A Adopção de Crianças por Casais Homossexuais



1.Apresentação

Face aos conhecimentos jurídicos que possuímos, tentaremos identificar não só a substância do facto, mas também o eventual impacto em termos jurídicos e morais na sociedade e ordenamento jurídico português, sustentando dentro do possível este trabalho, com o instituto da adopção e a sua natural correlação com os institutos do casamento e da união de facto, recorrendo para tal à legislação disponível entre nós.

2.Introdução

O ciclo de vida de uma família tradicional tem o seu início na união (contrato) de duas pessoas de sexo diferente que se escolhem para formar um casal e que se comprometem numa relação que pretendem que se prolongue pelo tempo [artigo 1577º do Código Civil (CC)] ou na união (pacto) pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole (Código de Direito Canónico, cânon 1055).

Daqui surgem os filhos que se tornarão adolescentes e depois adultos e estes filhos darão corpo a novas famílias nucleares.

No entanto, este ciclo verifica-se cada vez menos frequentemente nas famílias da nossa sociedade actual, visto muitas delas sofrerem processos de divórcio, serem famílias reconstituídas, famílias monoparentais, famílias de adopção etc. São chamadas as novas famílias, o que nos obriga a pensar em contextos familiares que mais não são do que variantes a esse ciclo vital que nos habituamos a constatar.

3.Exposição

A questão subjacente ao facto que nos propomos evidenciar, é na circunstância em termos objectivos a "violação do direito de respeito pela vida privada e familiar"

Importa desde logo referir a existência de variadíssimos casos ocorridos em Portugal dos quais aqui destacamos um em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o estado português por discriminação em relação à orientação sexual[1].

Parece-nos no entanto que para o nosso ordenamento jurídico, estas situações não trazem consequências práticas imediatas, para além de efeito moral e jurisprudencial, sendo certo que em Portugal não é legalmente permitida a adopção feita por casais formados por pessoas do mesmo sexo conforme Lei 7/2001 de 11 de Maio[2] e Decreto-Lei nº 11/2008 de 17-01-2008[3] se bem que, quanto a este, o seu texto legal é omisso quanto a essa exclusão.

Apesar de tudo, a decisão do TEDH não deixa de ser considerada histórica, porquanto " é a primeira vez que Estrasburgo condena um dos 47 estados do Conselho da Europa por uma discriminação de carácter homossexual num processo de adopção".

Uniões homossexuais para efeitos de adopção

Da noção expressa no art.º 1586 do CC entende-se que a adopção é o vínculo que se estabelece legalmente entre 2 pessoas nos termos do art.º 1973 e ss do CC, semelhante à filiação natural e que assenta essencialmente em questões de ordem social e afectiva e não na origem biológica do parentesco e que visa servir sobretudo o interesse do adoptado e da infância abandonada ou desprotegida do ambiente familiar normal conforme bem atesta o art.º 69 da Constituição da República Portuguesa(CRP). A defesa do interesse do adoptado e do interesse geral de protecção da infância é de tal importância que se reflecte desde logo no regime geral dos arts 1973º a 2002º - D), bem como em outras legislações extraordinárias, sendo estas revistas inúmeras vezes.

Outra ideia da sua importância reflecte-se no seu interesse público, que para tal impõe a este instituto o controlo do tribunal para que a adopção se constitua, bem como no empenho com que este defende a estabilidade do vínculo uma vez constituída a adopção, determinando por exemplo que a adopção plena art.º 1979 cujos efeitos se verificam no art.º 1986 não é revogável, nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado (art.º 1989), e só permitindo a revisão da sentença que tenha decretado a adopção plena ou restrita, ou a revogação da adopção restrita art.º 1992 e ss, nos casos excepcionais (arts 1990º, 1991, 2002º- B e 2002º- D).

Convém no entanto referir que a Lei 7/2001, no art.º 1 parece estender à União de Facto entre pessoas do mesmo sexo os mesmos efeitos jurídicos que os da União de Facto entre pessoas de sexo diferente, mas que por outro lado no seu art.º 7º (relativo à adopção), deixa bem claro que esta, no nosso ordenamento jurídico só é reconhecida às pessoas de "sexo diferente".

Parece-nos oportuno, quanto a este artigo, referir que, segundo o Professor Pereira Coelho, há determinados factos e efeitos que só são possíveis a casais heterossexuais [arts 1911/3 e 1871/1, al. c)], e ainda segundo o seu entendimento, a restrição continuar a fazer sentido, dizendo até que os únicos direitos que relevam são os previstos no art.º 7 da lei 7/2001, porque todos os outros são só possíveis a casais heterossexuais.

