Domesticida



Minha capricorniana mãe era irredutível nos requisitos sine qua non para contratação de assistentes do lar (expressão hoje politicamente correta para definir as empregadinhas – ah!, os patrulheiros...): idade nunca inferior a meio século; aparência, um misto de Madame Min, Meméia e Bruxa Malvada; atributos domésticos não importavam tanto, pois o perfeccionismo de minha genitora levava-a, invariavelmente, a refazer todas as tarefas atribuídas às secretárias (ou princesas, como irônica e eufemisticamente as denominava), circunstância que me fazia conjeturar – afinal, para quê temos empregada ?

Essa inegociável obstaculização ao ingresso de domésticas mais jovens em nosso lar se devia, naturalmente, ao receio de que alguma  cabrocha  estimulasse o apetite sexual dos homens da casa; só não sei com relação a quem o receio era maior – meu pai ou eu; e prefiro morrer sem sabê-lo...

Mas sem dúvida, em minha juventude, essa intransigência de minha mãe provocou-me dolorosa frustração, já que, no colégio, o que mais ouvia eram os relatos de colegas bem mais afortunados – e audazes -, sobre as lúbricas aventuras que vivenciavam com as criadas; e nossa imaginação fértil, estimulada pela naturalmente alta dosagem de testosterona, criava logo verdadeiro sistema classificatório, quase hierárquico, das mesmas: as nordestinas; as mulatinhas dos morros do Salgueiro ou Borel; as meninas-que-vieram-de-Minas-e-mamãe-cria; as coroas (entre 30 e 35...); as filhas-da-lavadeira; as babás-de-meu-irmão-menor ... (ah!, as babás...).

Vivíamos os últimos anos da gloriosa década do cinqüenta; andávamos pelos quatorze, quinze anos, enfrentando o ancestral dilema dos adolescentes: de um lado, aderir à rígida pregação religiosa do Colégio Marista, cujos próceres nos ameaçavam com o fogo do inferno, caso incidíssemos, particularmente, no capital pecado da luxúria; de outro, cairmos na vida, adquirindo toda sorte de maus hábitos, como se dizia então: fumar às escondidas; beber um traçado no boteco da esquina, antes do baile de sábado, e, neste, ingerir os afamados cuba-libre e "hi-fi", ou, suprema glória – o whisky ; pegar bonde andando; esfregar-se (com o apoio de um muro...) nas menininhas de laquê, perfume da Avon e saia balão; e, suma sumorum, as mais graves das faltas, pelas quais arderíamos por todo o sempre nas caldeiras de Satanás: praticar o vício solitário...e ir à zona! Coisas de fazer corar um frade de pedra (naqueles idos...) e, certamente, de matar de rir a desenvolta juventude cibernética dos anos noventa...

Mas as domésticas...Sim, sim – aos domingos à tarde, naturalmente, comendo pipocas, churros, algodão doce e cachorro-quente, num trecho democrática e espontaneamente bem delimitado da Praça Saeñz Peña, afastado da Confeitaria Tijuca e da La Bella Italia, freqüentadas pela jeunesse dorée que saía dos cinemas Metro, Carioca, Olinda, América, Tijuquinha e Art-Palácio, ou da Missa das seis ( a da paquera) em Santo Afonso ou Sagrados Corações, mas, farisaicamente, não deixava de pregar os olhos nos bum-buns arrebitados  das cobiçadas caboclas...

Pois foi quando Aparecida – ah!  Cida... – cruzou minha existência. Filha de Libória (aliás, Dona Libória ), nossa empregada havia quatro ou cinco anos, capixaba, fiel preenchedora dos requisitos estipulados por minha mãe, mas, graças a Deus, excelente cozinheira.

Era segunda-feira de Pascoela – seguinte ao Domingo de Páscoa – e, ao menos naquele tempo, não havia aulas em colégios religiosos, nessa data. Sábia Santa Madre Igreja...

Todavia, trabalhava-se na pequena empresa de meu pai e na escola onde minha mãe lecionava, pelo que fiquei sozinho, dormindo até mais tarde, digerindo a miríade de ovos de páscoa que havia ingerido na véspera, e que ameaçavam provocar-me autêntica revolução intestina.

