Aspectos Neuropsicológicos da Epilepsia do Lobo Temporal na Infância



A epilepsia do lobo temporal (ELT) é uma al­teração neurológica, com ativação da área do córtex temporal, com repercussões de ordem neuropsico­lógica importantes a serem consideradas na prática clínica, especialmente quando ocorre na infância, repercutindo, principalmente em alterações de lin­guagem e memória.

As crianças com ELT podem manifestar dis­túrbios de comportamento e problemas de apren­dizagem escolar, mesmo na ausência de déficit cog­nitivo global. Há alta freqüência de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, déficits de me­mória e comprometimentos de funções neuropsico­lógicas como atenção, linguagem, praxia construtiva e funções executivas1.

A epilepsia do lobo temporal (ELT) abrange entre 10 e 20% dos casos da epilepsia intratável em pacientes pediátricos. A esclerose temporal mesial (EMT) pode ser encontrada em pacientes adoles­centes, sendo rara em crianças abaixo dos 5 anos de idade e envolve diversos aspectos, neuropsicológicos, cirúrgicos, sociais e psicológicos.

A ELT é uma síndrome, que pode ter alta prevalência e freqüente refratariedade ao tratamen­to medicamentoso. Seu início ocorre habitualmente na vida adulta, mas pode ocorrer um evento inicial, também, na infância. Em geral, a ELT se caracteriza por crises parciais simples e complexas recorrentes. Crises com generalização secundária (crises tônico-clônicas) são menos freqüentes. Os principais sinto­mas são gerados predominantemente pelo acometi­mento de estruturas mesiais do lobo temporal (forma mais comum de ELT). A ELT cursa freqüentemente com alterações eletroencefalográficas (EEG), apesar destes indivíduos geralmente terem exame neuroló­gico normal, exceto pelo déficit de memória recente, observado na maioria dos indivíduos não-contro­lados. Quanto aos exames de neuroimagem, como Ressonância Magnética (RM) e Tomografia compu­tadorizada por emissão de fóton único (Single Photon Emission Computed Tomography – SPECT) estes podem ser normais ou evidenciar alterações. A avaliação neuropsicológica geralmente evidencia uma disfun­ção da memória verbal ou não-verbal ("espacial"), ou de ambas. Outro aspecto comum naqueles com ELT é a história familiar de epilepsia e antecedente de convulsão febril prolongada na infância. Existin­do um período "silencioso" ou de fácil controle entre o início das manifestações e o período de crises fre­qüentes ou refratárias à medicação.

Há funções importantes relacionadas ao Lobo Temporal a serem comentadas, como a memória e a linguagem.

Há basicamente dois tipos de memória de acordo com sua função: memória de trabalho e memória declarativa. A primeira é processada fun­damentalmente pelo córtex pré-frontal e é útil para manter a informação por alguns segundos ou mi­nutos, enquanto a última serve para registrar fatos, eventos e conhecimentos. Entre estas, há as episódi­cas (que armazenam eventos autobiográficos, que fo­ram assistidos ou participados) e as semânticas (que marcam conhecimentos gerais). Há também as me­mórias procedurais ou de procedimento (referentes a capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais). Os tipos de memória dividem-se em explícitas e im­plícitas. Em relação ao tempo, classifica-se a memó­ria como sendo de curta duração, longa ou remota.

É freqüente a associação da epilepsia de lobo temporal (ELT) às disfunções cognitivas, em especial aos distúrbios de memória de curta e de longa dura­ção, identificáveis pela avaliação neuropsicológica.

As estruturas temporais mesiais estão relacio­nadas com o processamento da memória declarativa de longo prazo no período de desenvolvimento da criança. Indicando que uma lesão precoce nestas regiões não pode ser compensada pela ativação de regiões alternativas e que o grau de prejuízo mnésti­co é relacionado à idade em que a criança adquiriu a lesão6.

Quando as crises têm origem em lobo tempo­ral esquerdo, a perturbação atinge o armazenamen­to de informações verbais; e quando o acometimen­to origina-se no lobo temporal direito, o distúrbio reflete-se na retenção de informações não-verbais e vísuo-espaciais. Sugerindo a manifestação de déficit de memória em indivíduos com epilepsia de difícil controle, principalmente quando o lobo temporal é o local do foco epileptogênico.


Os primeiros documentos acerca dos distúrbios cognitivos e comportamentais das epilepsias de difícil controle na infância são de autoria de Lindsay e Ouns­ted em estudo prospectivo em pacientes com ELT.

O alvo do estudo de Cormack et al. era exami­nar o impacto de variáveis clínicas, na função inte­lectual em um grupo das crianças com ELT, através da revisão dos resultados de testes neuropsicológicos pré-operatórios de 79 crianças com ELT unilateral submetidas a resecção cirúrgica. O impacto da idade no início e a duração da epilepsia, o tipo da enfermidade, e o lado da ressecção e escores do quo­ciente de inteligência (QI) foram examinados. Os resultados mostraram que uma disfunção intelectual (definido como o QI < 79) estava presente na maio­ria das crianças, e a idade no início da epilepsia era o melhor preditor da função intelectual. As crian­ças com início da epilepsia no primeiro ano da vida tiveram uma incidência particularmente elevada de déficit intelectual. Logo, há um período crítico du­rante o primeiro ano da vida para o desenvolvimento subseqüente de habilidades intelectuais, onde a im­portância do tratamento precoce é ainda maior.

