A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LITURGIA RELIGIOSA



A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LITURGIA RELIGIOSA – A CRIMINAÇÃO E A NORMA PENAL EM BRANCO.

Sergio Miranda Amaral[1]

Resumo - 0 artigo trata da garantia constitucional inscrita no artigo 5º, VI, da Constituição Federal e a aplicação de norma penal contida no artigo 33, da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, considerando-se o uso da bebida denominada chá Ayahuasca, na prática de liturgias religiosas..

Summary - 0 article deals with the enrolled constitutional guarantee in the article 5º, VI, of the Federal Constitution and the application of contained criminal norm in article 33, of law 11,343, 23 of August of 2006, considering the use of the called drink Ayahuasca tea, in the practical one of religious liturgies.

(Palavras chave: ayahuasca, Vegetal, Banesteriopsis caapi, Psycotria viridis, DMT-dimetiltriptamina)

(Words key: ayahuasca, Vegetable, Banesteriopsis caapi, Psycotria viridis, DMT-dimetiltriptamina).

Inspirou este estudo publicação [2] sobre caso concreto de colisão do princípio constitucional da liberdade religiosa com a aplicação da lei norte-americana (The Controlled Substances Act), que regula a importação, manufatura, distribuição e posse de substâncias psicotrópicas especificadas nas relações constantes da norma legal, inclusive mediante a identificação de tipos penais.

O writ of certiorari, ajuizado pelo governo norte-americano perante a Suprema Corte daquele país, tratava do uso indevido de substância alucinógena por seita religiosa na prática de liturgia durante a comunhão, através da ingestão de chá sacramental contendo substância psicotrópica, cujos elementos eram constitutivos de planta da região amazônica, a psychotria viridis, com efeitos potencializados por outro vegetal, a banisteriopsis caapi. Assim, é esse chá chamado AYAHUASCA.[3]

2. Tratando de questão semelhante, o Congresso do Brasil aprovou pelo decreto legislativo nº 90, de 5/12/1972, a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, realizada em Viena, na Conferência das Nações Unidas, em 21 de fevereiro de 1971[4], sendo o instrumento de ratificação depositado em 14/121973, após o que foi editado pelo Presidente da República o decreto nº 79388, de 14/03/1977, promulgando o documento internacional para que fosse executado como ele se contém, de pronto, [5] observadas reservas aos parágrafos 1 e 2 do artigo 19 e ao artigo 31.

Essa Convenção aprovou, entre outros itens, relação de substâncias psicotrópicas que estão sob absoluto controle internacional, e, em lista exaustiva,[6] expressamente distinguiu a substância DMT – DIMETILTRIPTAMINA, constando ainda desse rol, no fecho, verbis: "Os derivados e sais das substâncias inscritas nesta tabela, sempre que a sua existência seja possível, assim como todos os preparados com estas substâncias estejam associadas a outros compostos qualquer que seja a ação destes, também estão sob o mesmo controle." E, no artigo 7º, do Instrumento, ficou expressamente estabelecido que, no respeitante às substâncias inscritas nessa lista, verbis: as Partes deverão: a) proibir qualquer utilização destas substâncias (grifos nosso) exceto para fins científicos ou médicos muito limitados, e por pessoas devidamente autorizadas que trabalham em estabelecimentos médicos ou científicos que dependam diretamente dos Governos ou sejam expressamente autorizados por estes."

3.Sobre as convenções internacionais, como sabemos,as normas nelas previstas, devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, inclusive quando tratam sobre direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como atos normativos infraconstitucionais, com aplicação imediata na legislação interna. Nesse sentido, informa Alexandre de Moraes que essa visão do tema foi prestigiada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 80.004-SE, quando consagrou, entre nós, a tese – até hoje prevalecente na jurisprudência da Corte – de que existe, entre os tratados internacionais e leis internas brasileiras, mera relação de paridade normativa e que eventual precedência só ocorrerá, sempre, em face da aplicação do critério da especialidade.[7]

4. Mas, como bem anotou Valério de Oliveira Mazzuoli,[8] na Carta de 1988, infelizmente, à exceção da regra insculpida no seu artigo 5º, § 2º, sobre os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, não existe sequer uma cláusula de reconhecimento ou aceitação do direito internacional pelo nosso direito interno, como existe na Lei Fundamental alemã (Grundgesetz), que expressamente dispõe, em seu artigo 25, que as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte da legislação federal e sobrepõem-se às leis nacionais. O que existe na Constituição brasileira é um rol de princípios pelos quais o Brasil se rege em suas relações internacionais, consagrados pelo artigo 4º, bem como disposições referentes à aplicação dos tratados pelos tribunais nacionais (arts. 202, III, b, 105, III, a, 109, III e V). Mas, regra expressa de reconhecimento ou aceitação do direito internacional pelo direito interno, repita-se, à exceção dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que têm índole e nível constitucional, inexiste na Carta Brasileira.

