Entre o estupro e a excomunhão
Entre o estupro e a excomunhão havia uma criança inocente.
Ao redor dela, pessoas da família, da medicina e da sociedade. Mediante a
sucessão de atrocidades cometidas a essa menina e aos humanos sensatos que a
circundam, eu me perguntei: "O que leva certas pessoas a conceberem-se a si
mesmas como detentoras do poder sobre a vida e a morte dos semelhantes?" Como
há muitas formas de morrer, além da morte física, há a morte subjetiva, a morte
da identidade, que parece ser o caso em questão.
Com a excomunhão, as pessoas perdem o direito de vivenciar o sentimento de "comum união" com os seus pares, com quem vivem a condição humana e as
crenças que as identificam.
Para ser mais exato, é a Igreja que fecha as portas para aquelas pessoas que, aos olhos impiedosos da hierarquia católica, cometeram o crime e o pecado de levarem a cabo a tentativa de consertar, no que era possível, a violência perpetrada contra uma inocente. Um caso inominável, absurdo demais para que a
razão possa compreender .
Esse desapontamento recrudesce ainda mais quando lembramos o quanto este tipo
de prática se distancia de Jesus. Ele que sentava ao lado da prostituta,
candidata ao apedrejamento; que socorria o doente excluído da sociedade e
penalizado duplamente com a doença; que se colocou do lado daqueles que nem
eram considerados humanos em sua época; e que pediu que deixassem ir a ele as
criancinhas.
No que se tornou a organização católica? Essa instituição que ao longo da história tem se manifestado como uma inimiga da vida, quando a "vida em
abundância" (exatamente o que vem faltando àquela menina e aos seus) é o valor
em relação ao qual todos os outros devem existir? O que faz essa gente
religiosa que, abstendo oficialmente de procriar, quer impor essa obrigação a
ferro e fogo aos outros? Essa gente que não constitui família oficial e se
arroga o direito de legislar sobre a família alheia? Que deixa de conviver
maritalmente para ter mais tempo exatamente para entulhar de normas e regras
aqueles que tem a coragem de constituir família?
O que quer essa gente? Amor? Fraternidade? Compaixão? Tenho lá minhas dúvidas.
Não duvido, porém, que se o Cristo aqui voltasse e começasse a viver tal qual
ele viveu enquanto esteve na Terra, não faltariam entre nós aqueles bispos
dispostos a excomungá-lo também.
___________
* Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e
Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins, Campo
Universitário de Arraias. É autor de "TCC não é um bicho-de-sete-cabeças". Rio
de Janeiro: Ciência Moderna: 2009 (no prelo). Endereço eletrônico: [email protected]
Autor: Wilson Correia
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