonstrado, a tecnologia dos Estados ricos tende à intervenção ( armada, económica, etc. ), a despeito da expressa proibição da intromissão em assuntos da competência interna dos Estados ( art. 2º, 7º da Carta da ONU ). Dai o noval Direito ( dever ) de ingerência, como forma camuflada de intervenção, em termos de assistência humanitária ( CIJ : EUA X Nicarágua ) ou de protecção de nacionais ( EUA-Granada/83 e EUA-Panamá/69 ), valendo salientar, ainda em termos de assistência humanitária, diversas resoluções da assembleia geral da ONU ( 1981, 1988, 1990, 1991 ).

A cooperação e a integração somente são factíveis por Estados soberanos, que, para a consecução de seus objectivos imediatos ou mediatos, podem negociar, transigir, pactuar, denunciar, renunciar ( a direitos ), aceitar ( ou não ), reservar-se, etc. Seja em termos de cooperação ( Carta da ONU art. 1º, 3 e Capítulo IX ),de que são exemplos a FAO, UNESCO, OIT, OMS, etc, seja em termos de integração, cujos objectivos ( Karl Deutsch ) visam a sua realização de fins comuns e o aumento de potencialidade dos Estados ( resguarda, pois, sua soberania ). Servem de exemplos, na Integração Europeia, o BENELUX, a CECA, o EURATOM e o NCE ou CEE ( hoje União Europeia ) e na integração Americana, a ALALC ( hoje ALADI ), o CARIFTA, o SELA e, mais recentemente, o MERCOSUL, e o NAFTA.

Os exemplos supra comportam hipóteses factiveis de transnacionalidade somente na área económica e, mesmo assim, de forma incompleta, em face da diversidade politica, económica, social e cultural dos povos do Sistema Mundo. No tocante á União Europeia, o Tratado de Roma /57 foi revisto pelo Tratado de Maastricht /92, em termos de uma politica externa comum. No tocante ao MERCOSUL, o tratado de Assunção /91 cogita de uma integração económica com fundamento nos principios de gradualidade e de flexibilidade. E no tocante ao NAFTA ( em vigor desde 1-1-94 ), resposta dos EUA á União Europeia, cogitou-se, apenas, da criação de uma zona de livre comércio, que, embora, muito poderosa em face das presenças dos EUA e do Canadá, não visa á criação de um mercado comum com conotações politico-económicas. O mesmo raciocinio é válido para os Tigres Asiáticos (os tradicionais e os recentes seis do Mekong ), que atingiram indescutiveis sucessos económicos ( não politicos ), a custa de lamentáveis custos sociais e ambientais.

O relatório mundial de investimentosda UNCTAD, de 1995, analisa, detalhadamente estrangeiros directos ( FDIs ) das corporações transnacionais ( TNCs ). Merece o relatório as seguintes observações, dentro do finalismo deste estudo:

- As TNC s exercem, hoje, papel fundamental em termos de vinculação das diversas economias nacionais, construindo um integrado sistema internacional de produção, com vistas ao mercado mundial.

- Esses investimentos estão concentrados no mundo desenvolvido, particularmente, na Tríade formada pelos EUA, União Europeia e Japão ( que integraram as Top TNC s/93 ), sem prejuizo da acção de Paises em desenvolvimento, no mesmo periodo, a exemplo do Brasil ( Petrobrás e Sousa Cruz ).

- Os FDIs das TNCs crescem na medida em que crescem as privatizações de empresas estatais, através de programas especificos. Por isso, a Região Ásia-Pacifico é a mais importante no sector, seguida pela Europa Central e Oriental. A África encontra-se marginalizada, sendo que, na América Latina e no Caribe, o NAFTA e o MERCOSUL deverão contribuir com novos programas.

- A referência a Paises Centrais e a Paises periféricos é válida, pois o universo das TNCs compreende não apenas as grandes companhias, como, também, firmas de pequeno e médio portes.

- As TNCs criam activos e elevam o nivel de emprego, com base na circulação de capital, na capacidade tecnológica, na inovação organizacional e em novas práticas gerenciais ( incluindo Host e Home countries ), compreendendo treinamento, centros de informações e incentivos governamentais.

- A acção governamental, no caso, se efectivará através de iniciativas nacionais, bilaterais, regionais ou multinacionais.

- O Relatório da UNCTAD, ora sintetizado, como se vê, busca a integração, evitando o isolacionismo e, ao mesmo tempo, resguarda a soberania dos estados, com fundamento em uma livre acção governamental. Dai a menção expressa a iniciativas nacionais, bilaterais, regionais e multinacionais. Cabe, apenas, aos Paises periféricos, manter intensa vigilância sobre os programas de privatização, já que os FDIs das TNCs crescem na medida em que crescem - como dito acima - a privatização das empresas estatais.

- As TNC's, porém, concorrem para a elevação dos custos de produção, alimentando e perpetuando a corrupção internacional ( abuso de poder económico, soborno, etc. ), não possuindo, os Paises, instrumentos e mecanismos hábeis para combatê-la, o que só será viável através de normas juridicas que a conceituam e punam em termos nacionais, regionais e globais.

Em face do exposto, a Globalização busca um entrelaçamento económico mundial, que somente será válido se resguardada a Soberania dos Estados, razão que:

1- a transnacionalidade só tem validez na área económica, respeitadas as competentes disparidades nacionais.

2- as economias nacionais, em consequência, deverão ser preservadas e incentivadas.

3- a doutrina da interdependência deverá ser aprimorada, com base no livre consentimento, sem qualquer tipo de submissão nacional.

4- os Estados manterão sua Soberania, resguardando, desta forma, as fronteiras nacionais, o que não elide a negociação global, com base no principio da auto-limitação.

5- os Estados, em consequência, buscarão a cooperação e a integração, evitando o isolacionismo, dentro dos principios juridicos básicos do Pacta Sunt Servadda e da Rebus Sic Stantibus, isto é, honrando os pactos de que são soberanamente partes e os adaptando ás mudanças fundamentais das circunstâncias, inclusive, através de normas juridicas que conceituem e punam a corrupção em termos nacionais, regionais e globais.


Autor: Artur Victoria


Artigos Relacionados


Ética Económica Transnacional

A Morte Anunciada De Um Lóbulo

A Perspectiva Construtivista De Ensino

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

O Discurso / Mídia / Governo

Mercado Compartilhado – Modelo Aplicado à Gestão De Empresas De Alto Crescimento Em Ambiente Dinâmico E Competitivo

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras