Enquanto lá no palco cantava a iniciante artista, no balcão ele tomava o seu uísque com guaraná. Não podiam faltar as três pedras de gelo. A garoa fina marcava o chão sujo da rua que não era limpa. Lixos pelas calçadas, cidade abandonada. Lá dentro o som alto embriagava os devotos que todo final de semana faziam questão de apreciar ao espetáculo. Eram como esses fiéis de cultos e missas. Fiéis como torcedores insanos. Loucos pelo seu time de futebol. Demonstravam sua fé. Devoção ao álcool, à boemia.

            Pela rua desciam bombeiros, móveis, seres humanos levados pela enxurrada. Ônibus parado. Carros realizam buzinaço. Mulheres e crianças nos telhados apreciando suas casas serem tomadas pela fúria da água. Lá dentro, no copo, o gelo transforma-se em água. O indicador gira a última pedra que insiste em se manter em estado sólido. No palco a cantora dá lugar à garota que se exibe tirando suas roupas, pronta a ficar nua. A cada dia um guarda-roupa. Uma variedade de vestes. Lá fora as pessoas tentam salvar suas poucas peças de roupas engolidas pela água.

            Quando o Sol nasce, as garotas repousam, dormem em seus confortáveis quartos. No leito de um hospital tenta cochilar a mulher vítima de leptospirose. Do final do show abre a porta aquele homem com ares de cansado, vítima do cigarro, da bebida e da noite não dormida. Lá fora as últimas macas socorrem os feridos com seus rostos deformados, estragados pelo lamento daquela vida.

            Enquanto o homem do bar sai ansiando pelo próximo espetáculo, o pai reza para a próxima enchente não acontecer. Ambos possuem fé!


Autor: Sergio Sant'Anna


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