Como de costume, Libória apanharia a chave no apartamento vizinho. Edifício antigo, em rua tranqüila, próxima à Saeñz Peña. Como centenas de outros no Rio de Janeiro, fora construído por família de portugueses, que ocupava um dos apartamentos e alugava os outros sete – dois por andar, quatro pavimentos, nada de pilotis ou elevadores, os de nº 101 e 102 eram no térreo, mesmo. Corredores largos, escadarias de mármore, portões imensos de ferro batido e vidro, uma agradável penumbra, pé-direito altíssimo, amenizando o calor, jardins, nichos com azulejos pintados em motivos lusitanos. Cômodos imensos, duas salas e três quartos, jardins de inverno, banheiros e copa-cozinha enormes, lustres de cristal, armários por toda parte...bons tempos ! E os portugueses lá continuam, na terceira ou quarta geração – jamais venderam um só daqueles apartamentos; freqüentemente os jornais divulgam anúncios de seu aluguel.

Mas...ah, as surpresas do destino! Eis que toca a campainha – já pela quarta ou quinta vez, soube-o depois – retirando-me de agradabilíssimo sonho erótico, talvez com Lollobrigida, Anita Ekberg, Elke Sommer, Marisa Mell, Virna Lisi, Claudia Cardinale ou "la Bardot"- as musas da época – e por certo motivado pela leitura furtiva, à noite, de duas ou três amarelecidas historinhas da afamada Coleção Os Gozadores, do imortal Carlos Zéfiro...

Levanto-me estremunhado; uso o grande lançamento da época – o "pijama de verão" – em tecido bem leve, com paletó de meia manga e calças curtas; estas, por muito justas, em face das sucessivas lavagens, irremediavelmente denunciam o tipo de dimensão onírica em que me encontro. Certo de que se trata de Libória, sequer uso o olho mágico. Abro a porta num repelão e...deparo-me com Cida !

Claro que a conhecia. Três anos antes, ou pouco mais, a mãe a levara como auxiliar, num desses aniversários de família. Mas...puxa! Como cresceu !

_ "Mamãe foi no Posto de Saúde, tá com febre, mandou eu vir no lugar..."

Miro-a com olhar pidão, já antevendo uma orgia romana, à la Bocaccio: os cabelos curtos bem alisados a ferro quente e brilhantina Glostora; o vestido vai até quase os tornozelos, decote discreto, mangas curtas; o tecido é "Mamãe Dolores", da interminável novela "O Direito de Nascer"- fundo preto, milhões de pequenas flores coloridas; nos pés, evidentemente, alpargatas Roda, tipo mocassim, vermelhas, solado de cânhamo; a tiracolo, um bolsão de fibra, desses de feira, atopetado de coisas que não distingo bem, salvo o cabo de um surrado guarda-chuva dobrável.

Ela cheira a Coty, talvez Mirurgya; nas orelhas furadas, pequeninos brincos de ouro esféricos; corrente e pulseira muito finas, sem pingentes, combinando, com aparência típica de terem sido presentes de recém-nascida; no anular da mão esquerda, um anelzinho de coração de plástico, sem dúvida alguma brinde das Balas Ruth.

Ela não é negra, como a mãe, mas mulata clara, como o pai; tem olhos também claros, nariz afilado, lábios grossos sapecados de batom vermelho; como típico de sua raça, a dentadura é perfeita; mas o que me atrai mesmo são os seios fartos e rijos, a cintura fina, e, naturalmente...o derrière ! Que ancas ! Que quadris ! Que b**** !!!

Devoro-a com os olhos; sou dois ou três dedos mais alto que ela, que parece entender minha gula; penso vê-la baixar os olhos em direção à minha denunciante região pubiana, e sorrir, maliciosa; ela anda pelos dezessete anos e, sem dúvida, é bem mais experiente do que eu, que, aos quatorze...ainda sou virgem !

Ela entra e se dirige ao banheiro de empregada, paralelo ao quarto, mas dele separado. Internamente há uma parede divisória, com pouco mais de dois metros de altura, e, daí para cima, cerâmica vazada, para melhorar a ventilação. Esses construtores portugueses...

O quarto é entulhado de objetos os mais variados, menos cama e guarda-roupa, pois a última coisa que minha mãe admitiria seria uma doméstica-que-dorme-na-casa. Dou alguns segundos de vantagem a Cida, entro no quarto, encarapito-me na velha máquina de costura Singer e, através da cerâmica, vejo o espelho do armário do banheiro, que reflete a imagem da mulata trocando de roupa.

