A TUTELA DA FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DO BRASIL



  1. Introdução

Desde os primórdios da civilização, os seres humanos se agrupam em torno de algo ou de alguém, constituindo uma família, o segmento social de origem mais primitivo já reconhecido. A família surge como sendo o primeiro meio social do indivíduo. É onde ele vai desenvolver intelectual, espiritual, social e moralmente. Como diz Irlene Azevedo

"a família é uma das instituições fundamentais da sociedade. Seu estudo interessa à Sociologia como realidade ética, política e social, e ao Direito, como realidade social que se constitui em fonte de relações sociais de reconhecida importância pelos interesses individuais e coletivos que encerra, base de futuras pretensões , fonte de efeitos jurídicos " [1]

Porém, a família se configurou de várias formas ao decorrer da História e nem sempre foi alvo de proteção do Estado, como é hoje na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88). Cabe, então, fazer um breve histórico da evolução da família, para que se entenda como ela tomou os aspectos atuais e como o Estado se comportou perante essa instituição.

  1. Evolução da Família

A família primitiva era composta por muitas pessoas ligadas por um parentesco místico. Era uma unidade política dentro do grupo, pois possuía suas leis e seu culto.

A Roma e Grécia antiga tinham em comum o fato de as famílias serem sujeitas ao poder do ancestral comum mais idoso. O Estado Romano praticamente não interferia nos assuntos de família, sendo esse poder exercido pelo "pater". Observa-se, nesse momento histórico, que as faculdades religiosas, políticas e jurídicas pertenciam à figura masculina.

Na Idade Média, com o fortalecimento do Poder Espiritual, surge o casamento religioso como o único meio legítimo para se formar uma família. Nessa época, passou a fazer parte do rito matrimonial a autorização das famílias dos noivos, sempre influenciadas pela situação social e econômica dos nubentes, e se constituía em ato indissolúvel.

Na Idade Moderna, o Estado surge centralizando todo o poder em suas mãos, porém a Igreja Católica era aliada do Estado, fazendo com que muitas leis desse se confundissem com as leis daquela; ou seja, nos Estados Católicos a competência exclusiva para a celebração e validação do casamento era reservada a Igreja Católica. O Direito dessa época é conhecido como Direito Canônico, que influenciou grandemente o direito do Brasil durante muito tempo.O casamento civil surgiu no século XVI e os primeiros países a utilizarem-se do novo instituto foram os europeus, graças à Reforma Protestante e à Revolução Francesa. Mas foi consagrado no Brasil só no século XIX.

Observa-se, desse modo, que só na Idade Contemporânea, com a separação da Igreja do Estado, que esse último vai legislar sobre o Direito de Família, mas só no tocante ao casamento civil e suas conseqüências sucessórias.

No Brasil a situação não foi diferente; ao longo da sua História o Estado não privilegiou a família como uma entidade moral e social nas suas várias formas e sim disciplinou com poucos artigos os atos que envolviam o casamento civil, deixando para o Código Civil regular o Direito de Família que era, até o código de 2002, caucado na patrimonialização das relações familiares.

3. A Família nas Constituições Brasileiras3.1 A Família na Constituição Federal de 1824

A Constituição de 1824 denominada de Constituição Imperial, tratou dos cidadãos brasileiros, seus direitos e garantias, porém, ignorou a instituição casamento (que era praticamente sinônimo de família); tanto o religioso, quanto o civil, importando-se apenas com a família imperialnoCapítulo 3o chamado "Da Família Imperial e sua Dotação", permitindo, assim, que as demais fossem instituídas livremente. Como era grande o número de católicos, o casamento eclesiástico era comumente o mais praticado pelos brasileiros.

3.2A Família na Constituição Federal de 1890 No ano de 1890, com a substituição do Império pela República, separados foram os poderes religiosos e estatais, criando-se com o Decreto n° 181, de 1890, do Governo Provisório, o casamento civil no Brasil e retirando-se do casamento religioso qualquer valor jurídico que o mesmo pudesse apresentar. No dia 24 de fevereiro de 1891, entra em vigor a nova Constituição que dispõe no Título IV, na seção II "Da declaração dos direitos", § 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. Observa-se que a primeira Constituição Republicana cuidou de estabelecer que somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, ou seja, não havia proteção do Estado à família no seu sentido de membros de pessoas unidas por vínculo biológico e afetivo.

