UBUNTU



UBUNTU
por Marcelo C. P. Diniz

Eu aprendi esta palavra num filme muito bonito sobre a África do Sul.

Ubuntu significa "eu sou quem eu sou por causa de quem todos nós somos". Nelson Mandela ensinava um pouco mais: fazemos parte um do outro; quando alguém fere a mim, fere também você, fere todos neste mundo e também ele próprio; nós não estamos sozinhos neste mundo.

Com este princípio na mente e no coração, muitos negros que sofreram horrores dos "africâners", na África do Sul, perdoaram os seus opressores: "fale-me porque fez isto, para eu poder perdoá-lo", eles pediam. A verdade libertava e era tempo de reconciliação. O Sistema aproveitou o momento e anistiava criminosos desde que eles confessassem. "Recebi uma ordem, declaravam os algozes - e por isto matei, fiz o diabo". O reconhecimento era a chave para sair ileso daquela história maldita.

E, então, eu fico pensando se esta palavra africana e o que ela significa - Ubuntu – tem a ver com a cultura brasileira. Vamos pensar naqueles que foram roubados no útero. Roubaram o esparadrapo do hospital onde eles nasceram, os remédios, as vitaminas que as mães deles deveriam ter tomado. Roubaram a merenda escolar que eles deveriam ter comido. Pagaram aos pais deles salários que não eram suficientes para comprar cadernos decentes, muito menos livros. E depois que eles caíram no mundo gritaram bem alto: "nada de compaixão, aprendam a pescar". Mas nem ao menos indicaram onde ficava o rio...

E esta legião de roubados no útero ainda conseguiu produzir alguns cidadãos que, pasmem todos, não são criminosos. São honestos, até porque não têm acesso aos furtos que valem a pena, lutam pela vida, querem dar aos filhos o que não tiveram e abaixam a cabeça quando são discriminados, como se soubessem dizer: "eu anistio a sociedade que me roubou, porque é assim mesmo - eles receberam ordens do seu ambiente cultural". Os roubados no útero nem ao menos precisam ouvir uma confissão para perdoar. Eles não têm o que perdoar, porque é assim mesmo.

O sentimento que falta, não deles, mas dos ladrões, é que quando alguém fere a mim, fere também você, fere todos neste mundo e também ele próprio; nós não estamos sozinhos neste mundo. Mas é preciso muita espiritualidade para entender os ancestrais africanos. Então, que tal? Quando alguém rouba a coisa pública, rouba também você, rouba todos neste país e também ele próprio, pois se a coisa é pública é dele também.

Mas como é difícil aceitar a espiritualidade dos africanos, também é difícil oferecer anistia aos ladrões, pelo menos explicitamente. Ou melhor: queremos cadeia para os criminosos em geral e a maioria deles foi roubada no útero. Mas com os ladrões de gravata é outra história. Esses são inteligentes na maioria, são até admirados. Eles confiam na impunidade, aguardam que o tempo apague as piores lembranças, são cínicos. E a sociedade, acostumada aos pequenos delitos do dia-a-dia, convive com eles, porque fazemos parte um do outro. "Eu sou quem eu sou por causa de quem todos nós somos". Implicitamente, UBUNTU é a nossa palavra.

Autor: Marcelo Diniz


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