Suo frio, mãos e pés tremem, algo lateja em meu baixo-ventre, enquanto observo aquele strip-tease involuntário; ela usa uma anágua, que escorrega por suas pernas abaixo, deixando à mostra uma calcinha de algodão, rústica, nada sensual, mas aparentemente um pouco mais avançada do que os insossos "calções" da época; o soutien também é um tanto "pesado", na mesma cor da calcinha; mas a ousadia não era ainda, naqueles tempos conservadores, um dos atributos dos designers de peças íntimas, pelo que até mesmo a visão dos medievais instrumentos de tortura, anunciados pela Cinta Elegante nos bondes, provocava excitação. E que excitação !

Cida veste uma já curtíssima – por idade e encolhimento – saia azul meio plissada, herança da escola pública que a custo terminou, e uma camisa de abotoar, meio aperolada, translúcida, com bordados de flores, cujas pétalas ovais são pequeninos furos; amarra-a na altura do umbigo e começa a tirar da bolsa os tamancos de madeira; saio de fininho, sem saber ao certo se  pequei contra a castidade.

Daí para a frente, a toda hora arranjo um pretexto para ir à cozinha, onde ela prepara o almoço, ouvindo a Rádio Nacional num radinho de pilha Spica, de cujo alto-falante sai mais estática do que música. Vou à sala, ligo o "hi-fi" à toda, na Tamoio, e a casa se enche com as vozes dos The Brothers Four, cantando Greenfields. Cida grita da cozinha, pedindo-me para abaixar o som, e eu começo a achar que minhas intenções românticas vão ficar só mesmo nas intenções.

Sento-me em minha cama, folheio os livros do F. T. D., há trabalhos de casa a realizar. Bobagem...Abro ao acaso o livro de Religião, e deparo-me com um horrendo bico-de-pena renascentista, retratando Lúcifer, com suas imensas asas negras, braços abertos em minha direção. Fecho rapidamente o livro; pego o de Álgebra, e as letras "X" e  "Y" me sugerem outro tipo de vértice. Latim, talvez – nominativo, genitivo, ablativo...rosa, rosae, rosarum...Cida, Cidae, Cidarum...

Olho o relógio-cuco no corredor. Dez e meia. Às doze e trinta, em ponto, meus pais chegam para almoçar. Tempus fugit! Da janela, vejo Abdala, o mascate, com sua mala marrom de fibra, querendo nos empurrar algum "folheado-ôro", ou cobrar "ô prêstaçón" . Melhor descer, enquanto ele passa no apartamento dos donos do prédio, e ir à quitanda, buscar umas tangerinas; ou comprar pião e fieira, que o meu rachou; ou umas bolas de gude, "olhinho" e "olhão"; ou taquara, papel fino e linha rococó, para fazer uma pipa. Mas enquanto penso em fugir do turco, ouço abrir-se a porta do banheiro, em frente à do meu quarto – é Cida que vem lavá-lo, carregando baldes, vassourinha, sabão U. F. E., água sanitária Super Globo e outros apetrechos, anunciando sua presença pelo toc-toc dos tamancos no assoalho que, à tarde, irá encerar, sem dúvida com Parquetina.

Ela abre totalmente as torneiras da banheira, do chuveiro e do lavatório; numa delas, enche o balde e – splash! – inunda o piso de pastilhinhas hexagonais, derrama nele um bocado de água sanitária, coloca um pedaço de sabão português sob a vassoura e começa a esfregar o chão. A saia já curta fica um pouco presa entre suas pernas, concedendo-me a graça da visão de um bom pedaço de suas coxas morenas e rijas, e de uma nesga da calcinha. Ainda estou com o pijama de verão, cuja calça justa e curta começa a denunciar de novo meu estado de excitação.

O rádio Spica anuncia as vantagens dos crediários da Esplanada – "nome, endereço e mais nada" – e da Exposição,  e emenda com o jingle da Mil Autopeças, velha conhecida nossa, tantas foram as peças que ali compramos para nosso Ford inglês – "Motorista, de ônibus, de praça / Particular, ou lotação / Respeite o sinal / Não ande em contramão.../ E salve o motorista do Brasil / Tá-rá-tá-rá.../ Que é freguês da Mil...".

_ "Cê quer usar o banheiro?" – ela me pergunta, com um sorriso maroto.

_ "Não, não...só estou..." e não consigo mais inventar qualquer desculpa para estar ali, porque ela sabe exatamente os porquês...

