A SUSPENSÃO DO CONTRATO EM FUNÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO SUSPENDE O PRAZO PRESCRICIONAL?



Dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho, em seus arts. 475 e 476:

Art. 475. O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício.

Art. 476. Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada durante o prazo desse benefício.

Tratam-se, ambos, de causas de suspensão total e parcial do contrato de trabalho. Quando configuradas, provocam a supressão dos efeitos produzidos por este contrato, fazendo com que ele sofra uma paralisação. Extinta a causa que a originou, a relação contratual normalmente se restabelece, trazendo consigo todos os seus efeitos.

É importante lembrar, assim, que a suspensão é temporária, e não impõe a rescisão do contrato de emprego, tendo em vista que se mantém o vínculo empregatício. No entanto, todas as demais cláusulas do contrato se suspendem, até que o contrato seja restabelecido. Protege-se, desse modo, o próprio trabalhador, em nome do princípio da continuidade da relação de emprego.

Suspenso o contrato de trabalho, pois, embora se mantenha o vínculo empregatício, deixam de produzir efeitos todas as demais cláusulas, paralisando, inclusive, as obrigações fundamentais de empregado e empregador, que correspondem à prestação do serviço e à contraprestação pecuniária.

Estabelecidos os efeitos da suspensão do contrato de trabalho, surge a dúvida acerca do prazo prescricional. Assim, ocorrido o acidente de trabalho, com a respectiva suspensão do contrato de trabalho e todos os seus efeitos, estaria suspenso, também, a contagem do prazo prescricional para eventuais reclamações trabalhistas?

O conflito, ao que parece, surge em função do art. 199, I, do Código Civil Pátrio, que assim estabelece:

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva

Diante de tal mandamento normativo, percebe-se que o instituto da prescrição, existente para garantir a segurança jurídica das relações, também pode ter a sua contagem suspensa, havendo causas legais supervenientes que o autorizem.

Desse modo, a prescrição não corre, por exemplo, contra os incapazes, contra os ausentes do País em serviço público da União, Estados ou Municípios, ou mesmo contra os que se encontrem servindo às Forças Armadas, em períodos de guerra.

Tal justificativa se dá pela impossibilidade do sujeito de exercer o seu direito de ação durante tais períodos. A prescrição atua contra aquele que "dorme", contra aquele que, possuindo um direito, mantém-se inerte, inativo. E não se pode alegar descaso de quem sequer teve a oportunidade de reivindicar aquilo que lhe era devido.

Voltando, assim, ao citado art. 199 do Código Civil, indubitável que uma das causas de suspensão da fluência do prazo prescricional é a ocorrência de uma condição suspensiva. Resta saber, no entanto, no campo do Direito do Trabalho, se a suspensão do contrato de trabalho corresponderia ao termo "condição suspensiva" prevista no diploma cível. Isto porque inúmeros advogados trabalhistas invocam o referido artigo para alegar a suspensão da fluência do prazo prescricional em ações movidas a favor de seus clientes.

Assim entendendo, atuaria a suspensão do contrato de trabalho, também, fazendo cessar a fluência do prazo prescricional, que só retornaria a fluir quando eliminada a causa que deu motivo à sua paralisação.

Jurisprudencialmente, não são poucos os julgados nesse sentido. É jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:

SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – AUXÍLIO-DOENÇA – PRESCRIÇÃO – NÃO-FLUÊNCIA – 1. Suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional (leucopenia), com percepção de auxílio-doença, opera-se a correlata suspensão igualmente do fluxo do prazo prescricional para ajuizamento de ação trabalhista. Omissa a Lei, razoável a invocação analógica do artigo 170, inciso I, do Código Civil Brasileiro, segundo o qual não flui a prescrição "pendendo condição suspensiva". Daí se infere a regra absolutamente prudente de que se o titular do direito subjetivo material lesado está impossibilitado de agir, para tornar efetivo o seu direito, não flui a prescrição. Assim, forçoso reconhecer que, enquanto perdura a enfermidade determinante da paralisação das obrigações bilaterais principais do contrato, o empregado acha-se fisicamente impossibilitado de exercer o direito constitucional de ação. 2. Embargos de que se conhece e a que se dá provimento para, com supedâneo no artigo 260 do RITST, afastar a prescrição total do direito de ação do Autor, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para análise do mérito da demanda. (TST – ERR 741962 – SBDI 1 – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 13.12.2002)