3.3A Família naConstituição de 1934

A Constituição de 16 de julho de 1934, primeira a consagrar os direitos sociais, introduziu inovações, diante da reiteração do casamento apenas religioso pelo interior do país. Tratou da família no capítulo I do título V, "Da Família, da Educação e da Cultura" onde se lê:

Art. 144 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.Art. 146 – O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamentoperante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. (...)

Observa-se que no artigo 144 foi usado o termo "família", porém as que têm proteção do Estado são apenas aquelas constituídas pelo casamento indissolúvel, sendo que as constituídas informalmente não eram consideradas família.Cabe ressaltar um avanço na legislação até então muito conservadora:o reconhecimento do casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa.

3.4AFamília na Constituição de 1937A Constituição de 10 de novembro de 1937 disponibilizou um capítulo inteiro para dispor sobre a família. Primeiro reiterou que a família é constituída pelo casamento indissolúvel, sem se referir à sua forma (art. 124). Dispôs também que a educação integral dos filhos é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será indiferente a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. (Art 125). E expõe no final do artigo 127 que,

"O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral".

E para finalizar o capítulo mostrando os reflexos do Estado Social vigente, diz" Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole."

3.5A Família na Constituição de 1946

A Constituição de 18 de setembro de 1946 foi explícita em consagrar no Título VI e capítulo I direitos para a Família:

Art 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.

E ainda, o casamento de vínculo indissolúvel; o casamento civil; o casamento religioso equivalente ao civil se, observadas as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, e inscrito o ato no registro público; o casamento religioso celebrado sem prévia habilitação civil, mas inscrito posteriormente no registro público, a requerimento do casal, mediante habilitação civil posterior à cerimônia religiosa (art. 163, §§ 1°e 2°). Essa constituição deu importância não apenas a família no sentido da palavra casamento, mas também a seus membros no que diz respeito a direitos civis e à assistência social:

        Art 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa.

        Art 165 - A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será regulada pela lei brasileira e em, benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que lhes não seja mais favorável a lei nacional do de cujus .

3.6 . A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1 de 1969A Constituição de 1967, no título IV chamado "Da família, da educação e da cultura", dispõe no artigo 167 e §§ 1º, 2º,3º e 4º referências sobre a Família, agora com proteção de todos os Poderes Públicos:

       Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.

        § 1º - O casamento é indissolúvel.

        § 2º - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.

        § 3º - O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público mediante prévia habilitação perante, a autoridade competente.

E também cuidados mais efetivos à família:

        § 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.

E a Emenda Constitucional n° 1 de 1969, no artigo 175, revogou o parágrafo 1º que dizia que o casamento era indissolúvel, dando lugar a Emenda Constitucional nº 9 para regular o mais novo instituto no Direito de Família: o divórcio.

3.6.1. A Emenda Constitucional n° 9, de 1977

A Emenda Constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977, pôs fim ao caráter indissolúvel do casamento civil e instituiu o divórcio em nosso país. O artigo 1° dessa Emenda deu a seguinte redação ao § 1º do artigo 175 da Emenda Constitucional n° 1 de 1969:

§ 1°O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos.

E o artigo 2° da mesma Emenda n° 9 assim dispôs:

Art. 2° A separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser, de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta Emenda."

A chamada Lei do Divórcio – Lei 6.5l5, de 26 de dezembro de 1977, regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos.

Observa-se, assim, a evolução em termos de Direito de Família e efetivação nos direitos fundamentais quando respeita a liberdade dos cônjuges em escolher seu estado civil.

3.7A Família na constituição de 1988

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), mudanças significativas aconteceram no Direito de Família, como diz Simone Ribeiro"A Carta Constitucional de 1988 revolucionou o Direito de Família, colocando abaixo as suas estruturas já corroídas pelo tempo, edificando novos pilares, mais sólidos e resistentes."[2] Diz também Luiz Netto Lôbo que "projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade"[3].Assim, ela é chamada de Constituição cidadã em razão da evolução que promoveu também nos direitos da personalidade, com destaque para a indenização do dano moral, o reconhecimento de novas entidades familiares, a igualdade dos cônjuges e dos filhos e a facilitação do divórcio. O seu artigo 226 veio dispor na linha das Constituições precedentes, porém com várias inovações:

§ 1° O casamento é civil.