Ela se ajoelha, de costas para mim, e começa a esfregar o piso do box. A saia curta sobe ainda mais. As pernas estão ligeiramente entreabertas, deixando à mostra as coxas grossas e rijas. Os tamancos ameaçam cair de seus pés; ela encolhe os artelhos, puxando aquele calçado rústico mais para junto da sola dos pés, e, voluntariamente ou não, contrai a parte posterior dos joelhos, o que provoca uma sensual oscilação de todo o corpo, da cintura para baixo. Sinto que algo dentro de mim está prestes a explodir. Permaneço estático, junto à soleira da porta do banheiro, a perna direita genufletida, tentando ver mais ainda do que já estou vendo. Inconscientemente, minha mão esquerda se apóia sobre minha virilha esquerda e busca os botões da braguilha da calça do pijama, mas pára antes de alcançá-los. Agora, Cida está limpando o ralo do box. Com a mão direita, tenta tirar algo de seu interior, e, ao fazê-lo, inclina-se mais para a frente. Um pedaço da calcinha branca fica à mostra, permitindo-me ver que um chumaço de cabelos pretos escapa de sua borda, em direção à virilha. Tenho ímpetos de voar sobre ela, mas tudo foi obra de frações de segundos. Quase de imediato, Cida se levanta, junta num pedaço de papel higiênico as sujeiras que tirou do ralo, joga tudo numa pá de lixo, lava vigorosamente as mãos e ajeita o lenço colocado sobre os cabelos, que estava prestes a cair.

_  "Quê 'cê 'tá olhando aí ? Não tem que fazer lição de casa, não, é ?"

_ "Não, já fiz...", respondo, meio encabulado, meio engasgado, tentando esconder, com as mãos e um desajeitado jogo de pernas, o volume denunciante abaixo de minha cintura.

Ela começa a esfregar as paredes. Sobe no bidê,  para alcançar os azulejos mais altos, e eu sento no chão do corredor, para olhar sob sua saia. Ela desce e, de cócoras, começa a esfregar os azulejos mais baixos. Em certo ponto fica de frente para mim. Agora, a visão é total, ampla, geral e irrestrita, como a anistia. O "V" branco da calcinha está diante de meus olhos, volumoso, provocando-me, mostrando ainda mais chumaços de cabelos pretos. Ela olha para mim, rindo. Sabe o que está se passando:

_ "Quer ver cineminha grátis, é ?"

Era a deixa. Respondo trêmulo, cheio de culpas e medos, suado, nervoso, delirante:

_ "Quero, sim...e você, também quer ?"- e conscientemente ou não, também de cócoras, entreabro minhas pernas, já cobertas de pêlos, para que ela veja o estado em que me encontro.

Ela pára de esfregar. Enxuga as mãos na barra da saia. Sempre rindo, vem em minha direção. Deixo que ela se aproxime. Sua mão direita pousa sobre meu joelho esquerdo, suavemente, depois vai progredindo pela coxa, até tocar minha virilha. A outra mão faz movimento simétrico. Ela avança sobre mim vagarosamente. Vejo sua boca vermelha, entreaberta, crescer em minha direção, com um sorriso diabólico. Suas duas mãos estão agora sobre minha cintura. Ela começa a desabotoar a calça do pijama, bem devagar. Desajeitado, coloco minhas mãos sobre seus seios. Ela sussurra em meu ouvido:

_ "Desabotoa a minha blusa..."

Obedeço instantaneamente, com tanta sofreguidão, que quase arranco os botões. Ela murmura:

_ "Calma...Vai devagar...'Cê nunca esteve com mulher, não, é ?"

Sinto que ela puxa para baixo a calça do pijama, que fica meio presa na altura dos joelhos. Ela força um pouco, mexo as pernas para facilitar a despida. A calça sai, fico só de cuecas – samba canção -  e o paletó do pijama.

Tiro totalmente a blusa de Cida. Ela encosta os seios em meu rosto, solta os colchetes do soutien, abaixa as alças, tira-o de uma vez e joga-o no corredor. Seus dois seios duros e empinados surgem diante de meus olhos. Os bicos estão pontudos, são arroxeados. Ela puxa meu rosto para junto de um deles e, já excitada, fala, meio trêmula:

_ "Beija gostoso, beija..."

De repente, ela me abraça com força. Sua mão direita penetra na abertura da cueca, segura suavemente meu sexo, larga-o, abre os botões, arria a peça, joga-a no corredor e volta a segurar o sexo...Estou extasiado, mordo os bicos de seus seios, ela começa a ofegar e a gemer. Empurra-me para trás, coloca sua boca sobre a minha, beija-me com fúria, toca com a língua meu céu da boca. Por um instante, sinto uma certa repelência, nunca fiz aquilo, mas logo a imito, e introduzo minha língua em sua boca. Ela aperta meu sexo com mais força e começa a arregaçar meu prepúcio. Sinto que não vou resistir por muito tempo. mas ela pára e me pede:

_ "Tira minha calcinha..."

