A Fragilidade Humana



Abandonada pela mãe, menina é criada por cachorros

Uma menina de 3 anos foi encontrada por funcionários de serviço de assistência social da cidade de Ufa (Rússia) sendo criada por cães.Madina, que estava nua, foi abandonada em casa pela mãe alcoólatra.

Madina só conhece duas palavras: 'sim' e 'não'. Ela apenas engatinha, imitando os cachorros, e, quando pessoas se aproximam dela, a menina rosna como um cão.

Segundo a investigação, Anna, a mãe negligente, comia à mesa enquanto Madina disputava comida no chão com os cachorros. A mulher constantemente desaparecia para beber na rua.

"A menina é angelical, mas foi privada de amor e carinho, exceto dos cachorros", contou uma assistente social que está cuidando do caso.

"Os cachorros se tornaram os melhores amigos dela e a esquentavam nos dias mais frios", acrescentou. (Fonte: O Globo, Enviado por Fernando Moreira - 2/3/2009- 11:13)

 Ao ler o texto, reproduzido acima, fiquei pensando na fragilidade do orgulhoso ser humano. Dotado de inteligência, de poder de raciocínio que o levou da descoberta do fogo ao uso de avançada tecnologia, da inseminação ín vitro à clonagem, este ser dividido por razões étnicas, sócio- culturais, morais ou éticas por vezes causa espanto.

Com toda essa potencialidade ainda é um animal cujo filhote é frágil e indefeso, precisa ser cuidado por anos a fio e só começa a andar depois de aproximadamente 10 meses. É geralmente a mãe que lhe dá o alimento, cuida de sua higiene, o mantém aquecido...

Aprende a falar, a andar, cantar, correr,porque lhe ensinam, porque ouve seus iguais, interioriza as imagos, assimila seus exemplos.

Aristóteles( 384 a.C. - 322 a.C), já dizia que o homem é naturalmente um animal social e, hoje, a ciência o reconhece como um ser biopsicossocial, significando que além de uma biologia própria, o homem é dotado de uma psique que o leva a ser, emocionalmente, aquele que produz e sofre uma ação ou impressão, e um aspecto social pois que necessita do outro para viver. Segundo Karl Marx, "não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência".

Com tudo isso, não se pode deixar de lado a relevância da estrutura familiar na vida do indivíduo. Não é apenas o gerar e deixar nascer, mas o amparo emocional, acompanhar o desenvolvimento cognitivo, atender às necessidades.

Essa criatura que vem ao mundo sem meios de se defender ou se manter, que tinha, por certo, nas batidas do coração da mãe, no aconchego do útero materno o seu porto seguro, se vê de repente molhado, sujo, com frio, fome e dor.

Para Melanie Klein[1], todas essas mudanças são sentidas pela criança como uma agressão e passa a ter medo da perseguição de um objeto tanto interno quanto externo. É o que ela chama de Ansiedade Persecutória, que irá dificultar a capacidade de síntese da criança, ou seja, ela não conseguirá perceber o objeto em sua inteireza, haverá sempre o predomínio de um único sentimento. Terá a idéia de que o objeto é, por exemplo, todo mau.

Esse ambiente primário de vinculações arcaicas entre a criança e o objeto é o que o Psicanalista Donald Winnicott[2] chamou de Ambiente Mãe, onde a criança desenvolve a sua psicoafetividade. Para ele, nos primeiros estágios, não existe a mãe e o bebê. Existe apenas a mãe, porque aquilo que a mãe é o bebê também será, ou seja, o bebê absorve e se vincula a tudo o que acontece dentro do ambiente materno. Winnicott assegura que se a criança se desvincula de forma prematura está destinada a psicose, a desagregação do ego.

É nesse período, com a existência absoluta da mãe, que a criança vai ter estimulado os seus pensamentos onipotentes – a mãe atende a todos os seus apelos. Isso é importante porque vai infundir internamente na criança o sentimento de auto-suficiência, formador de uma imagem coesa e forte de si mesma. Pouco a pouco a mãe "sábia" auxilia a criança a ter a noção de existência pessoal e mais adiante essa criança reconhecerá um outro que não a mãe: o pai.

E com a imagem do pai a implantação do superego, uma força controladora que tornará o indivíduo um ser social. Assim, a formação de um superego não adequado levará o indivíduo a ter uma certa inclinação ao crime, à delinqüência. Em contra partida, um superego rígido – interiorização do castrador, segundo Freud, poderá levar ao masoquismo. Portanto, o que vai montar um superego rígido ou não é exatamente a qualidade relacional.

Um relacionamento baseado no respeito, no amor e no cuidado físico-mental vai gerar na criança um sentimento de gratidão que impedirá a destrutividade do ego.

Retornando à notícia sobre a criança russa, é inevitável pensar no seu desenvolvimento.

Uma menina de três anos que não aprendeu a andar, a falar e que rosna a proximidade de estranhos... Uma criança que teve cães como imagens essenciais.

É lícito perguntar: que tipo de adulto se tornará? Que seqüelas surgirão no decorrer de seu crescimento? Que espécie de valores estão sendo agregados?

Enquanto o animal tido como irracional, vigia de longe sua cria e, algumas vezes adota como seus filhotes de outras espécies, o homem, criatura inteligente do universo, expõe suas indefesas crianças às agruras da vida.

Essa noticia é um retrato triste, porém determinante de que o orgulhoso ser humano, que já sabe clonar, ainda não aprendeu a amar.


[1] Melanie Klein (Viena, 30/03/1882 - Londres, 22/10/1960) – Psicanalista austríaca.

[2] Donald Winnicott (Inglaterra, 1886 a 1971) – pesquisou mais de 60 mil crianças, saindo pouco a pouco da pediatria para a psicanálise.


Autor: Isabel Ruiz


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