5. Conclusão

1. Ora, em face do discorrido, parece-nos pertinente referir que a questão não é se uma criança está em condições de ser adoptada por um casal homossexual, mas sim se um casal homossexual pode adoptar. Subjaz a este pensamento que a adopção é feita para dar uma família a uma criança, e não para dar uma criança a uma família.

De uma forma global, constatar-se-á que as motivações que parecem estar na base do desejo de adopção pelos casais homossexuais, estarão relacionadas com o desejo de maternidade e paternidade, advindo da impossibilidade de ter filhos ou de simplesmente estarem motivados para querer dar uma vida feliz a uma criança que a não tem. Estes, são normalmente adoptantes que não colocam restrições específicas na escolha da criança, mostrando-se abertos a receberem crianças de risco e mais problemáticas, ao contrário do que normalmente parece acontecer com a generalidade dos casais adoptantes. Esta situação estará porventura relacionada com a maior motivação que possuem para a paternidade/maternidade, aliada a uma maior resistência e confiança em enfrentar as adversidades que vão surgindo.

No caso de crianças adoptadas, registam-se algumas dificuldades acrescidas, que poderão surgir do facto de se verificar ainda, segundo nos é dado constatar, um olhar inquiridor sobre eles por parte da comunidade e algumas atitudes discriminativas acerca do facto de a criança estar ao cuidado apenas do elemento do género masculino/feminino.

Actualmente, verifica-se, que um pai singular pode sê-lo de forma tão eficaz, quanto uma mãe singular ou um casal heterossexual, assegurando ao adoptado tudo o que lhe é mais importante para o seu desenvolvimento, e de uma forma muitas vezes até mais empenhada e até mais presente do que se verificam em muitos pais biológicos, salvaguardando naturalmente maiores lacunas, a nível emocional nas crianças adoptadas, pela vivência do abandono e institucionalização que porventura viveram numa fase precoce da vida, mas que acaba por ser resolvida à medida que é dado à criança todo o afecto e carinho que lhe faltou até aqui. Podemos assim dizer queuma família onde só a mãe ou só o pai desempenham uma função educativa pode ser, e é-o em muitas circunstâncias, uma família melhor que muitas ditas tradicionais.

2. Por outro lado, sendo as uniões de homossexuais não-reprodutivas, por definição, não fará sentido – racionalmente entendido – conceder legalmente a adopção de crianças progénitas e não-progénitas a casais homossexuais.

Parece-nos óbvio que se um casal homossexual adoptar uma criança ela irá ter, no caso de os pais (ou mães) assim o entenderem, a sua escolha sexual condicionada, pois o adoptado na sua formação de personalidade pode de alguma forma, por inerência da sua vivência e educação apoiada na dos seus pais adoptantes ser levado a proceder a escolhas que não as de acordo com as suas próprias orientações.

Os homossexuais defendem-se dizendo que também os filhos de pais heterossexuais são condicionados nas suas escolhas sexuais...parece que é verdade, sem dúvida, mas é claramente, digamos, "forma de ver as coisas", é aquilo a que estamos habituados, ou seja, um homem e uma mulher amarem-se e procriarem (não na ideia de terem sexo só pela procriação e apenas para manter a "espécie"...), o que é posto em causa pelas opções homossexuais.

É indubitavelmente uma questão problemática, mas ponderando os prós e os contras, esta, parece-nos aquela que possui maior coerência, e a nossa resposta seria com toda a certeza não, alicerçando esta postura, nomeadamente no que concerne ao instituto do casamento, pois que, ao permitir-se a união de facto entre pessoas do mesmo sexo é abrir uma caixa de Pandora que eventualmente terá como resultado acabar com a própria instituição do casamento, porque sendo o casamento tudo, este passa a ser nada.

Concluindo, independentemente da nossa posição, admitimos que em face da sentença proferida pelo TEDH, parece-nos inevitável a especial atenção do Legislador e, a correspondente produção legislativa integrando estas novas formas de família, adaptando-a às novas realidades e mutações sociais.

Porto, 01 de Fevereiro de 2009

Manuel Fernando de Sousa Gomes


[1] Cfr. Acórdão TEDH no Caso SALGUEIRO DA SILVA MOUTA c. PORTUGAL,(Queixa n.º 33290/96)

[2] Medidas de Protecção das Uniões de Facto

[3] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo


Autor: Manuel Fernando Sousa Gomes


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