Já completamente alucinado, enfio as mãos pelas bordas da pecinha branca e começo a arriá-la.

_ "Devagar, benzinho..." – ela quase suplica.

Vou descendo a calcinha pelas coxas de Cida. Ela fica travada na altura dos joelhos, mas a mulata, com um excitante jogo de pernas, acaba de tirá-la e puxa minha mão para cima de seu sexo. É a primeira vez que toco um sexo feminino. Procuro a abertura, ela guia meus dedos. Acho-a, está úmida, muito úmida. Suavemente, ela faz com que meu dedo ali penetre, aos poucos, até encostar na palma de minha mão. E começa a movimentar o corpo para cima e para baixo, bem devagar, segurando firme minha mão, enquanto o dedo entra e sai. Ela geme:

 _ "Assim, assim, benzinho...Uhhh...que gostoso..."

De repente ela pára e começa a me beijar o pescoço, o peito, os mamilos, e vai descendo, coloca a ponta da língua em meu umbigo, chega às virilhas. Pressinto o que vai acontecer. Com as pontas dos dedos da mão esquerda, ela me faz uma suave carícia na parte de trás dos testículos. Já quase não tenho mais forças para resistir. Sua mão direita enlaça com força a base de meu sexo, já todo arregaçado, e ela o manipula para cima e para baixo. E quando menos espero, seus lábios tocam minha glande já inchada, a princípio só resvalam, depois a mordiscam de leve, até que todo o membro entra em sua boca, e ela o suga com sofreguidão. Não resisto:

_ "Cida, pára, vou gozar, não agüento mais..."

Ela interrompe o fellacio, abre minhas pernas totalmente, ajoelha-se sobre mim e, com uma das mãos, guia meu membro para dentro dela. Penetro-a totalmente, de uma só vez.

A primeira penetração ninguém esquece. É maravilhoso entrar naquele sexo úmido, quente, apertado. A ejaculação é instantânea. Parece-me tê-la inundado. Correntes elétricas percorrem todo o meu corpo. Sinto espasmos, quase convulsões. Penso em desmaiar. Vou ao céu. E Cida ali sobre mim, subindo e descendo, eu já quase prostrado, quando ela joga o tórax para trás, crava as unhas nos meus quadris, treme violentamente e grita, gozando:

_ "Ahhhh..."

Lentamente ela se inclina sobre mim. Estou deitado de costas; da cintura para cima, no corredor; dela para baixo, no banheiro, em cujo chão frio se apóia parte de minhas nádegas. Cida deita o tronco sobre o meu, aninha a cabeça em meu ombro direito, passa seus braços sob minhas axilas, enlaça-me forte e sussurra:

_ "Fica assim...Não tira, não..."- porque nossos sexos ainda estão unidos, e ela continua a mover os quadris, agora bem devagar, para cima e para baixo, ajudada por minhas mãos, que apertam fortemente suas nádegas.

Cida rescende a Leite de Rosas, seu hálito é de drops de hortelã. Mas pela primeira vez sinto um forte cheiro de sexo que se desprende dela, tão grande é a dosagem de seus hormônios. Entre excitado e assustado, relaxo em seus braços.

Só então me dou conta de que todas as torneiras ainda estão abertas. Pelo menos as tampas dos ralos não foram colocadas, o que impediu uma inundação. Mas é inevitável que uma boa quantidade de água se derrame pelo banheiro. Parte dela atinge minhas coxas, provocando uma estranha sensação de frio. Faço menção de que nos levantemos. Sem sair de cima de mim, ela estica um braço para o corredor e alcança um rolo de papel higiênico, ainda fechado. Sei lá porque, leio e memorizo para sempre a marca – Tico-tico. Habilmente, ela retira o invólucro, enrola um pedaço na mão, leva-o até nossos sexos, e, com delicadeza e jeito, retira suavemente de dentro dela meu membro já flácido, e executa uma operação de limpeza mútua, para mim curiosa, se não excitante...

Ouço a batida singela do cuco. Meu Deus ! Serão onze e meia ou meio dia e meia ?

Desvencilhamo-nos rapidamente um do outro. Ela fecha as torneiras, enrola-se em uma toalha, recolhe rapidamente suas roupas caídas no corredor e corre para o banheiro de empregada, cuja porta fecha com estrépito.

