O Assassino



Lembro-me bem daquela tarde. Acho que em toda a história nunca houve mais cinza do que naquele dia. Foi ali que me tornei um assassino. Mas não foi planejado, não foi premeditado e não foi nem um pouco prazeroso. Queria poder enterrar esse segredo comigo, mas ele me consome a cada dia um pouco mais. Estávamos ele e eu em casa. Confesso que éramos melhores amigos e não daqueles que se conhece em um dia e num piscar de olhos se perde. Éramos carne e unha, vivíamos somente em função um do outro. Ah! Se alguém dissesse algo contra ele eu fincaria minhas unhas em sua garganta e me tornaria um assassino mais cedo... Mas todos tinham muito amor e simpatia por ele. Engraçado o rumo que as coisas tomam... Pois então, estávamos a sós, papeando, como sempre. Sobre o que? Não sei, qualquer coisa! Quando se é amigo tudo é assunto para um bom papo. Pensando bem, talvez tenha sido um pouco prazeroso sim... Mas eu não sou maluco ou coisa do tipo. Foi em legítima defesa! Eu juro que foi! Não gosto dessas coisas de gente morta não, igual esses malucos que estão a solta por aí... Desculpe-me por desviar o assunto, ainda é difícil falar sobre isso... Então, estávamos lá em casa. Olha, muitos dizem que meu motivo era egoísmo, inveja, ciúme e um monte de outras coisas. Mas eu garanto, foi legítima defesa! Eu confesso que sentia mesmo um pouco de inveja e ciúme algumas vezes. Ele sempre teve bastante atenção por aí. Mas essa não foi minha motivação! Eu juro que não... Estávamos lá e de repente eu comecei a olhar pra ele. Vi que fazia tempo que não o olhava diretamente nos olhos e isso me assustou. O brilho no olhar dele havia mudado. Mas mudado muito! Não sei o que aconteceu. Só sei que percebi que ele não era mais o mesmo. Sei lá como eu percebi isso! Mas que diabos, como vou saber? Tem coisas que a gente sabe, mas não tem como explicar. Desculpem... Como disse, ainda estou um tanto sensível quanto ao assunto. Pois é, percebi essa diferença e nesse momento eu vi: "ele quer me matar!". Eu tinha certeza absoluta, sem sombra de dúvidas ele queria me matar. O olhar dele não negava. Percebi que não tínhamos mais assunto para conversar e então o silêncio deu um grito ensurdecedor: "Ele vai te matar! Faça algo!". Não pensei duas vezes... Quer dizer... É, não pensei duas vezes! Com minhas próprias mãos fiz o que tinha que ser feito. Espanquei-o. Estrangulei-o. Acho que até pisei nele. Depois... Se eu falar isso vocês vão achar que sou maluco, desses que gostam de coisas macabras. Mas eu não sou assim. Mas tenho que falar; pensem o que quiserem! ... Tive que retalhar seu corpo. Ele ainda estava um pouco consciente e pedia que eu parasse, mas eu tinha certeza que ele ia me matar se eu não fizesse isso. Cortei em todos os pedaços que pude. É difícil cortar alguém... Mas isso não vem ao caso. Cortei-o até que ele ficasse irreconhecível no meio do meu lixo. E assim foi... Ele realmente ficou irreconhecível, até eu me surpreendi. Mas a culpa estava me consumindo, por isso vim aqui diante de vocês me confessar. Mas foi legítima defesa; eu juro! Pense bem: um personagem ruim mata o escritor, a não ser que o escritor mate esse personagem antes. Foi isso o que fiz. Matei-o antes que ele me matasse. Apesar da simpatia que despertava, sabia que ele só iria me destruir.

- Pobre escritor, tinha um personagem tão bom e foi rasgar tudo, achando que não era bom o suficiente. Agora passa o resto dos seus dias aqui se justificando. Ninguém vem visitar, nem mesmo a boa e velha Criatividade, ou a querida Lucidez.


Autor: Renato Malkov


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