5.Na Carta, necessário sublinhar, no capítulo das garantias fundamentais, que diz da inviolabilidade de crença, está também assegurada na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias (art. 5º VI). Vale isso dizer, sem maior dificuldade de interpretação, que essa proteção, dada pelo legislador ordinário, terá limites para não destoar do sistema constitucional, e muito menos poderá infirmar sanção decorrente da prática de ato ilegal na liturgia religiosa, eis que a lei penal não afronta a inviolabilidade da liberdade de consciência, de crença ou do livre exercício do culto religioso, quando trata da repressão ao uso de substâncias de uso proscrito e tráfico de drogas proibidas.

6.No nosso ordenamento jurídico, pois, vigora recente lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006,[9] instituidora do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas-SISNAD, que proíbe em todo o território nacional as drogas cujas substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas por órgão da União (art. 1º § único), bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas e produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, e o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso[10] (sic). Os tipos penais dessa lei especial, referidos no art.33, caput, são descritos em 18 verbos, que exprimem as formas de conduta punível e que são os núcleos do tipo, alguns permanentes, como guardar, ter em depósito, trazer consigo e expor à venda, e as demais instantâneas.

Dispõe essa norma que, para o fim criminal, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente por órgão da União.Como notam Vicente Grecco Filho e João Daniel Rossi,[11]referido dispositivo está em consonância com o disposto no art. 66. Assim, expressamente, a lei, por opção consciente, tornou os delitos de tráfico e correlatos norma penal em branco, como havia feito a lei 6.368/76, acabando com a polêmica que existia até então.

Mas, entendem esses autores, essa opção não foi a melhor, isso porque desatende o interesse social pois, v.g., se droga nova, não relacionada pela Secretaria de Vigilância Sanitária, for difundida no Brasil, a despeito das piores e mais funestas conseqüências que possa gerar para a saúde pública, causando dependência física ou psíquica, não sofrerá repressão penal em razão da sistemática mantida pelo parágrafo único do artigo 1º da lei.

7.A ayahuasca, portanto, é uma bebida ou chá produto da decocção de duas plantas: a) cipó da família malpighiaceae e do gênero e espécie Banisteriopsis caapi. b) folha de arbusto da família rubiaceae e do gênero e espécie Psycotria viridis. Os constituintes químicos do cipó Banisteriopsis caapi são derivados beta-carbolínicos (harmina, tetrahidroharmina e harmalina) e a Psycotria viridis contém N,N-dimetiltriptamina (DMT), N-metil-triptamina e metil-tetrahidro-betacarbolina. A mistura dessas plantas potencializa a ação das substancias ativas, pois o DMT é oxidado pela MAO, a qual está inibida pela harmina, acarretando um aumento nos níveis de serotonina. A substância DMT – N,N dimetiltriptamina ou (3 [2-(dimetilamino)etil]ndol é um potente alucinógeno integrante da Lista I – Substâncias Proibidas, da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e da Lista F2 – Substâncias de Uso – Psicotrópico – Psicotrópicas, da Portaria SVS nº 344/98.Deve-se observar, porém, que as plantas em questão não constam em tratados internacionais e nem na Lista E – Lista de Plantas que podem originar Substâncias Entorpecentes e/ou Psicotrópicas, da Portaria SVS/MS nº 344/98. [12] Note-se, ainda, que o IBAMA, por meio da Portaria nº 14/2001, regulamentou a extração, preservação e transporte do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psycotria viridis.[13]

8Assim, forçoso é reconhecer que a bebida Ayahuasca, também denominada Santo Daime, resultou no alcalóide NN Dimetiltriptamina, conhecido por DMT, pela cocção das supra referidas plantas, e que consta de Lista do órgão federal como potente alucinógeno, sendo, portanto, substância de Uso Proscrito (Lista F-2, da Portaria nº 344/98), o que autoriza a persecução estatal sem colisão com o princípio constitucional do livre culto e de suas liturgias no território nacional.

BIBLIOGRAFIA:-

MORAES, Alexandre – Constituição do Brasil Interpretada, edição 2004, Ed. Atlas

GRECCO FILHO, Vicente – Lei das Drogas Anotada, edição 2007, Saraiva

ROSSI, Daniel – idem supra

ALMEIDA JUNIOR – Lições de Medicina Legal, 13ª edição (1976),Ed.Nacional

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal, 1973, Editora Martins

GOMES, Geraldo Gomes – Os alucinógenos e a Jurisprudência, Ed.Juriscrédi Ltda. SP

FERREIRA, Pinto – Comentários à Constituição Brasileira, 1989, Saraiva, SP

REZEK, Francisco – Direito Internacional Público, 2008, Saraiva.




Autor: SERGIO MIRANDA AMARAL


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