Baixa o nível de adrenalina no sangue, começo a me dar conta do que efetivamente ocorrera, e sou assaltado por uma série de temores: e se minha mãe souber ? E se a mãe dela souber ? E se ela engravidar ? E se ela me passou doença ?

A idéia de ter contraído uma doença venérea me coloca em pânico. Lembro-me do que aprendi na rua, no colégio e no famoso livro "Nossa Vida Sexual", de Fritz Khan, lido às escondidas. Tiro o paletó do pijama, entro no chuveiro e, com água morna e sabão, faço a maior assepsia de toda a minha vida. Lembro-me de um colega mais "saído" , que dizia pingar algumas gotas de água de barba na uretra, para evitar doenças. Olho a Água de Colônia Regina, a Acqua Velva, fico tentado, mas falta coragem...

Às doze e trinta e sete em ponto, meus pais chegam. O almoço é na cozinha. A refeição mais desagradável de minha vida. Não consigo levantar os olhos da mesa, enquanto Cida nos serve. Aliás, para minha surpresa, parece que nada houve com ela. Tranqüila, sorridente...E eu louco para que passassem os tais três dias em que, segundo amigos mais versados nessas coisas , a doença apareceria...

Mas de noite, os hormônios novamente em alta, a lembrança daquela manhã volta com toda a força. Um pesadelo erótico me assalta durante o sono, envolvendo Cida, histórias de Carlos Zéfiro, um demônio gargalhando debochadamente, Cida de novo, o livro do Dr Fritz Khan, o médico da família pingando água de colônia em meu membro, Cida mais uma vez, o padre de nossa paróquia, de dedo em riste para mim, prometendo-me o fogo do Inferno, e Cida, Cida, Cida...e acordo no momento exato da polução noturna que me alivia...

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Nunca mais Cida voltou ao apartamento da Tijuca. Não engravidou de mim. Não me transmitiu qualquer doença. E penso que nem minha mãe nem Libória jamais souberam que, numa segunda-feira de Pascoela, eu fora desvirginado em grande estilo !!!

Mudamo-nos para outra rua da Tijuca, para um apartamento agora adquirido por meus pais, à custa de imensos sacrifícios. Libória não nos acompanhou, sei lá porquê. À medida que crescia, mais me ria dos temores que povoaram minha mente, durante algumas semanas, depois daquela aventura. A lembrança de Cida jamais se apagou. Às vezes sentia uma pontinha de saudade, e, esperançoso, sonhava revê-la, reencontrá-la na rua...e quantas vezes, quando a sorte não me sorria, voltava ao vício solitário – agora sem culpas – pensando, evidentemente, em minha competente iniciadora...

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Três décadas e meia transcorrem. Beiro os cinqüenta. Idade do lobo – corre atrás da Chapeuzinho o dia inteiro, mas acaba mesmo com a vovozinha...Ou do condor – "com dor aqui, com dor ali..."

Esposa na menopausa, ao invés de sentir fogachos, entra em depressão. Fico na abstinência...Os filhos não precisam mais de mim, exceto para lhes dar dinheiro e emprestar o carro. A TV a cabo começa a ficar repetitiva. O estoque de vídeos da locadora mais próxima não se renova...Quero usar o micro, os filhos estão na Internet...Resolvo estudar ! Ora, vejam só !

Estimulado por amigos em situação parecida, consigo ingressar em uma Faculdade noturna, sem prestar exame vestibular – tenho títulos e créditos suficientes para a matrícula.

O começo é estranho. Nada do rigor do Colégio Marista. Professores faltam, alunos entram e saem das salas de aula sem qualquer cerimônia, tudo muito à vontade. Bem diferente dos ruidosos e rebeldes anos sessenta, quando me graduei na Federal ! Ali, era política o tempo todo; mas havia seriedade nos estudos. Agora, parece-me ver a alienação em todos os sentidos. Ou será porque envelheci ? Afinal, mudaria o mundo ou mudei eu ?  (Perdão, Machado...).

A visão do  mulherio de jeans ou shorts, camisetas, cabelos tipo "curly-hair", vai reacendendo velhos instintos. "Ainda há fogo sob as cinzas", penso. Arrisco uma abordagem a uma Patricinha que me pede auxílio numa matéria qualquer. A resposta é uma ducha de água fria:

_ "O senhor...(o simples uso dessa forma de tratamento já me desestimula) ...não é o pai da Fulana ?" (E sou, mesmo...)

­ _ "Ela é minha colega no inglês, o sr me deu carona um dia, lembra ?"