Franzon et al. descreveram as características clínicas, electroencefalográficas, e comportamentais de 36 crianças com ELT, divididas em dois grupos. O grupo A com 6 pacientes (com idade inferior a 6 anos) e o grupo B com 30 pacientes (6 a 18 anos). A respeito das características clínicas das crises focais, os componentes do aparelho motor foram observa­dos mais freqüentemente nas crianças com menos de 6 anos de idade, enquanto os automatismos foram mais comuns nos pacientes acima de 6 anos. As cri­ses mioclônicas associadas eram mais freqüentes no grupo de menor idade. A ELT, nas crianças com ida­de inferior a 6 anos, é associada, freqüentemente, aos componentes motores, crises mioclônicas, distúrbios comportamentais e atraso na fala.

As crianças com epilepsia têm maiores riscos de desenvolver distúrbios de aprendizagem. Assim, foi pesquisada a influência da síndrome epiléptica em habilidades da leitura, comparando o perfil neu­ropsicológico. As crianças foram submetidas a testes padronizados que visavam avaliar a linguagem oral, leitura, memória em curto prazo, atenção e ajuste comportamental, em concordância com a idade do início da síndrome epiléptica, da duração, desempe­nho de QI (Quociente de Inteligência). Notou-se que as crianças com ELT tiveram escores baixos para a velocidade e a compreensão da leitura (apesar de va­riáveis como a idade do início, duração e da ativida­de da doença, influenciar o desempenho acadêmico). Além disso, foram encontrados déficits, decorrentes de síndromes epilépticas, no âmbito fonológico, se­mântico e verbal da memória no grupo de ELT. É válido citar que, quanto mais cedo o início da epi­lepsia, pior o armazenamento da informação verbal; lesões mesiais correlacionam-se a prejuízos de me­mória no processo de armazenamento das informa­ções, enquanto lesões neocorticais correlacionam-se a problemas na recuperação das informações; além da lesão temporal (evidenciada em ressonância mag­nética de rotina), há redução da concentração de substância cinzenta em regiões extra-temporais, in­cluindo o córtex frontal e parietal, que podem justifi­car as alterações neuropsicológicas e comportamen­tais encontradas; epilepsia e as alterações cognitivas /comportamentais são resultantes de um substrato anátomo-funcional difusamente comprometido.

O reconhecimento facial é mais pobre na ELT direito. Não havendo diferença entre ELT esquer­da e direita em outras tarefas de memória, mesmo quando as comparações são restringidas aos casos com participação mesial.

Convém fazer um breve paralelo acerca da relação da depressão e epilepsia entre adultos e crianças. A depressão é a comorbidade psicológi­ca/psiquiátrica mais freqüente em pacientes adultos com epilepsia. Em adultos com epilepsia, o suicídio é quatro a cinco vezes mais freqüente do que na po­pulação em geral, sendo 25 vezes mais freqüente em pacientes com ELT1. Há pesquisas que mostram que as crianças com epilepsia apresentam o mesmo índice de tentativas de suicídio e utilizam doses altas de Drogas Antiepilépticas (DAEs). A idade é um fator determinante no tipo de manifestação psicoló­gica/psiquiátrica, sendo a depressão a mais freqüen­te nas crianças maiores de 7 anos e nos adolescen­tes. Assim, as duas principais causas do aumento da mortalidade na população de indivíduos com epilep­sia e depressão são morte súbita e suicídio, ficando evidente a compreensão dos mecanismos responsá­veis pela inter-relação entre a epilepsia e a depressão através da abordagem multidisciplinar (Organização Mundial de Saúde – OMS11). A depressão, a ansieda­de e a psicose são os distúrbios psicológicos/psiquiá­tricos mais freqüentes após a cirurgia da epilepsia. Um estudo analisou a taxa e o espectro do distúrbio mental entre o período pré e pós-cirúrgico da epi­lepsia do lobo temporal, em 60 crianças, com ida­de média de 10 anos e submetidos ao procedimento de lobectomia temporal direita. De uma amostra de 60 crianças, 50 teriam um distúrbio psiquiátri­co, comorbidade psicológica/psiquiátrica, 15 delas mostraram transtorno de déficit de atenção e hipe­ratividade, distúrbio de conduta desafiador opositor e problemas emocionais, e 30 crianças apresentaram distúrbio invasivo do comportamento.

A maioria dos pacientes com ELT submeti­dos à intervenção cirúrgica mostra bons resultados, caracterizados pela melhora da dinâmica familiar, do funcionamento vocacional e social. Apesar dos problemas de saúde mental ser comuns em crianças submetidas à ressecção do lobo temporal, há neces­sidade de atendimento psicológico na fase pré-cirúr­gica.

Há conseqüências psicossociais adversas da ELT precoce em crianças e adultos jovens, como a tendência ao isolamento de seus amigos, assim como o encaminhamento destes infantes às escolas espe­ciais. Inclusive, a criança com epilepsia refratária mostra prejuízos importantes em sua qualidade de vida.

Sendo assim, a ELT, devido a sua complexi­dade, exige cuidados multidisciplinares no intuito de proporcionar ao paciente, além de uma terapêutica adequada, seu bem-estar.


Autor: Bárbara Peinado


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