O Anjo do Espelho



Peter era definitivamente um homem sonhador e mulherengo. A sua origem fora humilde, porém naquele tempo, aos vinte e cinco anos de idade, era um importante empresário e dono de muitos boticários. Gostava de dormir aos sábados ao lado de três prostitutas e em todos os domingos comemorava a vida dando uma extravagante patuscada. As orgias eram sublimes e triviais na vida deste prematuro empresário. Além disso, utilizava de muitos tipos de drogas alucinógenas em companhia de um amigo conhecido como Bond.

Peter era galante, sempre bem trajado, tinha os cabelos negros e lisos e a pele macia como veludo. O seu amigo Bond, Marcos Casagrande, seduzia qualquer mulher com o seu charme avassalador. Tinham em comum o gosto pelas mulheres. Todas elas agradavam-lhes. Adoravam tudo em uma mulher, inclusive o que lhes havia de mais esdrúxulo.

Contudo quem Peter não suportava era a sua secretária Verônica. E se ela ainda era a sua empregada seria simplesmente porque ninguém poderia lhe ser mais fiel e prestativa. Ela era uma feia figura. Num acidente automobilístico perdera a simetria do rosto. No entanto a jovem sabia se vestir muito bem e as suas vestimentas sobressaiam ao seu pequeno problema físico.

Às vezes Peter maltratava Verônica impondo-lhe a sua autoridade déspota. A moça derramava muitas lágrimas quando via sua imagem refletida no espelho, recordando-se do acidente de outrora. Ela era sensível e sua companhia era agradável, todavia poucos tinham a sorte de conhecê-la realmente. Os seus olhos castanhos refletiam tudo o que lhe havia intrínseco, a sua beleza extremada e lustrosa.

Aprender a enfrentar o mundo e as suas pérfidas barreiras é uma ação que exige força e boa conduta. Peter não sabia disso e se considerava o mestre da boa-venturança e o líder do seu espaço, não considerando a existência e o auxilio de pessoas como Verônica. Por intermédio disso necessitava de algo ou alguém que o salvasse antes que fosse tarde demais, já que a sua vida se resumia em trabalho e libertinagens.

Quem não podia mais ser salvo era Bond, que já estava definhado por dentro e era cada vez mais consumido pelas drogas e pelas mulheres. Chegou-se ao ponto em que ele vivia desfalecido sobre o soalho do seu apartamento com algumas feridas pelo corpo e ainda prostitutas levavam-lhe todo o dinheiro e alguns objetos de valor. Quando Peter avistava aquilo amaldiçoava todas as meretrizes e aconselhava o amigo a fazer orgias apenas num motel a fim de evitar apoquentações.

Numa noite convidaram sete mulheres para uma noite especial em que se comemorava vida a Marcos Casagrande. Os dois se divertiram efetivamente. As parceiras se alternavam e aquilo perdurava toda a noite. Porém ao fim da patuscada, ao amanhecer, Marcos teve algumas crises espasmódicas. Eram convulsões seguidas de uma hemorragia. Alucinado, Peter não se incomodou com o fato e adormeceu ao lado do confrade. Ao despertar se deparou com uma tragédia: o amigo já havia sangrado muito e estava desfalecido. Peter tentou acordar Bond, porém sem qualquer sucesso. Tratou logo de chamar uma ambulância ao local.

Após cinco minutos, Marcos Casagrande foi levado ao hospital mais próximo. Ele estava em coma profundo.

Na manhã após o fato todos os jornais impressos traziam o fato, muito deles em primeira página: "Empresário importante em crise de overdose". Aquilo tudo afetou Peter de tal forma que ele se sentiu responsável pelo estado do amigo. E ao avistar a jovem Verônica, sentiu um forte aperto no peito e disse-lhe:

— Tudo parece ser diferente, senhorita.

A secretária não compreendeu tais palavras e ficou emudecida.

— Saiba que tu me admiras — continuou ele. — Ou saibas que estou louco e infeliz.

O que não se sabia era que Verônica era apaixonada pelo chefe. Achava-lhe belo e com um tom clássico. Nesta ordem disse-lhe:

— Sinto muito por todo o ocorrido.

Não passou disso e o famoso empresário adentrou em seu escritório e de lá não saiu. A moça preocupou-se com Peter e todo o tempo escutava-lhe à porta, tal como uma espiã. Contudo o silêncio era eterno naquela saleta. Por isso Verônica ficara apreensiva e de quando em quando sussurrava a Deus perdão aos pecados do homem.

Ao amanhecer um novo dia, uma notícia trágica adveio, a morte de Bond. Todos os jornais trouxeram a informação em primeira página. Aquele empresário tinha um filho e deixara parte dos seus bens para ele. O restante fora deixado para uma tia que residia em São Paulo. Para Peter deixou um anel de grande valor de mercado.

Ao que se sabia, o confrade do recém-falecido havia desaparecido e a única pessoa que sabia do seu paradeiro era a senhorita Verônica. Peter sofria a morte de Marcos Casagrande não apenas por terem sido amigos, mas também pelo motivo de que ele poderia a qualquer momento adquirir o seu óbito pelo mesmo infortúnio. Sentia-se melancólico ainda por não ter uma família, nem ninguém que o apóie. Antanho chorara a morte da sua mãe, agora derrama sôfregas lágrimas pelo fim ao seu amigo e pelo seu estado deprimente.

Não percebia, contudo, que Verônica sempre o apoiara em tudo e sempre esteve ao seu lado. Ela não era somente a sua secretária, era, acima de tudo, a pessoa mais próxima de um familiar que ele tinha. Conhecia as preferências de Peter, seus desejos e seus afetos.