§ 2° O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3°Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5° Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6° O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.E o artigo 227: § 6° Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.Merecem destaque especial, no texto supra, o reconhecimento da família como base da sociedade, reconhecendo o papel indispensável dessa como primeiro meio social do homem. Ela pôs também sob tutela do Estado, todas as famílias, figurada na expressão entidade familiar, inclusive a união estável, que era o concubinato até então reprovado pela sociedade. Como diz Simone Ribeiro,

O reconhecimento da união estável como entidade familiar veio ao encontro de todos os apelos sociais, desde a década de 70, quando o casamento deixou de ser aquela união indissolúvel através da Lei do Divórcio ( Lei n°. 6.515/77 ), aos dias atuais, quando com a Carta de 1988 a simples união entre um homem e uma mulher, com a afeição própria do matrimônio, passou a ser reconhecida e protegida pelo Estado.[4]

Assevera Serejo sobre a entidade Familiar

A idéia de entidade familiar não alcança somente a união estável entre o homem e a mulher. O sentido da expressão é mais amplo e abarca toda a agregação familiar por imposição biopsicológica, por força da vocação social do homem. E hoje, com a opção do Estado da vocação social, a proteção da família alcança também essas formas de convivência que ultimamente tem crescido com a disseminação das monoparentais.[5]

O Estado Democrático de Direito para assegurar uma família estruturada e estável propõe o planejamento familiar gratuito, como diz Kildare Carvalho "A paternidade responsável vem mencionada na Constituição, ao declarar que o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito".[6]A CF/88 também trouxe a igualdade dos cônjuges, rompendo com o velho paradigma que colocava o homem como Chefe da família. Dispõe nesse sentido o artigo 5°, I Art. 5° I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.Hoje, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Desse modo, a CF/88 avançou em termos de família, apesar de não ter disposto expressamente sobre as tendências futuras, como a família homossexual e a paternidade socioafetiva. Mas o que se espera é o aperfeiçoamento dela e de todo ordenamento jurídico para atender as várias formas que vem tomando essa instituição na contemporaneidade.

4. Considerações Finais

A família, cada vez mais diversa, se encontra entre a liberdade de ser diferente na contemporaneidade e a dificuldade de ter todas as suas nuances seguras pelas Leis que não conseguem acompanhar o instituto que muda com a velocidade com que caminha a humanidade. O Estado através de suas Constituições, gradativamente, vem tentando acompanhar e proteger esse instituto tão essencial à vida humana, porém o que se nota é que, com dificuldade ele executa essa tarefa.Hoje, porém, tem-se um grande avanço no "Direito Constitucional da Família", pois a CF/88 primando pelos Direitos Humanos, legislou sobre Família também no mesmo sentido, dando-lhe mais dignidade e segurança, respeitando as suas mudanças e formas. Portanto, a família como instituto mais antigo e mais moderno, no seu universo social, jurídico e psicológico, deve ser protegido não só pelo Estado, mas por toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Adoção à brasileira e a verdade do registro civil. In: Direito de Família: a família na travessia do milênio. Rodrigo da Cunha (Coord.) Belo Horizonte : Del Rey, 2000.

AZEVEDO, Irlene Peixoto Morais de. Transformações familiares.. In :Repensando o direito de família. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 532p. 15,5x22,5cm.

CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In :Repensando o direito de família. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.532. p. 15,5x22,5cm.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 884p. 17,0 X24, 0.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. In: Direito de Família: a família na travessia do milênio. Rodrigo da Cunha (Coord.) Belo Horizonte : Del Rey, 2000.

Presidência da República.Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 26/05/08.

RIBEIRO, Simone Clós César. As inovações constitucionais na Direito de Família.jus navigandi. http://jus2.uol.com .br. Acesso em :17 de out. de 2007.

SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da Família. Belo Horizonte. Del Rey, 1999. 248.p. 13,5X21 cm.


[1]AZEVEDO, Irlene Peixoto Morais de. Transformações familiares.. In :Repensando o direito de família. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 311. 15,5x22,5cm.

[2] RIBEIRO, Simone Clós César. As inovações constitucionais na Direito de Família.jus navigandi. http://jus2.uol.com .br. Acesso em :17 de out. de 2007.

[3] LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. In: Direito de Família: a família na travessia do milênio. Rodrigo da Cunha (Coord.) Belo Horizonte : Del Rey,2000.p. 249

[4] RIBEIRO, Simone Clós César. As inovações constitucionais na Direito de Família.jus navigandi. http://jus2.uol.com .br. Acesso em :17 de out. de 2007.

[5] SEREJO, Lourival. Direito Constitucional da Família. Belo Horizonte. Del Rey, 1999. 248.p. 13,5X21 cm.P. 54-55.

[6] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 884p. 17,0 X24, 0. p. 831.


Autor: joycemara cristina sales de freitas


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