 Respondo  amarelamente que sim, é claro...e abandono a efêmera esperança que me assaltara...

Outra é mais audaciosa. Nem chego a abordá-la. Aproxima-se de mim, fichário sob o braço, uma camiseta com um dito jocoso qualquer, sacudindo os longos cabelos, mascando chicletes :

_ "Você...(Melhorou !)...não é o pai do Beltrano ? (E sou, mesmo...)

_ "Ah...Reconheci pela camisa ! Ele usa uma igual, não é? É americana?"

E assim fico sabendo que meu filho assaltou  meu guarda-roupa, apossou-se de minha camisa australiana, e – cúmulo dos cúmulos – pelo sorriso da cocota , eu é que passei por ter assaltado o guarda-roupa dele ! E respondo, mais uma vez sem jeito, que "não, é australiana, nós compramos duas iguais..." Ela diz que "ah, tá legal, a gente se vê, tá? Dá um beijo no Beltrano..."  E cai nos braços de um garotão, tipo Hércules de praia,  com uma camiseta que indica ser praticante de jiu-jitsu. E eu reflito o quanto estou ultrapassado...

Mas hoje não terei a primeira aula. Por uma hora estarei livre. Dirijo-me então à área de lazer, que ainda não conheço, onde descubro simpática lanchonete. O calor é intenso, preciso de uma coca-cola.

Dirijo-me ao caixa. Surpresa. Aqui se vendem cervejas em lata. Importadas ! Isso seria impensável há poucos anos. Cerveja na Faculdade !

  "Em Roma, como os romanos", penso. E peço uma Heineken. Recebo a ficha, dirijo-me ao balcão. Não há mais ninguém a meu lado. A atendente vem em minha direção. Ela é mulata clara. Os lábios são grossos. O nariz, afilado. Começo a imaginar que conheço aquele rosto. Ela se aproxima, olha-me com curiosidade, parece reconhecer-me também. Sinto o estômago gelar. O cabelo está mais longo, e muito mais liso. Os brincos são mais refinados. Os seios, ainda fartos, já não são tão duros. Um pouco mais gorda, é certo. Mas a marca inconfundível está no derrière. Que ancas ! Que quadris ! Que b****!!!

"Cida!" – quase grito, inconscientemente, perplexo. Ela responde, identificando-me:

_ "Sêo..."

Durante alguns segundos, ficamos emudecidos, sem sabermos o que dizer. Miro-a com mais vagar. A saia vermelha, justa, de bom tecido, vai até um pouco acima dos joelhos, deixando à mostra o mesmo belo par de pernas, e realçando suas formas. Ela veste um jaleco branco, com o nome da lanchonete bordado sobre o bolso superior esquerdo. O decote é discreto, mas deixa entrever o colo gracioso e uma pequena porção dos seios. Ela usa uma corrente de ouro com vários pingentes. Forço a vista – são bonequinhos que indicam sua prole – dois meninos, duas meninas. Êta, velha Cida...

Por fim rompemos o silêncio, a princípio timidamente, depois com mais desenvoltura. Narro-lhe minha vida, desde a saída do velho apartamento da Tijuca. Evito comentar nossa aventura. Ela me ouve com atenção. Penso vê-la ofegar um pouco, os seios subindo e descendo sob o jaleco. Seus olhos se umidecem, quando pergunto por Libória; conta-me que a mãe faleceu há alguns anos. A lata de cerveja Heineken se esvazia rapidamente. Amasso-a, entrego a Cida parte do troco, que não havia guardado, e peço outra. Ela dá o dinheiro ao caixa e me traz mais uma latinha. Acendo o terceiro cigarro desde que começamos a conversar. Ela arrisca:

_ "O Sr não mudou nada...só os cabelos que estão mais branquinhos...E mais gordo, né ? Ah, isso está..."

Rio, pensando nos mais de dez quilos que adquiri desde aquele tempo. Ela se desinibe e fala de sua vida. Viúva do primeiro casamento – casou-se aos dezenove, com alguém a quem já namorava, quando  transamos, atravessados na soleira da porta do banheiro. Separou-se do segundo marido – "só de boca, no papel, não"- e agora tem um cacho. Um cinqüentão, casado, que a visita de vez em quando. Mora em Irajá. Os quatro bonequinhos não representam seus filhos, mas netos. Filhos, só dois – "um casal"- do primeiro casamento. Fez de tudo um pouco: manicure, costureira, cabeleireira, balconista, doceira, doméstica...Um dia juntou uma grana, com auxílio dos filhos – "o Zeca é sargento bombeiro, a Kelly casou bem, agora é sacoleira, me traz cada coisa do Paraguai..."-  e alugou o ponto da lanchonete na Faculdade. A casinha em Irajá foi comprada pelo primeiro marido e ficou para ela – "é bonitinha, fica numa vila, o Sr precisa aparecer lá, de vez em quando tem pagode, eu faço uma feijoada..."