A moça sabia que o empresário ainda se encontrava em seu escritório e às onze horas da noite foi à procura de Peter. Considerou o caráter e o estado do homem e gritou firmemente:

— Senhor, estou aqui, abra esta porta, por favor. Estamos com problemas.

O silêncio naquele local era demasiado austero. Verônica o quebrou por breves segundos, depois tudo voltou àquela frigidez ininterrupta.

Em seguida pode-se ouvir súbitos passos que iam e vinham, eram passos simultâneos. A moça então disse com uma voz altiva:

— Saia daí, estamos todos preocupados, senhor. Não seja tolo, abra esta porta!

Como que por passe de mágica a porta se abriu. O homem estava sentado por detrás de uma mesa que ficava ao fundo da saleta e ao centro desta. Verônica não se conteve e avançou para mais perto de Peter. Os seus olhos estavam covados e a sua aparência era assustadora. A moça, impressionada, subitamente abraçou o chefe e disse quase aos sussurros:

— Como isso foi acontecer? Não se preocupe, vou ajudá-lo, irei cuidar do senhor.

E como o prometido, Verônica ajudou Peter naquela noite. Todavia ele não tinha qualquer reação, estava paralisado. O amor da jovem serviu-lhe perfeitamente e ela o levou até a sua casa. Custou a fazer com que o homem entrasse em casa dela. Ofereceu-lhe uma sopa quente, no entanto Peter recusou. Dormiu sobre um canapé e ao amanhecer recobriu a consciência de uma forma extraordinária. Não soube onde se encontrava e assustou-se ao dar de cara com Verônica. Estava fraco e inerme. Acabou por vomitar sobre o assoalho.

Em seguida, após algumas horas, a moça, sentada ao pé de uma cama, local em que jazia o chefe, cogitou tudo o que estava acontecendo e sentiu muita pena de Peter. No entanto aquele homem estava consumido por um ódio frenético. Havia aprendido arduamente a viver sozinho e a ejetar as pessoas que ousavam se aproximar.

Ao se recuperar de todo, Peter disse para Verônica que era grato por tudo o que ela havia feito, entretanto ele estava incomodado com tanto mimo e não era para ele ter saído do escritório. A moça emendou dizendo entender tudo o que se passava e que a melhor solução encontrada foi tirá-lo do seu castelo de pedra e trazê-lo para sua casa.

Após tudo aquilo o homem se foi, deixando Verônica magoada, a tal ponto que ela jurou que não mais o veria.

Aquele homem, ensimesmado e desconfiado, imaginou que a secretária estaria interessada em sua fortuna, fazendo-lhe amolecer o coração para que ele a inclua em seu testamento, como cogitava estar perto da morte.

Ao amanhecer um novo dia, Verônica encontrou o chefe trabalhando normalmente. Como sempre Peter fitou-lhe sem nada dizer, recusando qualquer ajuda ou conversa. Todavia, ao fim do expediente, o homem sentiu-se mal, ficou febril e delirava constantemente. Verônica tratou logo de chamar o médico de Peter, o Dr. Medeiros. Ele suspeitou de uma grave doença que, evidentemente, Peter contraíra há muito, pois os sintomas já haviam progredido a um grau mais avançado.

A moça ficou muito preocupada, de tal modo que fez uma promessa que desencadeou algumas dúvidas, como, por exemplo, o merecimento e a consolidação. No entanto era a vontade involuntária da senhorita.

Peter ficou internado numa clínica privada, uma das mais conceituadas do país. Verônica sempre estava ao seu lado. O homem então aprendeu a admirá-la tomando o seu belo coração como referência. Conversavam sobre tudo, inclusive sobre paixões e sexo. O senhor dizia não estar arrependido pela vida que levou, "Porque ela fora sublime, apesar dos pesares", dizia.

Ao definhar-se cada vez mais, Peter pensava em recompensar em vida a sua fiel secretária. Anunciou-lhe que ela faria uma cirurgia corretiva em sua face. Verônica recusou, porém o senhor persistiu e ela acabou cedendo.

Peter ficava o tempo todo em seu leito. Decidiu morrer ao bom ar de casa. Habitava uma mansão pomposa e agradável.

Após a operação Verônica resolveu retirar os curativos na presença daquele que lhe proporcionara tal bem. E então o homem não acreditou no que viu: uma mulher formosa e com lindos traços. E então lágrimas se despontaram dos seus olhos. Emocionado, disse:

— Você é a mulher mais linda que tive o privilégio de conhecer.

Verônica sorriu com algumas lágrimas nos olhos. Peter prosseguiu:

— Tenho-te como minha irmã querida e agora poderei morrer em paz, desejando que se apaixone e se case com um homem que mereça esse seu coração magnífico. És a partir de hoje o meu anjo, pois tens cara de anjo.

Choveu naquela noite e às cinco horas da matina, pontualmente, faleceu o senhor Peter da Silva, hostilizado por uma grave doença sexualmente transmissível. A sua fortuna fora deixada — de bom grado — à senhorita Verônica de Castro e Silva, que se casou com o pequeno e valoroso comerciante Henrique Medeiros, homem de boa estatura, forte e bondoso. Doara toda a fortuna adquirida a uma Instituição da Boa Vontade.

Por fim, Verônica vivera como todos os outros, teve momentos felizes e outros melancólicos. Entrementes vivera intensamente.

 

Ronyvaldo Barros dos Santos


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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