Na mesma linha, decidiu por inúmeras vezes o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:

PRESCRIÇÃO – SUSPENSÃO – A vinculação do empregado à previdência social suspende o contrato de trabalho, e por conseqüência a prescrição. O reinício da fluência do prazo ocorre a partir da cessação do benefício, ou em caso de aposentadoria por invalidez, da data em que esta se tornar definitiva. (TRT 2ª R. – RO 20010325187 – (20020351300) – 4ª T. – Rel. Juiz Sergio Winnik – DOESP 07.06.2002).

ACIDENTE LABORAL. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO. Encontrando-se, o obreiro, afastado das suas atividades laborais, decorrente de acidente de trabalho, o contrato está suspenso. Neste diapasão não incide prescrição sobre questão pendente de condição suspensiva, nos termos do art. 199, I, do Código Civil. (TRT 2ª Região, Ac. 6ª Turma, AI 463/2005, DJU 03/03/2006).

AUXÍLIO-DOENÇA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. Em havendo a suspensão do pacto laboral diante do recebimento de auxílio-doença, em decorrência de acidente de trabalho, o prazo prescricional para o ajuizamento de reclamação trabalhista também deve ser suspenso. Recurso ordinário parcialmente provido. (TRT 2ª Região, Ac. 12ª Turma, RO 2579/2006, DJU 24/08/2006).

Do mesmo modo, o tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:

PRESCRIÇÃO – ACIDENTE DE TRABALHO – SUSPENSÃO – Estando o empregado afastado, em decorrência de acidente de trabalho, há de se considerar suspenso o curso do prazo prescricional, pois não parece razoável que o contrato fique suspenso para outros fins, mas não para a fluência do prazo de prescrição, atento a que, na suspensão, como regra, não há trabalho e nem salário, tampouco o afastamento é considerado como tempo de serviço (Alice Monteiro de Barros). (TRT 15ª R. – Proc. 15898/01 – (25283/02) – 1ª T. – Rel. Juiz Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani – DOESP 15.07.2002 – p. 48).

No entanto, hodiernamente, há uma grande mudança no entendimento jurisprudencial. Ao que parece, ao menos em parte, no sentido mais correto.

Argumenta-se, assim, inexistir no ordenamento jurídico pátrio norma que inclua a suspensão do contrato de trabalho entre as condições suspensivas previstas no art. 199 do Código Civil. Se a fluência do prazo prescricional é a regra, o referido artigo, ao estabelecer as exceções a tal regra, é taxativo. Nesse sentido, recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho:

PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ . O entendimento majoritário desta C. Corte firmou-se no sentido de que não há suspensão na interrupção do prazo de prescrição pelo fato de o reclamante receber auxílio-doença. Recurso de Revista conhecido e provido no tema.(Processo TST-RR-1286/2001-381-02-00.8, Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6.ª Turma,inDJ de 4/4/2008).

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. O instituto da prescrição, bem como a suspensão e interrupção do prazo a que se refere, é regulado pelo Código Civil. O art. 199 do CC enumera, taxativamente, as hipóteses de suspensão da prescrição e, dentre elas, não se encontra a suspensão do contrato em face de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Recurso de revista conhecido e desprovido.(Processo TST-RR-45836/2002-900-03-00.0 Rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, in DJ de 16/5/2008).

PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. ACIDENTE DE TRABALHO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. Esta col. Corte já firmou entendimento no sentido de que não há interrupção do prazo de prescrição pelo fato de o Reclamante receber auxílio-doença ou se aposentar por invalidez, uma vez que inexiste, no ordenamento jurídico, dispositivo que autorize essa conclusão a permitir que qualquer incapacidade de trabalho seja prestigiada pela suspensão do prazo prescricional, o que implicaria comprometer o princípio da segurança jurídica. (Processo TST-RR- 905/2002-033-03-41, Rel. Maria de Assis Calsing, 4 ª Turma, in DJ de 17/10/2008)

De fato, é inegável a ausência no ordenamento jurídico de norma que inclua, entre as condições suspensivas do art. 199, a simples suspensão do contrato de trabalho. E embora haja a previsão legal de que as normas de direito comum, quando compatíveis com os princípios elementares que norteiam o direito do trabalho, sejam utilizadas no campo laboral, não se encontra no caso em tela motivos suficientes para tanto.

Conforme visto, o instituto da prescrição fundamenta-se na proteção à segurança jurídica das relações. Tendo o contrato suspenso pela ocorrência do acidente de trabalho, e havendo a impossibilidade de pleitear determinado em juízo, é razoável que não se fale em fluência do prazo prescricional. Contudo, estando o empregado em plenas condições de defender seus interesses em juízo, do mesmo modo não se mostra razoável permitir que se invoque supletivamente a lei cível para proteger o "descaso" daquele que podia agir em juízo e não o fez.

É nesse sentido recente julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, do qual foi relator o Desembargador Edson Bueno:

AUXÍLIO-DOENÇA. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. Seja por ausência de normatização específica quanto à suspensão da prescrição nos casos de suspensão do contrato de trabalho, seja pelo posicionamento doutrinário civilista de que a hipótese aventada no inciso I, artigo 199 do CC-02 não abarca caso de direito em pleno gozo, mas sim de expectativa de direito, não se podendo emprestar os efeitos jurídicos da suspensividade da prescrição aos casos de suspensão do contrato de trabalho, por si só, torna imprescindível que haja constatação nos autos de total impossibilidade do vitimado em acionar o empregador, objetivando a defesa de seus direitos violados. Com efeito, é possível a suspensão da prescrição quando o acidentado encontra-se afastado do trabalho em virtude de incapacidade, desde que essa incapacidade o impossibilite de tomar as medidas judiciais cabíveis à propositura de ação trabalhista contra o ente patronal, mas não pelo simples fato de ter havido a suspensão do contrato de trabalho. Não havendo previsão legal que ampare a suspensão pleiteada, nem prova nos autos de incapacidade absoluta para ajuizar a demanda, tem-se como incabível o seu deferimento. (TRT23. RO - 01215.2007.021.23.00-8. Publicado em: 29/05/08. 1ª Turma. Relator: Desembargador Edson Bueno).

Repita-se que o que fundamenta a suspensão do prazo prescricional, não só no caso em tela, mas em todos os casos citados, é a impossibilidade do titular de um direito de reivindicar esse direito em juízo. Existindo essa impossibilidade, não se pode penalizar o empregado alegando a sua inércia. No entanto, inexistindo essa impossibilidade, não se pode dar guarida ao "descaso" do titular de um direito, permitindo que se invoque o art. 199 do Código Civil para alegar a suspensão da fluência desse prazo, contrariando os fundamentos mais elementares do instituto da prescrição.

Desse modo, não se nega razão em todo àqueles que sustentam a tese de suspensão do prazo prescricional durante o período de suspensão do contrato de trabalho. No entanto, não é a simples suspensão do contrato de trabalho que vai ser motivo suficiente para a suspensão, também, do prazo prescricional. O acidente que gerou a suspensão do contrato deve ser de tal gravidade que impossibilite ao empregado da defesa de seus interesses em juízo, não parecendo haver motivos para se entender suspenso o prazo prescricional quando o empregado tinha plenas condições de exercer o seu direito de ação, e a conseqüente defesa de seus interesses em juízo, e não o fez.


Autor: Celso Morais


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