Lembro-me dos dotes culinários de Libória. Sem dúvida, Cida  deve tê-los herdado. Quem diria...Cida virou microempresária...

Sem me dar conta, esvaziei a segunda latinha, que também já amassei. Alguém chega ao balcão, pede um sanduíche...Ela me pede licença, vai atender ao freguês, pede-me para não ir embora. Acendo mais um cigarro e fico a observá-la, agora de costas para mim, passando um hambúrguer na chapa. Sem querer entro na máquina do tempo. Um turbilhão de imagens antigas me vem à mente, enquanto miro gulosamente aqueles quadris, aquela cintura ainda relativamente fina, aquelas pernas grossas...Sinto que algo em meu baixo-ventre se agita. Rio com meus botões – "só faltava essa...a freqüência tem sido de uma vez por quinzena...e com muita catuaba..."

Ela entrega o sanduíche a meu vizinho de balcão. Volta ao interior da loja e vem de lá trazendo mais uma latinha de Heineken. Imagino que se destina ao outro freguês, mas não; ela se aproxima de mim, coloca a lata em minhas mãos e diz suavemente:

_ "Essa é por conta da casa...P'rá lembrar os bons tempos..."

Minha excitação aumenta. Encosto-me no balcão, para esconder o volume que aparece sob minha calça. Com suas mãos ela havia segurado as minhas suavemente, e assim permanecemos por alguns instantes, fitando-nos mútua e silenciosamente.

_ "Me dá um cigarro ?" -  ela quase suplica.

Atendo ao pedido. Acendo-lhe o cigarro. Ela protege com as mãos a chama do isqueiro que ofereço, e, ao fazê-lo, comprime suavemente meus dedos. E dentro de mim  renasce um garoto virgem, de quatorze anos, extasiado com sua primeira incursão  a um corpo de mulher.

_ "Sabe, aqui é bom, mas duro é voltar de ônibus, de noite, lá para o Irajá...Já fui assaltada duas vezes...Às vezes tem uma carona, mas é difícil..." – e sorri, maliciosamente...

Ela se afasta um pouco. Percebe que está me seduzindo de novo, trinta e cinco anos depois. Tira uma baforada longa, lenta e sensual. Toma a latinha de minhas mãos – "me dá um gole..."- e me pergunta baixinho, esquecendo o tratamento de "senhor":

_ "Você ainda gosta de lavar banheiro ?"

Era a deixa. Foi demais para mim. Vivo agora uma dicotomia, dentro de mim: de um lado, o adolescente ansioso, destilando testosterona pelos ouvidos, ou, como se dizia então, matando cachorro a grito. De outro, o quase cinqüentão, vivido, experimentado, sofrido, passado na casca do alho...

Olho o relógio. Calculo o tempo de que disponho. Um telefonema para casa será providencial, avisando que um trabalho de grupo me reterá na Faculdade até mais tarde. Lembro-me do motel próximo, recém-inaugurado, ou, quem sabe, uma casinha de vila em Irajá...

O carro está estacionado numa rua transversal, a trezentos metros dali. Tenho cheques, dinheiro e cartão de crédito. São sete e quarenta. Perder aulas não é mais problema para mim. Olho o cartaz afixado na parede da lanchonete, dando conta de que às oito ela fecha. Sorrio. Não é a primeira vez que pulo a cerca. Mas sempre acreditei que o bom marido não é o que não pula a cerca, mas o que pula sem fazer barulho...Estamos em silêncio, fitando profundamente um ao outro.  

A lembrança de Cida sobre mim, nós dois atravessados na soleira da porta do banheiro, me vem com toda a força. A mão direita dela está sobre o balcão, quase tocando a minha. Não mais hesitante como há trinta e cinco anos, seguro-a com vigor. Ela treme. Inclino-me sobre o balcão, aproximo meu rosto do dela. Ela rescende a Leite de Rosas, como naquela manhã. Excito-me mais e falo baixinho em seu ouvido:

_ "Te pego às oito e quinze..."

= FIM =


Autor: Gil Ferreira


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